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Um terrível demônio se aproxima

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"Os de cima estão sempre a pedir-nos sacrifícios e mais sacrifícios, enquanto aqueles que tudo têm são deixados tranqüilos"

(Anônimo) Como hipótese central deste capítulo, pretendemos em relação às idéias políticas de Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui uma inversão dos sinais apresentados pela tradição clássica marxiana. Objetivamos chegar a um termo satisfatório que recoloque os camponeses no seu papel desestabilizador e revolucionário.

Podemos explicar inicialmente assim: como vimos até agora, é notório que uma parcela da tradição ortodoxa marxiana concentrou seus esforços e suas esperanças no nascente proletariado urbano europeu; esta ação, especialmente, somente foi possível graças a uma leitura rígida do cânone de Marx e Engels. Ao privilegiar o proletariado urbano, acabou-se colocando em segundo plano o papel revolucionário que poderia ser desempenhado pelos camponeses.

Deste modo, inverteremos a polaridade apresentada pela tradição clássica para encontrarmos, nos escritos políticos de Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui, as referências interpretativas sobre os camponeses. Além disso, observamos também, que muitos destes escritos entraram na linha de fogo com as formulações da III Internacional Comunista.

A Internacional Comunista foi para o movimento operário internacional, combinada com a experiência vitoriosa da Revolução Russa, um grande estímulo. Seus reflexos foram sentidos em boa parte do mundo, principalmente a partir da adoção das práticas políticas do marxismo-leninismo pelos movimentos proletários. “Assim como o marxismo foi uma construção teórica posterior à morte de Marx, o marxismo-leninismo foi uma codificação posterior à morte de Lênin” (KONDER, 1992, p. 75). Transcrevemos isto para esclarecer que Lênin acentuava a importância da teoria, declarando que sem teoria revolucionária não haveria movimento revolucionário.

Todavia, as teses assumidas por este marxismo-leninismo e exportado aos partidos comunistas do mundo são frutos originários do 5º Congresso da Internacional Comunista, que definiu o leninismo como a personificação do marxismo ortodoxo e qualquer desvio do leninismo equivaleria a um desvio do marxismo. Esta postura defendida no 5º Congresso do Comintern foi resultado direto das posições assumidas por Stalin – que afirmou em seu livro Fundamentos do leninismo (1924) – que o leninismo é o “marxismo na

era do imperialismo e da revolução proletária, sendo o leninismo a teoria e a tática da ditadura do proletariado em particular” (STÁLIN, 1924, p. 17).

As posições defendidas por Stalin marcariam profundamente as ações da Internacional Comunista após o falecimento de Lênin. Quanto ao leninismo, ele se caracterizou como sendo o desenvolvimento da concepção científica da sociedade proposta por Marx e Engels. Como tal, enfatizou o marxismo como sendo uma práxis do proletariado revolucionário voltado fundamentalmente para a tomada do poder pelo e para o proletariado. Enfatiza-se o papel do partido comunista como arma de luta, formado por militantes marxistas dotados de consciência de classe e organizado segundo os princípios do centralismo democrático.

O nascimento da III Internacional foi simultaneamente acompanhado pela crise e ruptura na II Internacional e de ascensão do bolchevismo após o êxito da Revolução Russa. Segundo Rizzi, “o congresso de fundação da Internacional Comunista (1919) abriu-se tendo como pano de fundo uma revolução proletária vitoriosa” (RIZZI, 1988, p. 219). Não podemos esquecer, como afirmou Dulce Pandolfi, que a identidade da III Internacional Comunista

foi construída acentuando as diferenças em relação à II Internacional. Num movimento de rompimento com o passado, reforma e revolução passaram a ser considerados termos contraditórios. Em pouco tempo a social- democracia transformou-se no inimigo maior dos comunistas. A partir de então cristalizou-se no interior do movimento comunista a idéia de revolução como sinônimo de uma ruptura brusca e radical com a ordem econômica, social e política vigente. A revolução também passou a ser percebida como um desdobramento inevitável do desenvolvimento do capitalismo na sua etapa superior, o imperialismo. A construção desse paradigma teve conseqüências profundas na condução do movimento comunista internacional, determinando, inclusive, uma nova concepção de partido político (PANDOLFI, 1995, p. 56).

Sem dúvida, estas posturas marcaram profundamente as trajetórias políticas dos partidos comunistas que se constituiram em um futuro próximo; mais ainda, nas trajetórias pessoais e intelectuais dos atores políticos envolvidos, que nestes debates foram empurrados por forças conjunturais a rever suas posições políticas. Ademais, A III Internacional Comunista, bem como sua conjuntura, torna-se interessante, especialmente, a partir da concretização do Primeiro Congresso da IC, na qual a presença de Lênin foi efetiva.

Os trabalhos preparatórios da Internacional foram orientados por Lênin, que também participou na elaboração do apelo “Ao primeiro Congresso da Internacional

Comunista”, documento em que foram expostos os princípios da nova Internacional. Em

lideranças socialistas. Os representantes do Partido Comunista da Rússia, chefiados por Lênin estiveram presentes. Nesta conferência foi decidido dirigir-se às 39 organizações apelando para que iniciassem a discussão a propósito da convocação do Congresso da Internacional Comunista. Este apelo foi publicado a 24 de janeiro de 1919. Segundo Lênin,

na véspera do Congresso uma conferência de representantes das várias delegações, dirigida por Lênin, estabeleceu a ordem do dia preliminar, designou os relatores e os membros das comissões. O Congresso devia dar início aos seus trabalhos e durante as suas sessões examinar a questão respeitante à constituição da III Internacional (LÊNIN, 1974. p. 09).

Lênin presidiu à abertura do congresso, “após a audição dos relatores das organizações locais, discutiu-se e adotou-se a plataforma da Internacional Comunista” (LÊNIN, 1974 p. 10). Segundo Rizzi,

para determinar o caráter da plataforma programática, aprovada no ato de fundação da Internacional, contribuíram dois elementos: o prestígio do partido bolchevique, que desempenhou um papel decisivo sobre o tipo das decisões adotadas; a convicção de uma iminente revolução na Europa, que privilegiou essencialmente a analise dos problemas relativos à fase posterior à tomada do poder (RIZZI, 1988, p. 219).

A comunicação, “A democracia burguesa e a ditadura do proletariado”, apresentada por Lênin foi apresentada na sessão de 04 de março de 1919. Ressaltamos que as teses apresentadas por Lênin foram aprovadas por unanimidade e enviadas ao Secretariado do Comitê Executivo da Internacional com a missão de as difundir em todos os países. No mesmo dia, o “Congresso decidiu constituir a III Internacional Comunista” (LÊNIN, 1974 p. 10).

O Primeiro Congresso da Internacional Comunista definiu os preceitos essenciais do marxismo-leninismo, especialmente na afirmação do “reconhecimento da ditadura do proletariado e do poder soviético em lugar da democracia burguesa” (LÊNIN, 1974 p. 11). Ao afirmar tais princípios, o Primeiro Congresso da III Internacional estabeleceu também os princípios fundamentais do que seria o Comintern.

O alcance histórico da “Internacional Comunista está no restabelecimento e consolidação dos laços entre os trabalhadores dos diversos países, em colocar as questões teóricas do movimento operário” (LÊNIN, 1974 p. 11), transformando os jovens partidos comunistas em partidos operários de massa, livrando-os das deformações oportunistas, reforçando ainda mais o caráter marxista-leninista destes partidos.

Como citado anteriormente, o I Congresso da IC aprovou por unanimidade as teses de Lênin. Todavia julgamos importante transcrever alguns trechos da tese “A

democracia burguesa e a ditadura do proletariado”, já que a discussão do texto de Lênin

tornou-se cara aos comunistas filiados a III Internacional. Segundo Lênin,

o crescimento do movimento revolucionário do proletariado em todos os países suscita os esforços convulsivos da burguesia e dos agentes que ela possui entranhados no seio das organizações operárias para encontrar os argumentos filosóficos e políticos capazes de servir para a defesa da dominação dos exploradores. Entre estes argumentos, merecem lugar de destaque a condenação da ditadura e a apologia da democracia (LÊNIN, 1974 p. 11-12).

Lênin aprofundou a discussão em torno da apologia feita à democracia burguesa e à condenação da ditadura do proletariado, acusando os países europeus de se beneficiarem da democracia em detrimento da classe trabalhadora. A afirmação de Lênin foi clara quando este esclareceu que, “o argumento apóia-se nas concepções de ‘democracia em geral’ e de ‘ditadura em geral’ sem especificar a questão: – ao serviço de que classe estão a democracia e a ditadura” (LÊNIN, 1974 p. 12). Lênin reafirmou a necessidade da ditadura do proletariado como uma fase importante de ascensão do proletariado ao poder. Como podemos comprovar,

a história ensina que nenhuma classe oprimida jamais atingiu o poder ou conquistou sem passar por um período de ditadura, isto é, sem apoderar-se do poder político e abater pela força a resistência, desesperada, furiosa, que é sempre oposta pelos exploradores e que não recua perante nenhum crime (LÊNIN, 1974 p. 12).

No final de 1920, em um discurso feito aos sindicatos, Lênin reafirmou a necessidade histórica da ditadura do proletariado, e que ela

não pode se realizar por meio da organização que reúne toda a classe. E isso porque não apenas entre nós, em um dos países capitalistas mais atrasados, mas também em todos os outros países capitalistas, o proletariado está ainda tão dividido, humilhado, aqui e ali corrompido (…), que a organização de todo o proletariado não pode exercer diretamente a sua ditadura. Somente a vanguarda que absorveu a energia revolucionária da classe pode exercer a ditadura (…)52.

Assim, a ditadura do proletariado é não só absolutamente legítima, como meio “de derrubar os exploradores e esmagar a sua resistência, mas também absolutamente indispensável para toda a massa trabalhadora, como única defesa contra a ditadura da burguesia que provocou a guerra e prepara novas guerras” (LÊNIN, 1974 p. 10).

A semelhança que poderia existir entre a ditadura do proletariado e a ditadura de outras classes é que ela torna-se essencial para quebrar a resistência da classe que perde o domínio. O marco fundamental da ditadura do proletariado é que ela nasce para reprimir os

52 LÊNIN, Vladimir Ilitch. Apud. HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do Marxismo V. 2. ed.. São Paulo: Paz e

exploradores que até então dominavam os meios de produção. Durante os primeiros anos de sua existência,

a III Internacional tinha uma avaliação catastrófica sobre o desenvolvimento do capitalismo. A idéia da tomada do poder pelo proletariado em escala planetária estava associada à derrocada iminente do capitalismo. De acordo com essa visão, a revolução encontrava-se objetivamente determinada. Caso ela não fosse assumida subjetivamente pelas massas, devido ao seu atraso e/ou acomodamento, caberia ao partido do proletariado inverter tal situação. Em última instância, a revolução era percebida menos como o resultado das classes em conflito, e mais como o resultado do voluntarismo de uma elite esclarecida. Combinava-se o amadurecimento das condições objetivas, a crise econômica, com a intervenção da ‘vanguarda do proletariado’. Desse modo, sob a inspiração de Lênin, forjou-se uma visão iluminista de partido, contraditória em certo sentido com uma concepção de partido de massas (PANDOLFI, 1995, pp. 58-59).

Das decisões tomadas, depreendemos que a plataforma do I Congresso da Internacional afirmou que, no campo, a revolução vitoriosa tenderia:

1) à expropriação e à socialização total das grandes propriedades; 2) à expropriação gradual, conforme a “importância econômica”, das propriedades médias, respeitando-se as pequenas; 3) à luta ideológica e a propaganda entre os pequenos camponeses em favor da coletivização (RIZZI, 1988, p. 220).

Em relação aos camponeses, pela lógica política dos líderes da III Internacional, eles seriam a classe complementar à luta do proletariado. Todavia, a exemplo da Rússia revolucionária, “tinha absoluta certeza da importância de manter o campesinato dentro do bloco revolucionário” (ARAÚJO, 2002, p. 67). Como exemplo, nas palavras do Primeiro Congresso dos Povos do Leste,

realizado em Bacu em 1920 (palavras que provaram ser proféticas), o campesinato seria a “infantaria” da revolução com direção adequada fornecida pelos organizadores da revolução, ou seja, o grupo especializado. Contudo, o marxismo defrontou-se com outro problema criado pela organização camponesa, com sua tendência a tornar-se acomodada tão logo tivesse conseguido seus objetivos: aquisição de terra pela reforma agrária e sua distribuição (WOLF, 1970, p. 127).

Com a fundação, em 1923, da Internacional Comunista Camponesa (Crestintern) abriu-se uma nova arena política para as questões camponesas. Foi considerado como o instrumento mais válido para divulgar a fórmula do governo operário-camponês, “principalmente depois do golpe de Estado na Bulgária” (RIZZI, 1988, pp. 237-238). Segundo Rizzi,

esta organização refletia a exigência da Internacional de regular organicamente o trabalho camponês de suas seções. Mas ela também nascia da previsão de responder às iniciativas da burguesia, que se preparava para coordenar em nível internacional sua política agrária mediante uma série de instrumentos de intervenção: criação de institutos de

crédito fundiário; reorganização do sistema cooperativo, da instrução agrária; fortalecimento da política de divisão de terras, etc (RIZZI, 1988, p. 238). Em larga medida, o debate sobre a questão agrária na Internacional pode ser colocado neste contexto: “ele tornou-se um pólo de convergência de velhos e novos tabus, ou seja, da incapacidade por parte daquela geração de revolucionários de apreender as peculiaridades do ‘maldito problema’ que era o problema camponês” (RIZZI, 1988, p. 219).

Rizzi aprofundou a discussão, afirmando que; “além disto, insistia-se no princípio da ‘neutralização’ dos camponeses como elemento determinante na luta que se travaria entre o proletariado e a burguesia” (RIZZI, 1988, p. 220). O que podemos inferir provisoriamente é que a lógica da III Internacional seguia literalmente as proposições da ortodoxia. Para darmos a palavra a Eric Wolf, concordando com elas,

os representantes russos do marxismo, Lênin, Trotsky e Stalin, perceberam as potencialidades do apoio do camponês na derrubada da ordem social, mas também sabiam perfeitamente que o campesinato desejava terra. Em conseqüência, este poderia levantar-se por terra, mas esta, uma vez ocupada, cessaria sua força revolucionária. “Apoiamos o movimento camponês”, escreveu Lênin em setembro de 1905, “até onde é democrático e revolucionário. Estamos prontos (fazendo isso agora e de uma só vez) para lutar contra ele no momento em que se tornar reacionário e antiproletário”. Ou ainda: “O campesinato será vitorioso na revolução democrático-burguesa”, escreveu ele em março de 1906, “e então cessará de ser revolucionário” (WOLF, 1970, pp. 126-127).

Além do mais, o tema da neutralização não era tão novo assim,

por ocasião do VIII Congresso do PCR(b), Lênin insistiu na necessidade de uma aliança entre proletariado urbano e campesinato e, retomando a formulação kautskiana da “neutralização”, reafirmou que era preciso conseguir “que o camponês permaneça neutro na luta entre o proletariado e a burguesia, que não possa prestar auxílio à burguesia contra nós” (RIZZI, 1988, p. 221).

Para Lênin, com efeito, diferentemente de outros dirigentes bolcheviques, a “neutralização dos camponeses, ou a questão da manutenção das grandes propriedades depois da revolução, nunca significam uma adesão dogmática aos esquemas da teoria” (RIZZI, 1988, p. 221). Não obstante, o esforço realizado por Lênin nos primeiros anos da revolução “não se voltou somente para dotar o partido de uma política agrária que não tinha, mas para estabelecer alguns pontos firmes de ordem geral” (RIZZI, 1988, p. 221). Em suma,

o poder proletário, uma vez vitorioso, devia ser mantido com todos os meios, ainda que estes não coincidissem imediatamente com a concepção teórica do socialismo. Ou seja, tratava-se de saber reconhecer e determinar os âmbitos próprios em que operavam estratégia e tática com relação àquela fase (RIZZI, 1988, p. 221).

Historicamente, podemos aproximar as táticas da III Internacional Comunista com aquelas encontradas nas famosas “Teses de Abril“. Lênin propôs um “esquema baseado em dois grandes princípios: 1) confiscar todas as grandes propriedades; 2) nacionalizar as terras e pô-las à disposição dos sovietes dos assalariados agrícolas e dos camponeses pobres” (RIZZI, 1988, p. 221).

Acima de tudo, “Lênin estava profundamente convencido do papel essencial que as massas camponesas desempenhariam na manutenção do poder proletariado, assim como era consciente da escassa penetração do partido no campo” (RIZZI, 1988, pp. 224- 225). Ressaltamos que as teses de Lênin não se tratavam de um “autêntico programa agrário, mas as resistências que suscitou entre os bolcheviques derivavam da análise que Lênin fazia, naquele momento, da situação russa depois de fevereiro” (RIZZI, 1988, pp. 221- 222).

Rizzi aprofundou seu estudo, perguntou-se assim: “Mas como resolver a contradição entre o impulso revolucionário dos camponeses e sua aspiração pequeno- burguesa à posse da terra?” E sua resposta, resoluta, baseada nos próprios escritos de Lênin, nos chegou assim: “A oportunidade política aconselhava, segundo Lênin, a ‘atacar juntos, marchar separado, não confundir as organizações, controlar o aliado como a um adversário’” (RIZZI, 1988, p. 223).

Esta carência pode ser explicada pelo caráter essencialmente preparatório deste primeiro congresso, mas “na realidade é preciso sublinhar desde logo o aspecto abstrato das teses agrárias da Internacional com relação aos problemas reais, porque este é um dado que se tornará constante mesmo em futuras elaborações” (RIZZI, 1988, p. 220).

As resoluções aprovadas no II Congresso da Internacional sobre a questão agrária ampliaram as conceituações sobre os camponeses. Pelo esquema básico aprovado, o mundo rural estava constituído assim: “proletariado agrícola, semiproletários, pequenos camponeses, camponeses médios, camponeses ricos, grandes proprietários fundiários” (RIZZI, 1988, p. 226). Em certa medida, a respeito do campesinato,

falando do VIII Congresso do PCR(b), Lênin o definiu como aquele que, “em parte proprietário, em parte trabalhador”, não explorava o trabalhado alheio. Nas teses, no entanto, entedia-se por camponês médio aquele que administrava uma pequena unidade e empregava mão de obra assalariada (RIZZI, 1988, p. 226).

Além do mais – observou Moshe Lewin – Lênin às vezes falava deste estrato da população rural empregando o termo classe, outras vezes como camada. Segundo ele,

tudo isto, obviamente, não contribuía para a clareza do discurso político, do mesmo modo como a incapacidade da Internacional para dar conta das lutas camponesas e de seus objetivos conduzia a uma subestimação objetiva da articulação entre estas lutas e as operárias com vistas à tomada do poder (RIZZI, 1988, p. 226).

Esta população rural das três categorias acima indicadas [proletários agrícolas, semiproletários, pequenos camponeses] – podia-se ler nas teses apresentadas por Lênin – estava humilhada, dispersa, oprimida até o inverossímil, condenada em todos os países, mesmo nos mais avançados, a condições semibárbaras de vida, e interessada, sob o ponto de vista econômico, social e cultural, na vitória do capitalismo do socialismo. Só é capaz de apoiar energicamente o proletariado revolucionário depois da conquista do poder político por parte do proletariado, depois da firme repressão aos grandes proprietários de terra e aos capitalistas, depois que os camponeses oprimidos tiverem constatado na prática que são guiados por uma força organizada, que os defende, que é tão poderosa e resoluta que pode ajudá-los e dirigi-los, indicando-lhes o caminho justo (RIZZI, 1988, pp. 226-227).

Ao lado deste documento oficial, houve um outro que, por seu caráter mais explícito e pela difusão que teve entre as seções do Comintern, talvez possa ser considerado mais importante do que as próprias teses. Trata-se de um opúsculo escrito por Marchlewski com o título de Die Agrarfrage un die Weltrerevolution, indicado por Lênin como um documento que continha “os princípios teóricos do programa agrário comunista da III Internacional” (RIZZI, 1988, p. 227). Deste documento, destacamos que, na interpretação de Rizzi,

os aspectos essenciais de tal programa, que fixavam as intervenções do poder proletário no campo depois da tomada do poder, podem ser sintetizados assim: 1) as grandes propriedades deviam ser confiscadas pelo Estado e sua administração confiada aos conselhos formados pelos assalariados (proletários e pequenos camponeses); 2) a produção agrícola devia servir, depois de satisfazer as necessidades dos assalariados de uma unidade, ao abastecimento das cidades; 3) o intercâmbio cidade-campo seria subtraído às formas comerciais e monetárias de distribuição e regulado pelas exigências objetivas: as empresas rurais abasteceriam as cidades, recebendo em troca os necessários produtos da indústria; 4) os camponeses proprietários, na luta entre proletariado e burguesia, deviam ser “neutralizados“ através de medidas que anulassem sua submissão ao capital financeiro, abolindo-se, por exemplo, as dívidas (RIZZI, 1988, p. 227).

Embora Lênin, em suas teses sobre a questão agrária, apesar de reafirmar a prioridade absoluta da manutenção do poder proletário, sublinhasse que o limite “representado pela criação de grandes unidades não devia ser considerado absoluto e inderrogável, a formulação final das teses remontou a concepção mais rígida que Marchlewski tinha do problema” (RIZZI, 1988, p. 227).

Reafirmando as linhas da coletivização e, ao mesmo tempo, aceitando a manutenção e também a difusão da pequena propriedade, o opúsculo de Marchlewski ressoou, “neste opúsculo e nas teses, como uma adequação mais lúcida ao princípio da

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