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A terra a quem nela trabalha

No documento Download/Open (páginas 128-166)

O que me preocupa é o emprego da palavra ‘camponês’ sem qualificações, como se existisse um camponês-conceito, um campesinato ‘em si’

(Pierre Villar). As palavras “camponês e campesinato são das mais recentes no vocabulário brasileiro, aí chegadas pelo caminho da importação política” (MARTINS, 1995, p. 21). Estas palavras foram apresentadas por José de Souza Martins em sua interpelação histórico- sociológica à participação política dos camponeses na história do Brasil. Para além disso, ao caracterizar os camponeses, Martins destacou que,

antes disso, um trabalhador parecido, que na Europa e em outros países da América Latina é classificado como camponês, tinha aqui denominações próprias, específicas até em cada região. Famoso tornou-se o caipira, palavra provavelmente de origem indígena, usada para designar o camponês das regiões de São Paulo, Minas Gerais, de Goiás, do Paraná, do Mato Grosso do Sul. No litoral paulista, esse mesmo trabalhador é denominado de caiçara. No Nordeste do país, chamam-no tabaréu. Noutras partes é conhecido como caboclo, palavra muito difundida que quer dizer diferentes coisas em diferentes épocas e em diferentes lugares (…) (MARTINS, 1995, pp. 21-22).

Na mesma direção de Martins, Teodor Shanin propôs que ”há razões para definir ‘camponês’ e há razões para deixar indefinida a palavra, uma figura de linguagem fora do domínio onde residem criteriosas categorias do conhecimento” (SHANIN, 1980, p. 43). Não obstante, podemos também inferir um alerta deixado por ele: “o que importa são as maneiras como tais palavras são utilizadas” (SHANIN, 1980, p. 43).

Deste aviso deixado por Shanin, podemos ainda depreender algo em torno da natureza, das etapas ou dos limites do conhecimento humano em relação ao campesinato. Segundo ele,

para evitá-lo, o pensamento dos cientistas sociais deve sempre mergulhar diretamente nas realidades e nos problemas sociais e políticos. Entretanto, de vez em quando, recomenda-se fazer um teste do conceito ou voltar às suas raízes epistemológicas (SHANIN, 1980, p. 43).

Independentemente da lista de vocábulos que possam ser atribuídas aos camponeses, estamos atentos para a assertiva de Pierre Villar – citada como epígrafe deste capítulo – combinada com as palavras iniciais de José de Souza Martins e reforçadas por Teodor Shanin. Isto porque acreditamos que o arranjo proposto aqui nos obrigará, inicialmente, a conhecer e caracterizar este segmento social com o objetivo de evitar a queda em duas grandes armadilhas analíticas.

A primeira grande armadilha pode ser encontrada corriqueiramente sedimentada na mistificação do campesinato. Ao reconhecê-lo como depositário de uma inocência perdida com a industrialização e a urbanização, alguns estudiosos remetem seus discursos a uma época na qual a virtude do trabalho no campo e a pureza histórica da terra sem maldade e malícia eram reconhecidos como algo de valor. A mistificação do camponês, segundo a proposição de Shanin, nos leva a compreender que “um camponês não existe em nenhum sentido imediato e estritamente específico” (SHANIN, 1980, p. 44).

Não podemos nos deter apenas nesta assertiva feita por Shanin, devemos avançar para descobrir que vocábulos como “camponês” e “campesinato” estão localizados em algum momento da linha do tempo. Estes não são um segmento social, em termos gerais, atemporal, a-histórico ou fora de contexto; mas os camponeses “costumam odiosamente se transformar em reificações da realidade ou, o que é ainda pior, em manipulações conscientes por políticos espertos ou acadêmicos caçadores de prestígio” (SHANIN, 1980, p. 44).

Não podemos confundir, deste modo, esta proposição anunciada com aquelas que se posicionam simpaticamente com os camponeses, reconhecendo, verdadeiramente, que eles são parte de uma “propriedade [que] tanto é uma unidade econômica como um lar” (WOLF, 1970, p. 28). Para irmos além, reforçados com as palavras de Octavio Ianni,

para o camponês, a terra é muito mais do que objeto e meio de produção. Para o camponês a terra é seu lugar natural, de sempre, antigo. Terra e trabalho mesclam-se em seu modo de ser, viver, multiplicar-se, continuar pelas gerações futuras, reviver os antepassados próximos e remotos. A relação do camponês com a terra é transparente e mítica; a terra como momento primordial da natureza e do homem, da vida (IANNI, 1983, p. 23). Se afirmarmos como uma das características econômicas essenciais da família camponesa a autarquia, descobriremos que “podem as cidades desaparecer sem grandes inconvenientes; o camponês sobrevive pois produz para a sua própria alimentação, para se vestir, constrói sua própria casa e assegura sua defesa” (QUEIROZ, 1976, p. 08).

Mas, há um alerta de José de Souza Martins que deve ser levado em consideração. Para ele, “todo compromisso com as lutas camponesas passa, assim, a ser impugnado sob a acusação de que tal compromisso é populista” (MARTINS, 1995, p. 15). Destacamos, assim, que

curiosamente, os autores que têm invocado essa designação extemporânea e estrangeira para depreciar a ação dos grupos que assumem como legítimas as lutas camponesas não se dão ao trabalho, como seria correto na atividade científica que declaram desenvolver, de demonstrar a

legitimidade do seu uso e o acerto da sua invocação (MARTINS, 1995, p. 21).

A segunda armadilha, tão ou mais perigosa quanto a primeira, encontra-se na aversão pelos camponeses. Esta proposição tornou-se fruto de uma opinião desfavorável formada a priori com as populações rurais ao longo do tempo. Como explicou Maria Isaura Pereira de Queiroz, referindo-se a teorias cientificistas que explicavam o atraso no meio rural, estas teorias justificavam que o meio rural “era atrasado e conservava costumes arcaicos porque povoado de mestiços, inaptos a uma evolução sócio-econômica” (QUEIROZ, 1976, p. 08). Talvez por desconhecimento ou motivados pelo mais puro esquecimento, as teorias cientificistas não quiseram observar que

esta camada existiu sempre, desde o início da colonização do país, e seria interessante rebuscar nos relatos de viajantes e de memorialistas, em todos os documentos enfim, dados que revelem como vivia, quais os seus caracteres. Por outro lado, não se trata de gente isolada, mas, pelo contrário, de gente que se movimenta em sua vida quotidiana, conhecendo outros ambientes e outras configurações sociais diferentes da sua (QUEIROZ, 1976, p. 14).

Independentemente do modo como as coisas se deram, acreditamos que a aquela complementar imagem trazida – na supracitada epígrafe por Villar – contemple nossas proposições. Segundo ele,

a imagem do camponês, desde que existe uma civilização urbana, é objeto de uma dupla mistificação: de um lado, o desprezo pelo rústico, do outro, o culto do “lavrador” (ou do pastor!), o “elogio da aldeia”. Também vimos confrontar-se diante de nosso olhos duas visões – e sem dúvida duas verdades – do campesinato como fator político: um campesinato centro de todos conservadorismos, de tudo que é reacionário, e um campesinato centro de todas as esperanças revolucionárias (as de um Che Guevara ou de um Frantz Fanon). Tais contradições são suficientes para inspirar-nos alguma desconfiança para com a utilização da palavra “camponês” empregada isoladamente, sem distinções ou análises (VILLAR, 1980, pp. 267-268).

De uma forma geral, para nos distanciarmos destas duas armadilhas analíticas, devemos ter em mente as palavras de Ciro Flamarion S. Cardoso. Segundo ele,

“campesinato” é uma noção vaga, ampla demais, carregada de estereótipos e de lugares comuns culturais e políticos. Concomitantemente, é impossível abandonar tal noção, por ser idéia socialmente difundida desde muito antes do advento das ciências sociais (CARDOSO, 2002, p. 31).

Todavia, foi o próprio Cardoso que nos alertou da não-existência do vocábulo camponês como um conceito acabado sociologicamente. Mas, acima de tudo, ressaltou que a existência deste conceito é uma construção histórica, regida pelos ditames de uma época e pelos interesses de quem pesquisa, estando, então, os fatos sujeitos às mudanças e alterações. Assim, de acordo com Cardoso,

na medida em que o “campesinato” não é, em sua origem, um conceito cientificamente construído mas, sim, uma generalização oriunda do sentido comum que, a posteriori, os que pesquisam as sociedades humanas tentam transformar em conceito, é preciso sempre recordar que aquilo que é aparentemente dado ou evidente na noção de campesinato pode ser altamente ilusório (CARDOSO, 2002, p. 31).

Neste sentido, como foi exposto por Martins, “nosso camponês não é um enraizado. Ao contrário, o camponês brasileiro é desenraizado, é migrante, é itinerante” (MARTINS, 1995, p. 17).

Historicamente, Eric R. Wolf preferiu, em seu livro “Sociedades camponesas”, fazer uma caracterização rigorosa dos camponeses. Segundo ele, “os camponeses fazem parte de uma sociedade mais vasta e complexa, o que não acontece com as tribos e os bandos primitivos” (WOLF, 1970, p. 14). Para avançarmos, Wolf afirmou, ainda, a existência de povos primitivos que não haviam chegados ao estágio de camponeses, ou ainda a presença de camponeses que sustentavam suas sociedades e de camponeses esquecidos. Para ele,

nosso mundo tanto contém primitivos que estão próximos de se transformarem em camponeses, como camponeses plenos. Ao lado disso, tanto apresenta sociedades nas quais o camponês é o principal produtor de reservas de riquezas sociais como aquelas em que seu papel foi relegado a segundo plano (WOLF, 1970, pp. 26-27).

Desta forma, Wolf apregoou que, para constatarmos a existência do campesinato, deveríamos analisá-lo por um prisma ampliado, em que a perspectiva adotada deveria conter a seguinte prerrogativa, “o campesinato sempre existe dentro de um sistema maior” (WOLF, 1970, p. 22). De acordo com Shanin, “os camponeses não podem ser, de fato, compreendidos ou mesmo adequadamente descritos sem sua estrutura societária mais geral” (SHANIN, 1980, p. 44).

Se quiséssemos aqui apressar uma síntese, ela se apresentaria assim: “o cultivo camponês em pequenas propriedades pode ser fortalecido somente pela redução do papel do camponês numa ordem social mais ampla” (WOLF, 1970, p. 128). Em conseqüência disto,

a quantidade de esforço que deverá ser despendido para sustentar seus meios de produção ou para cobrir as despesas cerimoniais estará condicionada à maneira pela qual o trabalho está dividido na sociedade a que o camponês pertence, bem como às regras que orientam a divisão do trabalho (WOLF, 1970, p. 22).

Aprofundando um pouco mais a caracterização proposta por Wolf, encontramos a seguinte passagem: “o camponês, entretanto, não realiza um empreendimento no sentido econômico, ele sustenta sua família e não uma empresa” (WOLF, 1970, p. 14).

Contudo, esta assertiva anterior não destoa das análises de Maria Isaura Pereira de Queiroz para o campesinato brasileiro, quando esta chegou a uma conclusão muito próxima daquelas propostas por Wolf. Segundo ela,

a família constitui sempre a unidade social de trabalho e de exploração da propriedade, sendo que os produtos, regra geral, satisfazem às necessidades essenciais da vida; as tarefas do trabalho se dividem entre todos os membros do grupo doméstico, em função das faculdades de cada um, formando assim uma equipe de trabalho. A família assegura a subsistência de todos os membros; a combinação família-empresa agrícola faz com que se estabeleça uma comunidade de posse e uma comunidade de consumo, além da comunidade de trabalho, sob a autoridade de um membro, que é o pai de família (QUEIROZ, 1976, p. 18).

Queiroz não se deteve apenas na caracterização citada acima, ela avançou suas análises em direção aos camponeses como um grupo autônomo. Para ela, este grupo

constituído pela família camponesa tem tendência a uma forte centralização, procurando se perpetuar por meio de uma ligação vigorosa com seus meios de subsistência (isto é, com o patrimônio a ser transmitido aos descendentes), e para tanto negando aos membros diretos o direito de dela se apartar para criar situações sócio-econômicas distintas (QUEIROZ, 1976, pp. 18-19).

Como dito anteriormente, as análises de Queiroz não destoaram das apresentadas por Wolf, principalmente no que se refere às coalizões. Para Wolf,

em nossa discussão sobre campesinato, ressaltam-se duas características da organização social: primeiro, a forte tendência à autonomia das famílias camponesas; segundo, a também forte tendência a formar coalizões numa base mais ou menos instável para objetivos a curto prazo (WOLF, 1970, p. 126).

Se observarmos mais atentamente as palavras de Wolf sobre as coalizões, descobrimos que “entrando numa coalizão, a família não pode perpetuar-se a si própria. Agindo numa coalizão, mostrará uma tendência a subordinar os interesses mais amplos e em longo prazo aos mais estreitos e em curto prazo” (WOLF, 1970, p. 126). Mas, se quisermos ampliar ainda mais, descobriremos que

essa combinação de aspectos tem sido perfeitamente compreendida pelas personalidades políticas modernas, que percebem o poder potencial do campesinato, quando estimulado à ação conjunta, ainda que também estão cônscios de sua inabilidade em manter-se organizados tanto na ação quanto depois dela (WOLF, 1970, p. 126).

Parece-nos que aquelas análises propostas por Wolf estavam em consonância com a leitura dos camponeses feita anteriormente por Aleksander Chayanov, destacadas, aqui, por Maria Paula Nascimento Araújo. Segundo esta autora,

Chayanov parte da análise de um “modo de produção camponês”, não capitalista, cujas unidades elementares são constituídas por famílias de camponeses trabalhadores, proprietários do solo, cujo produto é destinado principalmente à auto-subistência da família, sendo destinada ao comércio apenas uma pequena parte deste produto (ARAÚJO, 2002, p. 69).

A assertiva de Araújo utilizada aqui pode ser complementada com as palavras de Samir Amin, quando este propôs que o camponês mantém seu modo de produção “para fazer face ao imposto e porque existe uma demanda urbana que, em contrapartida, pode oferecer bens manufaturados competitivos com os do artesanato rural” (AMIN, 1986, p. 27).

Aleksander Chayanov (1888 – 1939) trabalhou no Instituto Agrário de Moscou ainda na época do Czar. Em 1910, com vinte e dois anos, defendeu sua tese de doutoramento sobre a economia familiar camponesa. Depois da Revolução de Outubro de 1917, trabalhou longamente na administração agrícola soviética, tendo sido, durante a década de 20, Ministro da Agricultura. Neste período, liderou a expansão de cooperativas de pequeno e médio porte na URSS. Stálin eliminou Chayanov, seu trabalho e seus projetos na área agrícola antes mesmo de iniciar o processo de coletivização rural forçada45. Para Maria

Yedda Leite Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, Chayanov teorizou sobre

as condições de existência do campesinato, mostrando que o trabalho familiar como era desenvolvido pelos camponeses, estabelecera estratégias de sobrevivência frente a regimes econômicos adversos, muitas vezes através de sua própria auto-exploração (aumento das horas de trabalho, colocação dos filhos no processo de trabalho em idades muito precoces, etc.), conseguindo desta forma manter-se como um dos personagens políticos básicos da modernidade (LINHARES, TEIXEIRA, 1999, p. 35). Para reforçarmos com as palavras de Amin, “a teoria de Chayanov foi bastante mal-recebida” (AMIN, 1986, p. 27).

A principal crítica de Chayanov à ortodoxia clássica fundamentou-se que, “na moderna teoria da economia nacional tornou-se costume pensar todos os fenômenos econômicos exclusivamente em termos de economia capitalista” (CHAYANOV, 1981, p. 133). De suas análises, podemos depreender que, segundo ele,

todos os demais tipos (não capitalistas) de vida econômica são vistos como insignificantes, ou em extinção; no mínimo considera-se que não têm influência sobre as questões básicas da economia moderna e não apresentam, portanto, interesse teórico (CHAYANOV, 1981, p. 133).

45 Ver ARAÚJO, Maria Paula Nascimento Araújo. A questão camponesa na teoria marxista clássica. In.

Desta maneira, ele enfocou suas análises na economia camponesa. Rompeu com a ortodoxia clássica, concentrando seus estudos e esforços não mais na lógica do capital, mas sim, na lógica sutil dos produtores rurais. De acordo com Chayanov, “na exploração familiar, a família, equipada com meios de produção, emprega sua força de trabalho no cultivo da terra, e recebe como resultado de um ano de trabalho certa quantidade de bens” (CHAYANOV, 1981, p. 137).

Ao discordar frontalmente da ortodoxia, Chayanov chegou à seguinte conclusão: “este produto do trabalho familiar é a única categoria de renda possível” (CHAYANOV, 1981, p. 138). Em outras palavras,

a renda como categoria objetiva de rendimento econômico, obtida após deduzir do rendimento bruto os custos materiais de produção, os salários e o juros costumeiro sobre o capital não pode existir na unidade econômica familiar, pois os demais fatores estão ausentes (CHAYANOV, 1981, p. 138). Um outro ponto de discordâncias de Chayanov com a ortodoxia pode ser exposto com a seguinte passagem:

a quantidade do produto do trabalho é determinada principalmente pelo tamanho e a composição da família trabalhadora, o número de seus membros capazes de trabalhar, e, além disso, pela produtividade da unidade de trabalho e – isto é especialmente importante – pelo grau de esforço do trabalho, o grau de exploração através do qual os membros trabalhadores realizam certa quantidade de unidades de trabalho durante o ano (CHAYANOV, 1981, p. 138).

Se em Chayanov, “a unidade elementar é, ao mesmo tempo, unidade de produção e de consumo, as trocas mercantis são apenas marginais. É um modo de existência, um modo de vida e um modo de produzir” (ARAÚJO, 2002, p. 69). Nestas condições, Chayanov introduz a idéia

de que a organização da produção (quantidades de diferentes produtos, métodos mais ou menos intensivos etc.) resultará o equilíbrio entre a satisfação das necessidades e as dificuldades do trabalho. Este equilíbrio será, por sua vez, afetado pelo tamanho da família (a relação entre o número de produtivos e não-produtivos) (AMIN, 1986, p. 27).

Então, ao caracterizar o camponês como pequeno produtor familiar, Chayanov salientou que o “camponês em questão não é um empresário capitalista, não procura maximizar o lucro de seu capital mas sim viver na terra que é sua em virtude de uma organização social camponesa” (ARAÚJO, 2002, p. 69).

Dentre os vários fatores sociais, um dos que mais nos chamou atenção foi o “padrão de vida tradicional, afirmado pelo costume e hábito, que determina a amplitude de

exigências de consumo e, assim, a aplicação de força de trabalho” (CHAYANOV, 1981, p. 145).

Wolf raciocinou no mesmo sentido apontado pelos estudos de Chayanov, nos quais a “exploração familiar tem que utilizar a situação de mercado e as condições naturais, de maneira tal que lhe permitam proporcionar um equilíbrio interno para a família, juntamente com o mais elevado nível de bem-estar possível” (CHAYANOV, 1981, p. 139). Podemos corroborar com a seguinte passagem: “o comércio camponês ainda não se assemelha, em escala e dimensões, às transações comerciais conhecidas nos países industriais do mundo” (WOLF, 1970, p. 74).

Ao reforçar o padrão comportamental baseado nos costumes e pelos hábitos, como dito anteriormente, abriu-se em Chayanov a chave interpretativa para a resistência camponesa, chave esta que indicava que “sua capacidade de não proletarizar face ao avanço do capitalismo, residia fundamentalmente na evidência de possuir um cálculo econômico capaz de amplas adaptações” (LINHARES, TEIXEIRA, 1999, p. 35).

Posto nestes termos, torna-se possível falar em um “modo de produção camponês”. Contudo, faz-se necessário lembrar as palavras de Samir Amin, que este modo de produção pertence

à família dos modos de produção pequeno-mercantes simples: neles, o produtor que possui seus modos de produção (a terra e o equipamento), troca seus produtos (ou pelo menos uma parte deles) com outros produtores comerciantes, colocados em situação análoga (AMIN, 1986, p. 27).

Ressaltamos que, ao não afirmar este “modo de produção camponês” separado de uma esfera maior e dominante, ou como escreveu Amin, “constatamos, que esses modos de produção são frequentemente encontrados na história, mas nunca sozinhos e jamais dominantes” (AMIN, 1986, p. 27).

Devemos retomar as proposições de Wolf para os camponeses, entendendo que elas devem ser ampliadas para abranger a seguinte passagem: “o que é perda para o camponês é ganho para os detentores do poder, pois o fundo de aluguel levantado pelo camponês é parte do “fundo de poder” através do qual os dominadores se alimentam (WOLF, 1970, p. 24).

Como conseqüência, conforme Wolf havia sugerido em sua obra, uma tríade surgia para “as necessidades do camponês – as exigências para manter o mínimo calórico,

o fundo de manutenção e os fundos cerimoniais – entrarão frequentemente em choque com as exigências colocadas por quem está de fora” (WOLF, 1970, p. 28). Além disso,

se é correto definir a existência de um meio camponês fundamentalmente por seu relacionamento subordinado a grupos exteriores, também será correto afirmar, como conseqüência dessa definição, que os camponeses serão obrigados a manter o equilíbrio entre suas próprias necessidades e as exigências de fora, estando sujeitos às tensões provocadas pela luta para manter um equilíbrio (WOLF, 1970, p. 28).

Wolf acabou sugerindo que o campesinato vive um eterno dilema entre a sua sobrevivência no mundo interno e a sua existência no mundo externo. Neste jogo pendular, para Wolf,

o eterno problema da vida do camponês consiste, portanto, em contrabalançar as exigências do mundo exterior, em relação às necessidades que ele encontra no atendimento às necessidades de seus familiares. Ainda em relação a esse problema básico, o camponês pode

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