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I AS TEORIAS QUE DÃO SUPORTE AO TERÇO COMO PRÁTICA SÓCIO-DISCURSIVA

1.4 A Análise do Discurso Crítica

1.4.1 A teoria social do discurso

Ao propor a teoria social do discurso, Fairclough quer fazer entender que o uso da linguagem é uma prática social, um modo de ação historicamente situado, constituído socialmente e de identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença. Desta forma, há uma relação dialética entre o discurso e a sociedade: “o discurso é moldado pela estrutura social, mas é também constitutivo da estrutura social” (RAMALHO & RESENDE, 2006, p. 26-27).

Sobre o uso do termo discurso, Fairclough (2001, p.90-91) diz:

Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. (..) Segundo, implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. Por outro lado, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido maisamplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações específicas em instituições particulares, como o direito ou a educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-discursiva, e assim por diante.

O discurso é, assim, analisado, na Análise do Discurso Crítica (ADC), segundo três dimensões: o texto, a prática discursiva e a prática social. Na prática lingüística (texto), há quatro categorias a serem analisadas: vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual; a prática discursiva envolve os processos de produção, distribuição e consumo de textos, a intertextualidade, a força dos enunciados e da coerência; a prática social, por sua vez, refere- se às categorias de ideologia (sentidos, pressuposições, metáforas) e de hegemonia (orientações econômicas, políticas, culturais e ideológicas). Vale ressaltar que tal divisão não

implica separar as dimensões de análise citadas, haja vista que elas se apresentam intimamente interligadas.

Trata-se de um método de análise “que privilegia a articulação entre práticas sociais na análise, que representa, sobretudo, um movimento do discurso para as práticas sociodiscursivas” (RAMALHO & RESENDE, 2006, p.146). Isto implica que o discurso se aprende por meio da prática social e, ao mesmo tempo, as desencadeia. Assim, “a teoria de Fairclough é inovadora quando propõe examinar em profundidade não apenas o papel da linguagem na reprodução das práticas sociais e das ideologias, mas também seu papel fundamental na transformação social” (MAGALHÃES, 2001, p. 11). Então, a ADC analisa o discurso tendo como foco, além dos mecanismos de reprodução, as mudanças discursiva e social.

Saliente-se, desta forma, a importância da teoria social como bem comenta Silva (2003, p. 57):

A importância da teoria social do discurso para a pesquisa lingüística consiste na visão tridimensional da proposta, que permite enfocar a gramática na arquitetura do texto, associando-a a um enfoque crítico de práticas lingüísticas que, em condições propícias, podem levar a mudanças discursivas e sociais. Registre-se que o propósito de unir, a análise lingüística com a teoria social respalda-se (...) no sentido sócio-histórico do discurso conjugado com o sentido de interação, dimensões que fazem da língua um contrato social.

Desta forma, a ADC centra-se em uma perspectiva científica de crítica social que tem como objetivo prover base científica para um questionamento crítico da vida social em termos políticos e morais, ou seja, em termos de justiça social e de poder (FAIRCLOUGH, 2003).

Discutamos ainda sobre o estudo dos sistemas internos das línguas naturais sob o foco das funções sociais. Os pressupostos teóricos da Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) de Halliday são operacionalizados dentro do enquadre teórico metodológico da Análise do Discurso Crítica proposto por Fairclough. Isto porque

aborda a linguagem como um sistema aberto, atentando para uma visão dialética que percebe os textos não só como estruturados no sistema mas também potencialmente inovadores do sistema: toda instância discursiva ‘abre o sistema para novos estímulos de seu meio social’ (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 141 apud RAMALHO & RESENDE, 2006, p. 56)

O paradigma funcionalista, assim, que está baseado em uma visão de que a linguagem é um fenômeno social que se desenvolve a partir de habilidades e necessidades comunicativas e que, por isso, deve ser estudada em relação à sua função social, analisa as funções entre formas e funções lingüísticas, a relação entre código e uso, além de investigar como as formas atuam no sentido da ideologia. Desta forma, este paradigma concebe o discurso como linguagem em uso, ao passo que em sua análise há uma inter-relação entre linguagem e contexto, considerando, além disso, a relação entre os participantes da comunicação, seu contexto e seus modos de interação, entre outros elementos.

Fairclough (2003) operacionaliza as macrofunções da linguagem propostas por Halliday, as quais se manifestam em um texto simultaneamente – a função ideacional, a interpessoal (que sofreu cisão em Fairclough em identitária e relacional) e a textual – em três tipos de significados: acional, associado a gêneros; representacional, a discursos; e identificacional, a estilos.

É importante ressaltar que Fairclough prefere se ater mais aos significados acima discutidos. Vejamos o que o lingüista fala sobre isto:

As abordagens ‘funcionais’ da linguagem enfatizam a ‘multifuncionalidade’ dos textos. A Lingüística Sistêmico-Funcional, por exemplo, afirma que os textos têm simultaneamente as funções ‘ideacional’, ‘interpessoal’ e ‘textual’. Isto é, os textos simultaneamente representam aspectos do mundo (o mundo físico, o social e o mental); interpretam as relações sociais entre participantes; de modo coerente e coesivo conectam partes de textos, e conectam textos com seus contextos situacionais (Halliday, 1978, 1994). Ou melhor, as pessoas fazem tudo isso no processo de construção de significados nos eventos sociais, que inclui produção (tessitura) de textos. Também verei os textos como ‘multifuncionais’ nesse sentido, embora de maneira bastante diferente, de acordo com a distinção entre gêneros, discursos e estilos como as três principais maneiras em que o discurso figura como parte da prática social – modos de agir, modos de representar, modos

de ser. Ou, usando outras palavras: a relação do texto com o evento; com o que há de mais amplo no mundo físico e social, e com as pessoas envolvidas no evento. No entanto, prefiro falar sobre três principais tipos de significações de funções:

A representação corresponde à função ‘ideacional’ de Halliday; Ação se aproxima de sua função ‘interpessoal’, embora a ênfase maior seja no texto como modo de inter(agir) em eventos sociais, e possa ser visto como que incorporando Relação (representando relações sociais); Halliday não diferencia uma função separada para identificação – a maior parte do que eu incluo como Identificação está na função ‘interpessoal’ de Halliday. Não faço distinção de uma função ‘textual’ separadamente, antes a incorporo com a Ação. (FAIRCLOUGH, 2003, p. 31-32)

Desta feita, Fairclough (2003) reconhece a multifuncionalidade das orações com base nos estudos funcionais de Halliday, explorando a combinação dos tipos maiores de significações textuais já explicitados.