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A Teoria da Sintaxe Espacial aplicada na qualificação das calçadas de

No documento Sintaxe Catarina (páginas 115-120)

Florianópolis

Fábio Lúcio Lopes Zampieri Vanessa Goulart Dorneles

A qualidade das calçadas de qualquer cidade influencia o movimento de pedestres. Não apenas pelas suas características físicas, mas por uma porção de fatores que podem condicionar a escolha dos usuários em andar ou não por aquele local.

Para se avaliar a qualidade destas calçadas, portanto, não é possível apenas analisar seus aspectos físicos, como condições de pisos e dimensões. Segundo Landis (2001), devem-se avaliar principalmente a segurança e o conforto.

Enquanto o conforto pode ser avaliado apenas localmente, pela qualidade do passeio em si, do ponto de vista mais amplo, a segurança dos pedestres depende de inúmeros fatores como presença de policiamento, distância segura do fluxo de veículos motorizados, controle visual, copresença, entre outros. Portanto, não é possível avaliar a qualidade de um passeio de forma isolada, sem considerar o entorno urbano, a morfologia urbana, as relações espaciais entre ele e a cidade.

A Sintaxe Espacial28 é uma das teorias que podem contribuir para

a compreensão do fenômeno do movimento de pedestres, pois consegue 28 A Sintaxe Espacial estuda o conjunto de “estruturas de regras relacionadas” (HILLIER et al., 1976) formadas pela combinação entre objetos, suas relações e as operações elementares entre eles. O objeto de estudo dessa teoria é o espaço, seja ele urbano ou arquitetônico. A Sintaxe Espacial estuda a relação entre o arranjo dos espaços físicos construídos pelo homem.

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explicar o movimento natural, considerado por Hillier et al. (1993) como o movimento ocasionado pela malha urbana (configuração). Deste modo, quando as pessoas escolhem a melhor rota de deslocamento para chegar ao seu destino, obrigatoriamente são restringidas pela disposição das barreiras criadas pela parte privada do sistema e condicionadas a tomar os caminhos livres pela parte pública. O tipo de estrutura de organização do espaço configura o sistema peatonal urbano (ZAMPIERI, 2006) composto pelas possibilidades de deslocamento dos pedestres. Embora este sistema possibilite muitas rotas para chegar a um destino, algumas delas são mais inteligíveis para as pessoas. Segundo a Teoria da Sintaxe Espacial (HILLIER; HANSON, 1984), os espaços mais inteligíveis são aqueles que apresentam a característica global de grande integração com o resto do sistema e a propriedade local de serem bem conectados às outras do sistema.

Embora o movimento de pedestres seja parcialmente explicado pela Sintaxe Espacial (HILLIER et al., 1993; ZAMPIERI, 2012a; ZAMPIERI, 2006), eles também são condicionados por características locais das próprias calçadas. A Sintaxe explica o movimento em larga escala que ocorre na cidade, gerado pela malha urbana e amplificado pelos atratores, que são as edificações. No entanto, as características locais do próprio passeio podem e irão influenciar o deslocamento, chegando por vezes a impedir o movimento. É neste ponto que entra a colaboração de outras teorias que permitem um melhor entendimento de como o movimento na escala local do passeio pode ser condicionado. Conscientes ou não, os pedestres escolhem as calçadas por onde andam e esse comportamento, quando entendido melhor, pode ser utilizado na própria concepção destes espaços. Assim, a morfologia explica parte do fluxo, condicionando o movimento através de suas restrições e facilidades, enquanto a qualidade local do passeio direciona o movimento local de baixa escala.

Em pesquisa recente sobre novos métodos de Sintaxe Espacial, Hillier e Stunts (2005) comentam sobre os índices de caminhabilidade e sua necessidade para entender o fluxo de pedestres quando as características da malha urbana e seus atratores não são suficientes, e completam:

Also, changing the value of different input variables – such as those relating to the width of a walkway, for example, or the amount of active frontage – can help in forecasting the movement patterns that

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would likely result. In fact, combinations of factors can be analysed and modified, allowing for a robust methodology. (HILLIER; STUNTS, 2005).

Partindo-se desta premissa, desenvolveu-se uma abordagem que visa construir um modelo que aumenta a robustez da sintaxe em avaliar o potencial de pedestres através de um modelo de análise/simulação. Do mesmo modo, a metodologia proposta, além de avaliar o fluxo de pedestres através da simulação, também é capaz de propor melhoria para os passeios contrapondo as variáveis espaciais e o fluxo de pedestres, indicando uma classificação de qualidade que é ponderada pelos próprios usuários e por seu comportamento.

Assim, este capítulo pretende apresentar o índice de caminhabilidade, oriundo da necessidade de apresentar uma solução viável de acessibilidade para as calçadas da cidade, tendo como objeto de estudo uma região do Centro de Florianópolis. O trabalho consiste em avaliar o comportamento e a preferência dos pedestres ao caminhar pela cidade para se determinar quais são calçadas que necessitam de manutenção e qual a prioridade em fazê-lo. Com o auxílio da Teoria da Sintaxe Espacial é possível determinar se existe correlação entre as calçadas mais acessíveis e o nível de integração global e local nas mesmas e, ainda, se existe correlação entre os níveis de prioridades com a profundidade da morfologia urbana do local.

Esse modo de avaliação permite perceber a necessidade de cada calçada para criar metas que assegurem aos pedestres um mínimo de conforto e segurança, que irá depender da importância da calçada no tecido urbano, de seu fluxo, necessidades do entorno, etc. Desse modo, compreende-se como as implicações sociais da comunidade que constrói a cidade também potencializam os fluxos de pedestres para qualificar os passeios.

Recorrentemente, pesquisadores têm avaliado os passeios de acordo com suas expectativas, dando importância para fatores através da avaliação dos pedestres ou de técnicos para isso. Esse modo de avaliação desconsidera a participação da cidade, através de sua malha urbana e de suas edificações, já que se sabe o quanto as mudanças na malha urbana e no uso do solo podem alteram os fluxos de pedestres. Neste modelo não se despreza as avaliações técnicas, tampouco a opinião dos usuários. A intenção é somar a elas um diagnóstico preciso do sistema de circulação peatonal. Com

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o desenvolvimento de um modelo matemático do fluxo de pedestres utilizando Redes Neurais Artificiais, pode-se medir a importância de cada variável do sistema e avaliar suas correlações.

O índice de caminhabilidade que se pretende atingir é aquele que avalia a importância das variáveis para o sistema em toda a sua complexidade e, ainda assim, considera a opinião dos usuários e o diagnóstico dos técnicos. Esse modo de avaliação do sistema peatonal traz à discussão uma nova gama de possibilidades em suas avaliações. Os técnicos poderão basear suas ações no desempenho das variáveis urbanas, bem como sua importância para a população e a necessidade do ambiente peatonal urbano. Além dos diagnósticos serem mais precisos, as decisões técnicas ficam balizadas em dados estatísticos e de opinião pública, o que facilita o trabalho dos grupos técnicos.

Este método utiliza teorias referentes a duas linhas de pesquisa diferentes que, de certo modo, se complementam para criar um modelo de análise do movimento peatonal, são elas: a Sintaxe Espacial e as medidas de desempenho. Esse método foi utilizado por Zampieri (2006) e apresentou resultados adequados, com mais de 90% de coeficiente de correlação e erros quadráticos médios inferiores a 0,01.

As medidas de desempenho trabalham com o nível local do passeio para compreender como, quais e de que forma as variáveis do ambiente influenciam o deslocamento do pedestre, no sentido de sentir-se confortável e seguro por onde anda. A relação entre o pedestre e seu meio ambiente, as calçadas e as ruas, é vital para a circulação, e avaliar suas condições é muito mais complexo em comparação aos veículos automotores. Diferente de outros meios de transporte, uma via para pedestres deve ser projetada para suprir as necessidades dos indivíduos com menores habilidades, como idosos, crianças e portadores de necessidades especiais, pois assim são adequadas a toda a população (DIXON, 1996). Burden (2001) trabalha em transformar as cidades, tornando-as mais habitáveis e acessíveis a pé. Ele afirma que múltiplos fatores afetam o pedestre e definiu-os em capacidade da calçada, qualidade do ambiente para pedestres e percepção de segurança com respeito aos veículos automotores.

Diferentemente da anterior, a Sintaxe Espacial parte da afirmação que as cidades são mecanismos para geração de um campo potencial

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de probabilísticos encontros sociais e copresença (HILLIER, 2004), ou seja, não é o efeito da cidade, mas, sim, o efeito social que potencializa o fluxo de pedestres. Com isso, a sintaxe permite interpretar os atributos do espaço, a partir das definições dos assentamentos constituírem-se basicamente por uma sequência de espaços abertos, definido por uma sequência de barreiras. As edificações e outras formas de restrição ao movimento formam estas barreiras, impedindo o livre movimento dos pedestres e conformando os espaços abertos. Ao estudar os métodos quantitativos que visam à predição do fluxo de pedestres, Hillier et al. (1993) descobriram que muitos deles eram simplesmente adaptações de modelos empregados em estudos veiculares. O que ficava implícito nessas teorias é que a movimentação das pessoas estava somente ligada à atração exercida pelos atratores, ou seja, a população se deslocaria simplesmente para entrar nas edificações. Essa espécie de teoria parece desconsiderar quase totalmente a configuração urbana. Um modelo urbano que pretenda entender o fluxo de pedestres deve levar em consideração muito mais do que simplesmente as características físicas do passeio. Ele deve abranger também as características morfológicas da cidade. Os planejadores urbanos entendem o valor do desenho da cidade, pois ele é construído pelas tensões existentes entre as forças sociais e econômicas existentes na cidade.

O método apresentado neste capítulo procura apreender as características urbanas partindo da estrutura de toda a cidade (nível global) para a calçada em si (nível local) com o auxílio de um modelo urbano de análise baseado em Redes Neurais Artificiais (RNAs). Assim, pode-se entender a dinâmica da cidade, agindo diretamente onde a necessidade dos pedestres se faz presente. As cidades não possuem mais condições de fazer investimentos para qualificar calçadas que não são utilizadas, mas, de outra forma, é dever do poder público prover os passeios de condições que os tornem “caminháveis”. Ao criar um modelo urbano essa decisão fica amparada em uma ferramenta lógica de decisão. Deste modo, a aplicação do índice de caminhabilidade é posterior ao conhecimento das características existentes que fazem com que os pedestres escolham cada calçada desejada, ou seja, descobre-se o motivo que leva o pedestre a andar pela calçada e a partir das prioridades do pedestre se organiza este índice.

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No documento Sintaxe Catarina (páginas 115-120)