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A TESHUVAH E A REDEFINIÇÃO DA IDENTIDADE

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O judeu da Nova Aliança deve ser parte do povo de Israel, amar incondicionalmente este povo, guardar as suas leis (Torah). Amar Yerushalaim (Jerusalém), orar e agir em prol da cidade santa e de seu povo. Suas festas, suas danças, seus motivos e roupas são judaicos. Logo, a opção por viver a Teshuvah traz implicações ao cotidiano dos convertidos que de fato se propõem a assumir e praticar esta religiosidade de compromissos. Compromissos estes que não se restringem ao âmbito religioso. Através de tal experiência os chaverim31 estão

29 Informações disponíveis em: http://eb-university.blogspot.com.br/2013/10/entrega-de-doutor-

honoris-causa-na.html.

30 "Dias virão - oráculo do Senhor - em que firmarei com a comunidade de Israel - e a comunidade de

Judá - uma nova aliança. Será diferente da aliança que firmei com seus pais quando os tomei pela mão, para fazê-los sair da terra do Egito. Eles romperam a minha aliança; eu, porém, continuo sendo o dono deles - oráculo do Senhor. Eis pois, a aliança que firmarei com a comunidade de Israel depois desses dias - oráculo do Senhor -: Eu depositarei minha instrução no seu íntimo, escrevendo-a em seu coração: eu me tornarei Deus para eles, eles se tornarão um povo para mim (Jeremias 31,31-33).

redefinindo a sua identidade, inclusive passando a adotar um novo nome, agora em hebraico.

Para Hall (2013), a identificação, a priori, é construída a partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal. No entanto, a identidade não se refere a um simples pertencimento do indivíduo a um grupo social. Entre os aspectos a serem considerados na construção de uma identificação destaca-se o seu caráter relacional, uma vez que a produção de uma imagem de identidade se dá na alteridade, no convívio com o outro.

A demanda da identificação – isto é, ser para um Outro – implica a representação do sujeito na ordem diferenciadora da alteridade. A identificação [...] é sempre o retorno de uma imagem de identidade que traz a marca da fissura no lugar do Outro de onde ela vem. (BHABHA, 2003, p. 76).

A abordagem discursiva, descrita por Hall (2013), é a concepção de identificação adotada neste estudo, por defini-la como algo flexível, como algo em construção, como um processo jamais acabado. “Ela não é, nunca, completamente determinada – no sentido de que se pode, sempre, ‘ganhá-la’ ou ‘perdê-la’; no sentido de que ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada” (HALL, 2013, p. 106). Na mesma linha, Bhabha (2003, p. 76) destaca que “a questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia auto cumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem”.

A partir desta compreensão de identificação como uma construção flexível, inacabada, dinâmica e processual, e partindo do pressuposto de que a Teshuvah seja uma construção de uma identidade, reputada como sendo genuinamente judaica, pelos membros da Congregação Israelita da Nova Aliança, é possível buscar entender: “como, a partir de quê, por quem e para quê isso acontece" (CASTELLS, 2001, p. 23).

No quadro socioeconômico atual, os ventos da globalização, que sopram a favor do mercado, ativam forças homogeneizantes que tendem a permitir que as pessoas vejam o seu mundo como o certo, o único verdadeiro e justo enquanto que o diferente é sempre algo que incomoda. Tais convicções podem estar na base da intolerância, da exclusão e dos preconceitos (OLIVEIRA, 2008). Em um mundo

fragmentado, em decorrência das sequelas da globalização, percebe-se a diluição das fronteiras entre as crenças, ao mesmo tempo em que ocorre o robustecimento das trincheiras e o fascínio do fundamentalismo. Deste modo, “as diferenças de crenças, às vezes muito radicais, são mais diretamente visíveis, com frequência crescente, e mais diretamente encontradas: prontas para a suspeita, a preocupação, a repugnância e a altercação” (GEERTZ, 2001, p. 158).

As tendências à homogeneização da sociedade contemporânea promovem a fluidez das identidades e, paradoxalmente, suscitam a necessidade de afirmá-las e defendê-las. Afirmar diferenças e sustentar veementemente identidades são formas de reação às mudanças trazidas pela Modernidade.

Os membros da Congregação Israelita da Nova Aliança, como decorrência do processo de Teshuvah, passaram a identificar-se como uma comunidade judaica e a declarar nutrir sentimentos de pertencimento ao povo judeu e à nação israelense. Considerando estas aspirações, para o estudo da Teshuvah tornam-se fundamentais as identidades culturais, ou seja, aqueles aspectos da identidade que surgem do pertencimento a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e nacionais. Por suas especificidades, os que mais importam no processo de redefinição identitária em curso na CINA são os aspectos étnicos e nacionais. A afirmação destes aspectos representa uma ruptura com a identidade cristã, que no Brasil, por seu caráter hegemônico e universalizante, não fomenta tais componentes de identificação.

No que diz respeito à identidade étnica sabe-se que em sua base constitutiva está a atribuição, por parte do indivíduo ou grupo, de nomes raciais, nacionais ou religiosos para se identificar e, a partir disso, relacionar-se com os outros. “Por identidade étnica compreendemos o conjunto de dimensões que vai além da identidade coletiva. A identidade étnica diz respeito à raça, à religião, à língua e à história como elementos de coesão e solidariedade do grupo” (OLIVEIRA, 2012, p. 289). Ela se define, entre outros fatores, na semelhança e na diferença. Semelhanças internas ao grupo étnico e diferenças com os de fora.

O substrato da identidade étnica parece compor-se na diferença, ou seja, na afirmação e sustentação do contraste entre “nós” e os “outros”. Não obstante, a simples existência da diferença não basta, "é pela tomada de consciência das diferenças, e não pelas diferenças em si, que se constrói a identidade étnica" (CUNHA, 1985, p. 200). A identidade de caráter étnico surge por oposição e não se

afirma isoladamente. Este componente relacional manifesta-se em sua estrutura funcional, fazendo da identidade algo semelhante a uma teia de relações que garante à pessoa ou comunidade um leque de opções estruturais para sua a identificação, ampliando, desta forma, as possibilidades de responder às demandas da vida quotidiana (GONÇALVES; ROCHA, 2006, p. 20).

Cabe destacar que, entre os elementos que compõem a identidade étnica, os de caráter religioso são essenciais para a compreensão de uma sociedade. O universo simbólico criado pelas religiões recria o mundo, atribui-lhe sentido e agrega as práticas religiosas à estrutura social.

A linguagem religiosa fornece os códigos para exprimir e reforçar demandas por direitos humanos ou por reconhecimento das identidades étnicas. A religião é assim uma referência de identidade, governa a ordem do indivíduo e mantém um conjunto de práticas e deveres que dão significado e “nomia” à existência das pessoas. (OLIVEIRA, 2012, p. 289).

Quanto à identidade nacional é importante considerar que a concepção de nação é recente na história humana. Ela está ligada às grandes transformações da modernidade e as suas consequências. Com a constituição do estado-nação, aparelho político e administrativo, procurou-se acomodar artificialmente diferenças regionais, étnicas e religiosas sob a sua regulação.

A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional. As diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de "teto político" do estado-nação, que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades culturais modernas. (HALL, 2011, p. 49).

Esta edificação institucional do estado-nação demandou alicerces significantes, estratégias representacionais acionadas para construir o senso comum sobre o pertencimento ou sobre a identidade nacional. Assim, recorreu-se, por exemplo, aos mitos de origem que ressaltam a polaridade entre os patriotas e os estrangeiros. “Toda identidade é incompleta sem a imagem de alteridade. Os mitos de origem nacional na tradição europeia a constituíram na contraposição e, por vezes, na negação do outro” (SORJ, 1997, p. 149).

3.3 ASPECTOS ÉTNICOS E NACIONAIS DA IDENTIDADE CONSTRUÍDA PELOS

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