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É de grande valia a abordagem que Miguel Reale Júnior faz da possibilidade de adoção, com relação ao fenômeno dos crimes econômicos, do exercício do controle social por um caminho intermediário, localizado entre o sistema penal clássico, sancionador, que continuaria a punir com penas privativas de liberdade e o sistema administrativo puro, das multas. Tal opção intermediária é por ele denominada de terceira via254.

As condutas humanas podem ser classificadas em três grandes grupos: as que são nocivas ao convívio social, as que a ele são benéficas e as que não trazem consigo qualquer tom de significado.

Matar e ofender a integridade física, como regra, são condutas consideradas contrárias ao bom andamento da vida social, embora os ordenamentos jurídicos, em casos excepcionais, autorizem essas ações quando, por exemplo, estão amparadas por causas excludentes de ilicitude. São condutas que trazem consigo uma carga de significado negativo, encerram um desvalor. São condutas socialmente indesejadas e, por isso, acabam alvos de repreensão social.

Dar conforto a quem tenha perdido ente querido e auxiliar o próximo materialmente são ações humanas carregadas de significados positivos. São ações agregadoras, virtuosas, agradáveis ao convívio social. As condutas dessa natureza devem ser estimuladas.

Por fim, podem ser apontadas condutas neutras, que não carregam consigo qualquer significado valorativo como, por exemplo, alimentar-se ou caminhar. São ações desprovidas de sentido ético ou moral, em relação às quais não se exprimem juízos de valor, por não deporem contra a organização social nem agregarem a ela qualquer valor.

254 REALE JÚNIOR. Miguel. Despenalização no direito penal econômico: uma terceira via entre o crime e a

infração administrativa? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 7, n. 28, p. 116-129, out./dez. 1999.

Trazendo a discussão ao mundo jurídico, as condutas do segundo grupo (de significado positivo) e as do terceiro grupo (neutras) são denominadas lícitas, pois reproduzem práticas que não ofendem o convívio social, não afetando os relacionamentos humanos de modo deletério. A reiterada prática dessas condutas não atrapalha o convívio social, sendo que as do segundo grupo até são muito recomendáveis e desejadas, devendo sua prática ser incentivada. São condutas que se amoldam às expectativas sociais.

As ações do primeiro grupo encerram significado negativo, frustram as expectativas sociais, degradam o convívio humano e, por isso, pretende-se sejam evitadas. São acoimadas de ilícitas e encerram em si, a depender da intensidade de seu caráter desagregador, mais ou menos desvalor.

Sendo assim, já num segundo momento, após serem os três tipos básicos de condutas submetidos à esfera jurídica, podemos identificar dois grandes grupos de ações humanas, as lícitas (que congregam as condutas virtuosas e as neutras) e as ilícitas. Estas últimas é que receberão especial atenção do Direito, pois como sistema de controle social255, ao Direito cabe identificar e repreender ações que se desgarram das expectativas sociais, frustrando-as.

No que se pode chamar de terceiro momento, cabe imputar a cada uma das condutas ilícitas a sanção que mais se lhe adequa. A fim de que essa imputação seja bem sucedida, faz-se imprescindível a acurada análise do bem jurídico em questão, pois ele

exerce, na esfera da Política Legislativa, importante função ao orientar o legislador na decisão de qual conduta deva ser reprimida por meio da ameaça penal ou de sanção administrativa256.

A questão cinge-se, nessa ordem de idéias, a analisar qual sanção, entre as inúmeras possíveis, tem capacidade de cumprir, com mais efetividade, a missão de tutelar o bem jurídico protegido que, conclui-se pela análise já realizada257, é a arrecadação para

a seguridade social. Antes de atribuir sanção à conduta há que se perquirir se o bem jurídico em questão tem possibilidade de ser tutelado pelo Direito Penal, pois este deve ser

255 Conforme capítulo 6.1.

256 REALE JÚNIOR. Miguel. Despenalização no direito penal econômico: uma terceira via entre o crime e a

infração administrativa? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 7, n. 28, p. 116-129, out./dez. 1999.

reservado apenas às condutas que ofendam bens portadores de dignidade especial, bens que possuam estatura relevante dentro da organização social. Confirmando tal raciocínio258,

a norma penal não surge da crença singela de que determinada conduta deve ser punida, porém da real necessidade de se tutelar o bem pretendido de uma forma socialmente mais severa, mais rígida, mais incisiva e também mais enérgica e violenta, posto que a pena atinge o valioso direito de liberdade.

Essa premissa já foi estabelecida no capítulo 3.1.2, no qual se concluiu pela possibilidade de a arrecadação para a seguridade social ser penalmente tutelada. Confirmada a possibilidade da tutela do bem jurídico pela norma penal, a questão está apta a ser enfrentada: qual ramo do Direito oferece melhor tutela, no caso da arrecadação para

a seguridade social, o Penal ou o Administrativo?

Haveria diferença de sentido entre a sanção penal e a administrativa? Ou, no mesmo rol de indagações, o fato de um bem jurídico ser tutelado pelo Direito Penal o torna mais valioso e relevante se comparado àquele que é tutelado pelo Direito Administrativo? A resposta é negativa. Para Miguel Reale Júnior259, se há defesa de bem jurídico

fundamental pouco importa que a via seja administrativa ou penal, posto que sempre, diante da importância do bem jurídico, estar-se-á protegendo a sociedade, isto é a “existência social”. O autor concluiu que é a eficácia social a balizadora da escolha pela via penal ou administrativa de tutela.

Na mesma linha Helena Regina Lobo da Costa, ao afirmar que não há matérias

em que obrigatoriamente deve haver criminalização, independentemente de quão importante seja o bem jurídico260.

Chega-se à conclusão de que, por não haver diferença de essência entre o ilícito administrativo e penal, resta ao legislador optar, como já dito, pela via que apresente maior efetividade social.

258 IBAIXE JUNIOR, João. Crimes Previdenciários: garantismo penal e responsabilidade da pessoa jurídica.

Revista de Previdência Social. São Paulo, v. 27, n. 272, p. 549-51, jul. 2003.

259 REALE JÚNIOR. Miguel. Despenalização no direito penal econômico: uma terceira via entre o crime e a

infração administrativa? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 7, n. 28, p. 116-129, out./dez. 1999.

260 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção ambiental, direito penal e direito administrativo. Tese de