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A Tríade da Fé Ainda não é Imagem de Deus

3.3 AS IMAGENS DA TRINDADE

3.3.1 A Tríade da Fé Ainda não é Imagem de Deus

A Trindade da Fé reflete de forma parcial a imagem da Trindade divina, devido ao fato de não ser eterna, plantar suas raízes na exterioridade e não na interioridade, e em coisas passageiras. Então, mesmo aspirando à verdade e se dirigindo aos bens eternos, não é ainda na posse, na contemplação e no amor dessa mesma fé temporal que se pode afirmar que essa Trindade mereça ter propriamente o nome de imagem de Deus, pois a fé é passageira e um dia será substituída pela imagem real de Deus.

[...] assim, agora, não vendo, mas, porque cremos, mereceremos ver e haveremos de nos alegrar por termos sido conduzidos à visão por meio da Fé. Então já não existirá a fé, pela qual se crê nas coisas que não se veem, mas sim a visão pela qual se veem as coisas em que se cria.30

Esta tríade está fundamentada nas coisas temporais da fé, e a imagem de Deus há de se assentar somente nas coisas eternas. As

29 Placuit quippe velut gradatim ascendentibus in utraque requirere apud interiorem hominem

quamdam sui cuiusque generis trinitatem [...] sicut prius apud exteriorem quaesivimus; ut ad illam Trinitatem quae Deus est, pro nostro modulo, si tamen vel hoc possumus, saltem in aenigmate et per especulum [...]. A Trindade, XIII, 20,26.

30

[...] sicut modo non uidentes, tamen quia credimus, uidere merebimur atque ad speciem nos

per fidem perductos esse gaudebimus. Neque enim iam fides erit qua credantur quae non uidentur, sed species qua uideantur quae credebantur. Ibid., XIV, 2,4.

realidades da fé são transitórias e embora se retenham lembranças desta vida mortal para sempre na memória e se possa evocar por meio desta o que se criou, estas estão lançadas à conta das coisas pretéritas e findas e não das coisas presentes e perenes. Consequentemente, esta trindade que agora consiste na recordação, visão e amor da fé presente e atual, será considerada acabada e passada, não, porém, permanente. Nesse caso, dever-se-ia concluir: se essa trindade fosse imagem de Deus, ela estaria existindo nas coisas permanentes, e não nas transitórias.

Não é na posse, contemplação e amor da fé passageira, portanto, mas no que há de permanecer para sempre que é preciso encontrar o que convém ser denominada imagem de Deus.

Exemplifica-se a Trindade da fé pelos significados das palavras. Quando os vocábulos da fé são confiados à memória, as significações são retidas, mesmo se o homem não pensar nelas. Desses sons, será formada a imagem da recordação. Quando o ser movido pela vontade lembrar- se e pensar neles, reúne os sons à lembrança afetiva.

Ao aceitar que certas palavras de idiomas desconhecidos tenham estes ou aqueles significados, acontece algo semelhante à “tríade pela

fé”.

É assim que alguns fazem em relação ao grego, por não conhecer essa língua; ou em relação ao latim ou qualquer outro idioma [...] Pois estão na memória os sons daquelas palavras, mesmo quando não pensam nelas. E a vontade daquele que recorda e pensa associa esses dois elementos.31

É preciso, primeiramente, receber o ensino, gravá-lo na memória e, em seguida, aplicar-se a compreendê-lo ou aprofundar-se em seu estudo, o que acontece por meio da inteligência, sobretudo, pela vontade de decidir se põe em prática.

Devido, contudo, ao fato de esta imagem estar assentada na fé que é algo presente e atual, e será superado com o passar do tempo, portanto não permanente, não pode ser então imagem da Trindade, pois sendo Deus eterno, sua imagem também deve ser eterna. Visto ser

31 Verba graeca tenere memoriter, vel latina similiter, vel cuiusque alterius linguae, qui eius

ignari sunt! [...] et in memoria sunt illi verborum soni, etiam quando inde non cogitat; et inde formatur acies recordationis eius, quando de his cogitat; et voluntas recordantis atque cogitantis utrumque coniungit?. A Trindade, XIII, 20,26.

imortal, a alma humana deve também ela “conter” em si uma imagem trinitária imortal e permanente.

Lembra-se, contudo, do Senhor seu Deus. Quanto a ele, sempre é. E não se pode dizer dele: “foi e não é mais”; tampouco: “é, mas não foi”. Pois assim como jamais deixará de ser, nunca começou a ser, e jamais deixou de ser. Está todo inteiro em todas as partes. Eis porque nele a alma tem a vida, o movimento e o ser (At 17, 28). E a alma tem assim a possibilidade de se lembrar de Deus.32

Como foi mencionado anteriormente, porém, Agostinho não adota essa trindade porque está destinada a desaparecer, consequentemente, será considerada finita, o que significa que não pode ser aceita como imagem definitiva do Deus infinito.

A trindade da fé tem como base a recordação (conservação) que está intimamente ligada a alguma experiência concreta, portanto, o empírico, que fora denominado como sendo parte constitutiva do homem exterior; em seguida tem-se como elemento a visão

(contemplação), que acontece na alma, e é simultânea ao contato com o

objeto. Logo, tal trindade é um encontro da ciência ativa e da fé verdadeira. Ela dá-se quando a estima do conteúdo da fé atua na pessoa do crente.

Deve-se ressaltar que a estima pelo assunto da crença atua na pessoa do crente, e isso não ocorre somente em relação às místicas, mas em muitos conteúdos da aprendizagem, pois “[...] Ele implanta em nós a fé nas realidades temporais e também na verdade das realidades eternas [...].”33

Agostinho lembra que isso acontece toda vez que a pessoa crê no testemunho de alguém, que narre algum fato presenciado por ele, seja no sentido religioso ou não.

Esta tríade em questão pode ser comparada à imagem de alguém refletida num espelho. Há o homo exterior, o reflexo e a consciência (que compõem a tríade), e entre estes não há antes e nem depois, são simultâneos. Os componentes deste exemplo em alguns aspectos igualam-se à trindade pela fé, pois, os dois primeiros são finitos e temporais, enquanto a consciência (o conhecimento do fato) parte da

32 Domini autem Dei sui reminiscitur. Ille quippe semper est, nec fuit et no nest, nec est et non

fuit; sed sicut numquam non erit, ita numquam non erat. Et ubique totus est, propter quod ista in illo et vivit, et movetur, et est, et ideio eius reminisce potest. A Trindade, XIV, 15,21.

exterioridade em direção à interioridade da mente e ficará registrada na memória para a eternidade.

A tríade pela fé será desfeita, pois, quanto à recordação, esta permanecerá ad eternum na alma imortal, a visão igualmente segue estes mesmos pressupostos, porém o mesmo não se dá com o amor da fé, que será substituído pela “[...] visão face a face.”34

Santo Agostinho recorre à fé para fazer uma espécie de antecipação, ou seja, uma explicação gradual do que de fato ele pretende em relação à Trindade e ao conhecimento, visto que:

[...] enquanto o justo vive da fé (Rm, 1,17), embora viva conforme o homem interior e se apoie na fé temporal, aspirando à verdade e se dirigindo aos bens eternos, contudo não é ainda na posse, na contemplação e no amor dessa mesma fé temporal, que se possa dizer que essa trindade mereça ter propriamente o nome de imagem de Deus.35

Não é imagem de Deus essa trindade que cessará de existir. É necessário, porém, procurar na alma do homem, ou melhor, na sua mente, a imagem do Criador inserida imortalmente nesta natureza imortal.