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O Conhecimento Explícito e Implícito da Mens

3.3 AS IMAGENS DA TRINDADE

3.3.3 O Conhecimento Explícito e Implícito da Mens

Agostinho aborda o papel do pensamento em relação ao conhecimento da mens sobre si própria. Recorrendo ao exemplo das crianças, faz uma diferenciação entre o “não se conhecer” e o “não

pensar em si”. A criança ainda não fala nem se pensa e, contudo, se

reconhece como ser individual capaz de algumas atitudes próprias a sua idade.

As formas de conhecimento de si, o non se nosse e non se

cogitare, pertencem à natureza mesma da alma ao se conhecer. Ela não

existe primeiramente para depois se conhecer. Ela sempre possui um saber íntimo de si mesma, ainda que nem sempre pense nisso e por isso se engane sobre si.

O conhecimento que a mente sempre tem de si mesma de modo implícito e latente, é a notitia (conhecimento informal da alma). Está sempre na memória. Difere da cognitio (pensamento) que é um conhecimento explícito, fruto da reflexão, como que gerado. “Portanto, quando a mente pensa em si, vê-se, ela se compreende e se reconhece.”41

A força do pensamento, para Santo Agostinho, é de tal maneira que nem a própria mente coloca-se em sua presença, a não ser quando pensar em si. Nada há presente na mente, senão quando nisso ela pensa, a ponto que nem mesmo a própria mente pode estar presente em si mesma, a não ser pensando em si própria.

A presença da mente a si assemelha-se aos olhos. Estão presentes no corpo, mas seu olhar estende-se ao que está fora. Desta forma o próprio olho não está na sua presença, pois não se enxerga, a não ser por meio de um espelho. A presença a si é algo pertinente a sua própria natureza; e quando pensa em si mesma, ela volta-se para si mesma. Por outro lado quando a mente não se pensa, com certeza, ela não se vê. Então a possibilidade de gerar conhecimento sobre si está ligada à capacidade de pensar a respeito de si.

Pela função do conhecimento de si, o saber implícito, isto é, o conhecimento pré-reflexivo, aciona as três potências da mens: memória,

inteligência e vontade. O conhecimento de si guardado na memória gera

41 Mens igitur quando cogitatione se conspicit, intelligit se et recognoscit. A Trindade, XV,

o pensamento, e ambos são unidos pela vontade. Estes dois últimos compõem o conhecimento explícito da mens sobre si.

Acrescenta-se que não há nada que a mens conheça tão bem quanto aquilo que é presente a si, e nada lhe é mais presente do que ela própria. Pertence a sua natureza ver-se a si mesma, e quando assim o faz, volta-se para si mediante uma conversão incorpórea.

É importante observar que um conhecimento presente somente na memória e não pensado fica perdido no esquecimento e nunca se chega a saber o que se sabe se não for trazido à luz pelo pensamento. O ser humano só sabe que sabe algo se pensar sobre aquilo que sabe. Agostinho afirma que “a mens é formada de modo que nunca se

esquece, nunca deixa de se inteligir e de se amar”.42 Além disso, a alma tem consciência do conhecimento a respeito de si própria.

Por isso a mens possui um conhecimento potencial sobre si, gravado na memória, que precisa vir à luz pela força do pensamento, motivado pela vontade. Estas “potências” são partes constituintes de si e não podem perder-se, estão sempre presentes em si.

O mesmo ocorre em relação a outros conhecimentos guardados na memória. O indivíduo pode ter vários deles armazenados, mas quando trata de outro assunto não os apaga, apenas os “esquece” momentaneamente, porém se receber uma informação a respeito de um tema do qual tenha conhecimento, fará como que uma “conversa” entre a memória e o pensamento, tendo como fator motivacional a vontade. Pode-se exemplificar isso com o caso de um arquiteto que ao falar sobre artes, seu conhecimento sobre Arquitetura não deixa de existir; este que discute sobre artes continua sendo arquiteto, pois se recorda da arquitetura, compreende-a e a ama, embora no momento não pense em tal conhecimento.

Porque, se nos referimos à memória interior da alma, pela qual ela se recorda de si; a inteligência interior, pela qual se conhece; e à vontade interior pela qual se ela ama - nesse centro onde essas três coisas estão juntas e onde existem juntas e sempre existiram ao mesmo tempo, desde que começaram a existir, quer se pense ou não pense nelas [...] reconhecemos que a imagem da trindade

manifesta-se nas três coisas, ou seja, na memória, na inteligência e na vontade.43

A memória, a inteligência e a vontade, os três elementos que compõem a unicidade e trindade da alma, convivem juntas e nenhuma delas surgiu antes das demais, tampouco são provenientes do exterior da alma. O conhecimento explícito dá-se quando o que estava implícito na memória, nos recôndidos da alma, passa para a superfície. Na realidade a imagem da Trindade é permanente no homem, visto que a mens nunca deixa de se conhecer.

Para entrar em si para conhecer-se e conhecer a Deus faz-se necessário primeiramente passar pelo próprio coração. Agostinho é da opinião de que se o homem não se conhecer a si mesmo, não saberia conhecer aquele que o fez.44 Ao procurar conhecer a Deus, conhece-se antes a si.

A alma neste caso torna-se, então, cognoscível e cognoscitiva, isto é, sujeito e objeto simultaneamente do conhecimento, o que a leva a se tornar isenta da transitoriedade, pois esta se volta para si mesma, o que significa também que se atém em algo imortal. Voltar-se para si significa olhar para o inteligível, onde verá sua imortalidade e a sabedoria além dos visíveis; a alma encontra, assim, condições para se aproximar do modelo desejado no qual pode refletir a Trindade.

Essa trindade reflexiva é superior àquela proveniente do conhecimento exterior, e a composta pela fé, pois ambas assentam-se em coisas passageiras ou que serão, de certa forma, superadas, ao menos em alguns aspectos, como é o caso da fé, que será substituída pela “[...] visão face-a-face [...].”45

Aqui está implícito, de acordo com Folch Gomes, em sua “Antologia dos Santos Padres”, o quanto Agostinho defende o valor do testemunho dos sentidos e da experiência sensível, sem isso o homem não teria possibilidade natural de crescimento, como as coisas do mundo corpóreo ou da História. Exigem elas a experiência dos sentidos como primeiro contato com o real. Não sucede a mesma coisa na alma, no entanto, pois ela nunca é para si algo de adventício, isto é, que venha de

43 Nam is nos referamus ad interiorem mentis memoriam qua sui meminit, et interiorem

intellegentiam qua se intellegit, et interiorem volutatem qua se diligit, ubi haec tria simul semprer fuerunt ex quo esse coeperunt, sive cogitarentur, sive non cogitarentur [...] in trinitatem potius illis imago ita cognoscitur, memoria sciliect, intellegentia, voluntate. A

Trindade, XIV, 7,10.

44

FOLCH GOMES, C. A Doutrina da Trindade Eterna. Rio de Janeiro: Ed. Lumem Christi, 1979. p. 161.

fora. Desde o alvorecer de sua existência ela nunca perdeu a possibilidade de se recordar, conhecer-se e amar-se.

[...] há, no recôndito da mente, certos conhecimentos de algumas coisas e que, umas vezes, de algum modo, surgem à plena luz e se situam, como que mais claramente, no olhar da mente, quando são pensadas; outras vezes, a própria mente descobriu que recordava, que compreendia e amava mesmo aquilo que não pensava, quando pensava em outra coisa.46 Agostinho, porém, assegura que “[...] uma coisa é não se conhecer a si mesmo, outra coisa é não pensar em si mesmo.” 47

Exemplifica isso ao comentar que muitos dos conhecimentos do homem estão “guardados” na mente e o pensamento dá a luz a estes. O que estava implícito na memória, nos recôndito da alma, passa para a

superfície. O mesmo se dá em relação à mens quando esta procura

conhecer-se.