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A tríade elementar do discurso do Banco Mundial: educação, desenvolvimento e

Capítulo 3- Ordem e Progresso: a sociologia – ou economia – da educação proposta

4. A tríade elementar do discurso do Banco Mundial: educação, desenvolvimento e

A partir das análises da temática educacional em publicações do Banco no fim do século XX, nota-se que as proposições para a educação inserem-se no conjunto das reformas estruturais estimuladas pela instituição. Nesse sentido, são incentivadas: a participação da sociedade civil na gestão escolar, a flexibilização administrativa, o

empowerment e o accountability – todos esses instrumentos de autonomia da

comunidade e fiscalização do aparato estatal, com vistas a promover a governança. Além de garantia de segurança para os indivíduos – por reduzir as vulnerabilidades econômicas, sociais e naturais –, a educação do BM é a oportunidade para os trabalhadores tornarem-se competitivos e os países superarem o subdesenvolvimento. Logo, a educação representa o meio para combater a pobreza e promover o desenvolvimento.

As deliberações expressas para o setor educacional do Banco no fim do século XX propõem como pilares de um bom sistema educativo: acesso, qualidade e prestação de serviços (WORLD BANK, 2000a, p. 53). Observa-se o papel indutor que os Estados assumem na consecução das políticas, bem como a entrada da sociedade civil e o estímulo para a realização do empowering e do accountability, por meio da autonomia e da descentralização das instituições e prerrogativas da educação. Opera-se, portanto, um equilíbrio entre currículo centralizado, uso intensivo de tecnologias e avaliação nacional unificada com a administração flexível e participativa. Segundo Dellanoy, em publicação do staff do Banco, as mudanças realizadas na gestão educacional são singulares, uma vez que representam a superação dos “ideologismos” de 1980:

El cambio más importante en el sector educativo iniciado durante la década de los 80 e intensificado durante los 90, es que, con el crecimiento de la competencia internacional, el foco de atención de muchos gobiernos se ha trasladado de la provisión de recursos de aprendizaje hacia los resultados obtenidos por el sistema […]. Además, la búsqueda de mayor eficiencia ha estimulado el interés de los actores por nuevos conceptos, tales como la productividad educativa […] y la rendición de cuentas […]; y por herramientas de gestión, como la medición y la evaluación, aún poco desarrolladas en algunas partes del mundo (DELLANOY, 1998, p.1 – reformas en gestión).

Esse conjunto de inovações coordenadas com foco nos resultados do sistema representa uma reengenharia do BM atenta à produção da educação e à eficiência, com vistas ao incremento do desempenho (KRUPPA, 2000). Tal perspectiva de qualidade administrativa é depositária da compreensão geral admitida pelo Banco acerca do desenvolvimento e combate à pobreza, e, por conseguinte, da reforma institucional estimulada. Vale lembrar que, o segundo pacote de reformas proposto pelo BM determina ajustes estruturais somados a políticas sociais e instituições fortes, articulados no tripé da governança – comunidade, Estado e mercado.

O RDM 2000/2001 maneja Estado, mercado e sociedade civil como agentes da luta contra a privação de liberdade (SEN, 2000) nos níveis da promoção de oportunidades, da facilitação da autonomia e do aumento da segurança. Por conseqüência, as políticas educacionais admitidas em tal contexto apresentam incidência tangencial nos três níveis da estratégia integral de redução da pobreza, articuladas pelas três esferas de agência; ou seja, a educação cria e aprofunda oportunidades, autonomia e segurança e depende da intervenção pública, privada e particular – com ênfase nos interesses de mercado. Para Borges,

[...] o Banco reconhece a importância da área educacional para sua agenda de reformas, na medida em que a reforma educacional, em particular, desenvolve, com bases mais sólidas, as habilidades necessárias para fiscalizar os governos e promover a inclusão social. Além disso, o papel da educação dentro do marco legal para a “boa governança” é fundamental, pois a ideologia de igualdade de oportunidades, que constitui o cerne da teoria do capital humano e, analogamente, da “sociologia da educação” do Banco Mundial, contribui para legitimar o Estado liberal como uma instituição neutra, empenhada em garantir o cumprimento de regras “justas”. (BORGES, 2003, p. 133)

Evidencia-se, por conseguinte, que as políticas educacionais apresentadas pelo BM inserem-se no plano das reformas institucionais, as quais definem como competências do Estado: o equilíbrio do mercado, manutenção da propriedade e clima favorável para a circulação de capitais e a agência da esfera privada (WORLD BANK, 1997b). Em tal quadro, o aparato estatal deve investir em serviços básicos a fim de promover um ambiente de segurança e oportunidades para os pobres, gerando, assim, espaço para a governabilidade. Como meio de fiscalizar e equilibrar a incidência do governo central na sociedade, o BM propõe a regulação da sociedade civil em espaços

descentralizados de gestão e monitoramento182. Em suma, a amplificação da agenda do Banco - com uma teorização mais abrangente operada em grande medida nas perspectivas de Sem (2000) – envolve um processo de aprofundamento da coesão social, que qualifica a educação como catalisadora das habilidades necessárias para a manutenção da estabilidade social e política.

A figura a seguir ilustra a importância da educação para o BM. Nessa perspectiva, a educação influi nas necessidades básicas (saúde e nutrição), na produtividade e na coesão social e equidade. Todos esses fatores contribuem para a redução da pobreza e o bem- estar do indivíduo. Os dois últimos favorecem igualmente o crescimento econômico, o qual também promove a diminuição da pobreza e a melhora na qualidade de vida. Delineia-se, no conjunto, o papel estratégico que a educação assume no discurso do Banco Mundial, visto seu lema declarado como agência promotora do desenvolvimento e combate da pobreza mundial.

Figura 7: Importância da educação para O Banco Mundial no fim do século XX

Fonte: World Bank (2000a, p. 5).

Empreende-se, de tal construção lógica, que à noção de capital humano - adotada como investimento no fator humano que agrega valor à produção – é agrupada a perspectiva mais ampla de capital social, que faz menção às capacidades humanas. A 182 “Las relaciones de colaboración entre gobiernos centrales, gobiernos locales y comunidades, en el

marco de una forma de gestión mis descentralizada, pueden lograr que mejore la prestación de servicios, y las comunidades pobres y los proveedores de servicios a nivel local independientes del gobierno pueden ser colaboradores eficaces en la mejora de la calidad de la educación. En particular, los colaboradores locales conocen la situación a nivel local y comprenden los valores, la cultura y las tradiciones locales, que constituyen un aspecto esencial del desarrollo sostenible (WORLD BANK, 2000a, p.17)

educação é, portanto, um meio de realização do indivíduo em si, bem como a liberdade de usufruir de suas escolhas a partir de um conjunto de oportunidades dadas (SEN, 2000). Em tal acepção, não se exclui as abordagens de retorno financeiro emolduradas entre 1980 e 1990 – como observa-se nos documentos de política setorial –, mas estas são balizadas, ao menos no plano discursivo, pela ênfase multidimensional assumida pelo novo modelo. Defende-se, por conseguinte, que a noção de educação do BM é hipertrofiada no fim do século XX.

Realiza-se, também, uma mudança qualitativa das diretrizes no decorrer da década de 1990 (KRUPPA, 2000): o Banco amplia seu papel como indutor das políticas educacionais, correlacionadas com o desenvolvimento e o combate à pobreza, ao mesmo tempo em que denota aos países clientes a tarefa de definirem e empreenderem medidas estratégicas. Para Sen, sinalizando o ideário do BM,

Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas (SEN, 2000, p.71).

Apresenta-se aí a dubiedade característica do processo de internacionalização das políticas sociais sinalizado no capítulo 1. Isso, porque, “os pobres são os principais agentes da luta contra a pobreza” (WORLD BANK, 2000/2001, p.12), mas carecem de apoio e incentivo dos países desenvolvidos e das organizações internacionais, cabendo a estes o papel de agência das prioridades e estratégias educacionais. Logo, ao pobre é dada a autonomia e a indução da política que é formulada e orientada pelo Banco, ocultando-se, portanto, a responsabilidade das receitas transmitidas pela instituição sob o manto da participação inclusiva.

CAPÍTULO 4 - PROJETOS DO SETOR EDUCACIONAL ENTRE O BANCO