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4 O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO FORMAL

4.1 A teoria de Jean Piaget

Piaget (2003b) dedicou seu tempo à investigação sobre como o ser humano evolui cognitivamente, iniciando sua existência num nível baseado em aspectos sensório-motores: reflexos e instintivos, chegando ao pensamento racional ou formal, reflexivo e abstrato e como se processo a aquisição desse pensamento. Denominada Epistemologia Genética, sua teoria busca explicar a gênese do conhecimento, ou seja, considera a aprendizagem humana como um processo e não como algo hereditário, inato, identificando as diversas fases do desenvolvimento cognitivo, considerando a gênese, origem e evolução do conhecimento elaborado em interação com o mundo de forma ativa.

O autor ainda oferece explicações que nos permitem compreender facetas do processo ensino-aprendizagem, desconstruindo concepções como a inatista, que considera a criança como um ser passivo nesse processo. Para ele, a criança se desenvolve em interação com os objetos, com o outro e com o meio de forma ativa, modificando o meio e sendo modificada por ele. Diferentemente das concepções comportamentalista e gestaltista que defendem que a inteligência vem de fora para dentro de forma passiva e mecânica, Piaget defende que o sujeito aprende e se modifica em um processo contínuo.

Piaget et al. (1977 apud GARAKIS et al., 1998, p. 16) expõe que “[...] para conhecer os objetos o sujeito deve agir sobre eles e portanto transformá-los: deve deslocá-los, ligá-los e reuni-los novamente.”

O ser humano também é influenciado pelo meio externo e pela qualidade das interações estabelecidas com os objetos e com o outro.

Garakis (1998, p. 16) coloca que: “Agir sobre os objetos, portanto, para obter conhecimento a respeito de suas propriedades (experiência física) assim como para retirar

conhecimento sobre os resultados de suas próprias ações enquanto sujeito (experiência lógico- matemática).”

A forma de apreender o objeto compreende essas duas formas de experiências vitais na evolução do pensamento, que se complementam continuamente.

Sua formação inicial em biologia influenciou vários aspectos da obra de Piaget, como a questão da adaptação biológica que visa a gerar uma organização mental. A adaptação é vista como mecanismo de sobrevivência das espécies, resistindo e se organizando para superar as situações adversas do meio. A adaptação está voltada para os aspectos externos à espécie, ligados a fatores ambientais, a organização está diretamente ligada a aspetos internos da espécie, visando à própria sobrevivência. Nesta conjuntura de sobrevivência, Piaget nos esclarece que a assimilação significa incorporar cognitivamente os objetos, fazendo analogia ao processo biológico de absorver um alimento. No processo de assimilar e adaptar o estudioso sintetiza no que chamou de acomodação, que seria o ajustamento dos esquemas assimilados às diversas situações e similaridades de cada situação enfrentada pela espécie. Assim, podemos compreender seu conceito de inteligência para ele:

Um ato inteligente é uma atividade adaptativa e para que a adaptação seja possível é preciso que a assimilação e acomodação não se prejudiquem, ao contrário, ajudem- se mutualmente, podemos definir então adaptação como sendo o equilíbrio entre assimilação e acomodação, o que equivale dizer, um equilíbrio entre o sujeito e os objetos (PIAGET, 1967 apud GARAKIS, 1998, p. 31).

Segundo Garakis (1998, p. 31), “[...] no entanto, um ato de conhecimento só pode ser considerado inteligente se assimilação e acomodação estiverem equilibradas.”

Dessa forma, os mecanismos de assimilação e acomodação visam uma adaptação, que pode ser a uma situação nova, que exigirá do sujeito um processo de equilibração a fim de solucionar um determinado problema. Compreendendo sempre dois aspectos distintos, a assimilação e a acomodação do objeto. Esse processo inicialmente ocorre no nível da ação, quando o bebê ainda não se diferencia do meio que o cerca, no estágio sensório-motor. Num momento posterior, a equilibração acontece de forma simbólica, pois a criança não se encontra mais ligada aos objetos da ação. O desenvolvimento da função simbólica já desenvolvida, o sujeito não está mais limitado somente ao plano da ação.

Dessa forma, a inteligência já está presente desde os primeiros anos de vida do sujeito.

“Piaget adota resolutamente a seguinte atitude e define a inteligência como uma das formas da adaptação.” (DOLLE, 2010, p. 49).

Outro aspecto inerente à teoria de Piaget é o termo estrutura, imprescindível para a compreensão do processo de construção do conhecimento humano no contexto de sua teoria.

Segundo Garakis (1998, p. 35),

Piaget é considerado por alguns estudiosos como estruturalista, pelo fato de admitir a existência de estruturas mentais que caracterizam as etapas do desenvolvimento cognitivo. No entanto, para ele, estas estruturas não são pré-formadas ou pré- determinadas, o que o distingue de uma determinada tendência estruturalista que considera que elas existem desde o princípio e se toma consciência delas tardiamente.

Para compreender melhor essa questão defendida pela autora citada, precisamos refletir sobre alguns pressupostos piagetianos sobre a questão da estrutura, para posteriormente contextualizarmos esse termo nos estágios de desenvolvimento.

Para Piaget (2003a), uma estrutura é um sistema de transformações que comporta leis como sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conserva ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores, compreendendo, dessa forma, os caracteres dialéticos de totalidade, de transformação e de autorregulação. A totalidade é aquela das estruturas e dos agregados, ou compostos a partir de elementos independentes do todo. Uma estrutura é, por certo, formada de elementos, mas estes estão subordinados às leis que caracterizam o sistema como tal: e essas leis, ditas de composição, não se reduzem a associações cumulativas, mas conferem ao todo, enquanto tal, propriedades de conjunto distintas daquelas que pertencem aos elementos.

Para Piaget (2003a), as transformações representam um sistema de transformações e não uma forma estática qualquer; nesse sentido, as totalidades estruturantes são, ao mesmo tempo, estruturantes e estruturadas. Essa bipolaridade se justifica na dinâmica das transformações que são inerentes ao estruturalismo defendido pelo autor em foco. A terceira característica fundamental das estruturas, ainda segundo o autor, é de se regularem elas próprias, definida pelo autor como autorregulação que acarreta a conservação e de certa forma um fechamento. Essa característica nos fornece subsídios para uma compreensão da evolução no sentido da passagem de um estágio para outro. Esse fechamento não significa o isolamento de um estágio para o outro, mas, sim, que uma subestrutura de um estágio anterior pode entrar

numa estrutura mais ampla em um estágio posterior, mais complexa e aponta que esse fechamento não significa o anulamento da etapa anterior e sim seu enriquecimento.