• Nenhum resultado encontrado

3.2 Aproximações entre a Modelagem Matemática na Educação Matemática e a

3.2.1 A teoria de Vygotsky: em foco a aprendizagem e o ensino

A teoria de Vygotsky (1896-1934) aponta que o desenvolvimento cognitivo acontece por meio das relações interpessoais com referência ao contexto social, histórico e cultural no qual ocorre. Segundo Ivic (2010), é difícil definir a especificidade da teoria de Vygotsky, uma vez que é uma teoria fundamentada nas seguintes ideias: sociabilidade do homem, interação social, signo e instrumento, cultura, história, funções mentais superiores.

E se houvesse que reunir essas palavras e essas fórmulas em uma única expressão, poder-se-ia dizer que a teoria de Vygotsky é uma “teoria sócio-histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores”, ainda que ela seja chamada mais frequentemente de “teoria histórico-cultural” (IVIC, 2010, p. 15).

Não é o caso de considerar o meio social apenas como uma variável importante no desenvolvimento cognitivo do sujeito, pelo contrário, na perspectiva da teoria sócio-histórico-cultural o desenvolvimento cognitivo é a conversão de relações estabelecidas socialmente em funções mentais. “Não é através do desenvolvimento cognitivo que o indivíduo se torna capaz de socializar, é através da socialização que

se dá o desenvolvimento dos processos mentais superiores” (MOREIRA, 2016, p. 19). É por meio da mediação, processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação, que as relações sociais se convertem em funções psicológicas.

Quer dizer, a conversão de relações sociais em funções mentais superiores não é direta, é mediada e essa mediação inclui o uso de instrumentos e signos. Esse processo de interiorização implica uma mediação essencialmente humana e semiótica na qual a linguagem e, em particular, a palavra, é essencial (MOREIRA, 2016, p. 19).

Vale destacar que Vygotsky entende que desenvolvimento e aprendizagem não são sinônimos e nem processos coincidentes. Para o referido autor,

[...] o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (VYGOTSKY, 1991, p. 60-61).

Segundo os pressupostos Vygotskyanos, é por meio da aprendizagem que se pode despertar o desenvolvimento de Funções Psicológicas Superiores22 (FPS), tais

como a intenção, o planejamento, a atenção, a memória, a formação de conceitos. Logo, o desenvolvimento humano está ligado de maneira intrínseca à aprendizagem, que se dá em determinado grupo social e a partir da interação com os demais.

Resumindo, o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991, p. 61).

De acordo com Vygotsky (1991), existem dois níveis de desenvolvimento. “O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados” (VYGOTSKY, 1991, p. 57). O segundo, é o nível de desenvolvimento potencial, “determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com

companheiros mais capazes” (VYGOTSKY, 1991, p. 58). É nessa perspectiva que se destaca a zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

Vygotsky (2001) define a ZDP como a diferença entre a idade mental real de uma criança (estudante) e o nível que ela atinge quando resolve problemas com o auxílio de outras pessoas mais experientes. Ou seja, a ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.

A ZDP está em constante modificação, pois é formada por funções que ainda não amadureceram, mas estão em processo de maturação. Tão logo uma função amadureça, ou seja, torne-se um desenvolvimento real, uma nova ZDP é estabelecida.

A teoria desenvolvida por Vygotsky traz implicações imediatas para o ensino escolar. Compreender a aprendizagem como um processo de internalização23 do

estudante revela que a aprendizagem está associada às ações e às reflexões desse estudante no ambiente escolar. A partir desse entendimento, não faz sentido pensar em aprendizagem por meio de metodologias nas quais apenas o professor fala, não permite a interação entre os demais sujeitos e exige a correta aplicação e manipulação de conceitos.

Outra implicação está no objetivo do ensino. Uma vez que a aprendizagem e o desenvolvimento são importantes, a escola tem papel essencial;

[...] a escola [deve] dirigir o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimentos ainda não incorporados pelos alunos, funcionando como um motor de novas conquistas psicológicas. Para a criança que frequenta a escola, o aprendizado escolar é elemento central no seu desenvolvimento (OLIVEIRA, 2001, p. 62).

Por isso que Vygotsky (2010, p. 114) aponta que “o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”. Assim, o professor deve buscar identificar os desenvolvimentos, ainda não internalizados pelos estudantes em vistas de propor tarefas que provoquem avanços que não ocorreriam espontaneamente (OLIVEIRA, 2001).

Entretanto, a aprendizagem escolar não parte do zero. Para exemplificar tal afirmação, Vygotsky (2010) lança mão do exemplo de uma criança que antes de

23 Segundo Vygostsky (1991, p. 40), “internalização é a reconstrução interna de uma operação

externa”. A internalização envolve a operação de reconstruir uma atividade externa para tornar-se uma atividade interna e a transformação de um processo interpessoal em intrapessoal.

frequentar a escola e as aulas de Matemática já adquiriu determinada experiência referente a quantidades, a operações de divisão e adição. Por esse motivo o autor coloca que a criança teve uma pré-escola de aritmética e, ao chegar à escola, traz consigo alguns conceitos (VYGOTSKY, 2010).

A partir das obras de Vygotsky, Martins (2011, p. 14) define conceito como “uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas”. Além disso,

[...] os conceitos originam-se a partir de um processo que se inicia na fase mais precoce da infância. O processo de aquisição/construção de conceitos se traduz num conjunto de desafios: o de se destacar das situações e objetos; o de destacar um objeto do outro; o de decompor, analisar, sintetizar objetos e situações; o de generalizar o aprendido em utilização concomitante ou posterior (MARTINS, 2011, p. 14).

Vygotsky (2001) coloca a existência de dois tipos de conceitos: os conceitos espontâneos (ou quotidianos) e os conceitos científicos. Moysés (2007, p. 35) resume esses dois conceitos da seguinte maneira:

[...] os primeiros como sendo aqueles que a criança aprende no seu dia a dia, nascidos do contato que ela possa ter tido com determinados objetos, fatos, fenômenos, etc., dos quais ela não tem sequer consciência. E os últimos, como sendo aqueles sistematizados e transmitidos intencionalmente, em geral, segundo uma metodologia específica. São, por excelência, os conceitos que se aprendem na situação escolar.

Embora sejam diferentes, os conceitos espontâneos e científicos estão inter- relacionados. Os conceitos espontâneos, ligados diretamente a situações concretas, fornecem concretude aos conceitos científicos, que são abstratos. O movimento contrário também é válido. Sobre isso, Vygotsky (2001, p. 108) escreve:

[...] ao forçarem lentamente o seu caminho ascendente, os conceitos quotidianos abrem caminho para os conceitos científicos e o seu desenvolvimento descendente. Cria uma série de estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um conceito, que lhe dão corpo e vitalidade. Os conceitos científicos, por seu turno, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança rumo à consciência e à utilização deliberada. Os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo, através dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos desenvolvem-se para cima, através dos conceitos científicos.

Para Vygotsky (2001), os conceitos científicos e os espontâneos são confrontados e o nível de desenvolvimento real do estudante é ampliado após a realização de uma síntese entre esses dois tipos de conceitos. Esse processo de confronto e síntese ocorre na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, na distância existente entre o que o estudante é capaz de fazer sozinho (desenvolvimento real) e o que ele consegue fazer com o auxílio de outro (desenvolvimento potencial). Da síntese, o estudante amplia seu nível de desenvolvimento real, de modo que uma nova ZDP é estabelecida. Esse processo ocorre de forma recorrente, conforme exposto na figura.

Figura 3.3: Estabelecimento de novas ZDP

Fonte: A autora.

Desse modo, conforme propõe Oliveira (2001), o ensino escolar deve ter como ponto de partida o nível de desenvolvimento real do estudante e como ponto de chegada os objetivos estabelecidos pelo professor, os quais devem estar adequados ao nível de conhecimento e de habilidades de cada estudante.

A partir do que aqui foi exposto, neste relatório de pesquisa, apoiados na teoria vygotskyana, assumimos a aprendizagem como um processo pelo qual o estudante internaliza conceitos a partir do seu contato pessoal com as pessoas e com o meio social que o cercam. Assim, o professor precisa assumir a responsabilidade de escolher metodologias de ensino que considerem situações em sala de aula que

estimulem a aprendizagem e o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores como o pensamento, a reflexão, o posicionamento, o diálogo.

3.2.2 Interlocuções entre a teoria vygotskyana e a Modelagem Matemática na