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O Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/01, de 5 de junho de 2001, define, em seu capítulo IV, os crimes contra a segurança

social, em dois artigos181. Confira-se:

Artigo 106º - Fraude contra a segurança social

1- Constituem fraude contra a segurança social as condutas das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes e dos beneficiários que visem a não liquidação, entrega ou pagamento, total ou parcial, ou o recebimento indevido, total ou parcial, de prestações de segurança social com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial ilegítima de valor superior a € 7500.

2- É aplicável à fraude contra a segurança social a pena prevista no nº 1 do artigo 103º182 e o disposto nas alíneas a) a c) do nº 1183 e no nº 3184 do mesmo artigo.

3- É igualmente aplicável às condutas previstas no nº 1 deste artigo o disposto no artigo 104º185.

4- Para efeito deste artigo também se consideram prestação da segurança social os benefícios previstos na legislação da segurança social.

Artigo 107º - Abuso de confiança contra a segurança social

1- As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nºs 1186 e 5187 do artigo 105º.

2- É aplicável o disposto nos nºs 4188, 6189 e 7190 do artigo 105º.

181 Disponível em <http://www.inforfisco.pt/Codigos/RGIT.pdf>, acesso em 12.dez.2007. 182 Pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

183 a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou

escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

184 Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da

legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

185 Prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas

colectivas, em hipóteses específicas cumuladas como, por exemplo, o agente falsificar ou viciar, ocultar,

destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária.

186 Pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

187 Quando a entrega não efectuada for superior a € 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de

multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.

Resta claro, da análise da legislação portuguesa, que o artigo 106º abarca, entre outras, a conduta do caput do artigo 337-A do Código Penal, qual seja, a sonegação de contribuição previdenciária, haja vista a previsão de punição, na norma lusitana, da conduta de não liquidação, entrega ou pagamento.

O dispositivo comentado, entretanto, vai além da legislação brasileira, criminalizando, por exemplo, o recebimento indevido, total ou parcial, de prestações de

segurança social com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial ilegítima. Entre nós, não existe tipo específico para tal situação, ficando a punição, quando caracterizada tal conduta, a cargo do estelionato do artigo 171 do Código Penal191.

O artigo 106º fixa um montante mínimo para que o Direito Penal passe a atuar, qual seja, € 7.500. Ficam, assim, imunes à persecução penal condutas de relativo vulto, mas que não são consideradas, ao que parece, carecedoras de sanção penal. Com relação a esse aspecto específico, a lei brasileira prevê mecanismos semelhantes:

Art. 337-A (...)

§2º. É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que

II- o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

§3º. Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço, até a metade, ou aplicar apenas a de multa192.

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

189 Se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder € 2.000, a responsabilidade

criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária.

190 Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da

legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

191 Imagine-se a hipótese de contribuinte que pleiteie e obtenha aposentadoria junto à previdência social

utilizando-se de anotações falsas em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Sob a ótica da legislação portuguesa trata-se de crime contra a segurança da seguridade social, punido pelo artigo 106º mas, no Brasil, essa fraude não é punida pelo crime previdenciário, restando a subsidiária punição pelo estelionato.

192 A portaria nº 342, de 16 de agosto de 2006, do Ministério da Previdência Social,determina que, a partir

de 1º de agosto de 2006, o valor estabelecido neste parágrafo será de R$ 2.473,55 (dois mil quatrocentos e setenta e três reais e cinqüenta e cinco centavos).

A lei penal brasileira exige, além do requisito de ínfima lesão, a primariedade e os bons antecedentes do agente, no que diz às benesses previstas no § 2º, o que não ocorre com a norma de Portugal.

Enquanto a lei portuguesa considera atípicas as condutas que não alcancem o piso determinado legalmente, o sistema brasileiro trabalha com o perdão judicial (deixar de

aplicar a pena) ou a diminuição da reprimenda (aplicar somente a pena de multa ou

reduzir a pena corporal de um terço até a metade).

No estatuto português, para a figura básica do artigo 106º a pena privativa de liberdade é de até três anos; sofre aumento, para mínimo de um e máximo de cinco, entretanto, em hipóteses específicas. Com relação a esse aspecto, encontra-se considerável variação na pena mínima das figuras básicas, se comparadas as duas legislações, sendo muito elevada - dois anos - a reprimenda fixada no Brasil. Equipara-se o artigo 107º da norma portuguesa à apropriação indébita previdenciária, do artigo 168-A de nosso Código Penal. De se notar que entre os portugueses a conduta também é descrita em duas fases193, quais sejam, não entregar os valores após os ter deduzido.

Na legislação estrangeira existe um teto monetário que, se ultrapassado, induz a aplicação de pena mais elevada: no caso da apropriação de valores superiores a € 50.000, a pena de até três anos passa a ser mínima de um e máxima de cinco anos. Interessante destacar, ainda, que na legislação portuguesa a punibilidade só se faz presente para o crime de abuso de confiança contra a segurança social se é excedido o prazo de noventa dias da data estipulada para o pagamento. Cite-se, por fim, que em ambos os artigos relacionados (106º e 107º) admite-se a punição, com pena de multa, para as pessoas jurídicas (pessoas

colectivas).