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Capítulo 4 Projetos do setor educacional entre o Banco Mundial e o Brasil:

2. Projetos do setor educacional

2.1 A fase de ajustamento da parceria Banco Mundial e Brasil

2.1.2 Projeto Nordeste II e III

Os projetos Nordeste de educação básica (NEBE) II e III foram pensados em conjunto, com objetivos idênticos e incidência em regiões distintas. Ambos foram aprovados em 1993 e efetivados quase um ano depois, respectivamente, em fevereiro e maio de 1994. O NEBE II contemplou os estados do Ceará, Maranhão, Pernambuco e Sergipe; e o III, Alagoas, Bahia, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Vale mencionar, que este projeto dá relevo a nuances fundamentais das intervenções educacionais do BM período estudado: atuação descentralizada, com foco nos estados e municípios, em regiões com elevada incidência de pobreza.

Dentre os motes para a execução das iniciativas figuram: incremento da qualidade da educação básica e graduação nos estados listados; controle da repetência e evasão escolar; e manejo eficiente da gestão educacional. O valor estimado de emissões para o NEBE II foi de 378,6 milhões de dólares, cabendo ao BM o empréstimo de 212 milhões; 97% do valor total seriam regidos pelas unidades da federação e 3% pelo governo brasileiro, em particular pelo MEC (WORLD BANK, 2000b).

Os componentes dos projetos em nível estadual foram alocados em:

• Financiamento (50,6%), por um regime de competência para contribuir com programas dos governos estaduais;

• Materiais educacionais (31,5%), destinados em sua maioria para a compra de livros didáticos;

• Treinamento docente (7,9%), bem como para diretores de escolas;

• Gestão educacional (5,7%), com vistas a promover a otimização dos gastos;

• Fundos (1,3%), para apoiar e divulgar iniciativas estaduais e municipais voltadas para a melhoria dos índices educacionais;

Em caráter nacional, os componentes dividiram-se entre:

• Avaliação (1,5%), a fim de construir capacidade nacional para programar meios de verificação de resultados, e análises fomentadoras de políticas públicas.

• Análises políticas e estudos (0,4%), para o desenvolvimento institucional da secretaria de ensino fundamental do MEC em apoio à educação básica.

• Planejamento e gestão educacional (0,9%), para lograr eficiência no financiamento de consultorias, sistemas integrados de gestão, suporte de projetos e treinamentos.

• Revisão de livros didáticos e merenda escolar (0,3%), a fim de melhorar a provisão de alimentos e a rede nacional de distribuição de materiais escolares.

O NEBE III teve um custo estimado de 366, 9 milhões de dólares, sendo 206,6 oriundos de empréstimo do BM. Tal valor foi alocado em componentes, como citado anteriormente, com algumas alterações tênues: 33,7% para materiais educacionais, 8,4% para treinamento docente, 1,6% para fundos, e a nomenclatura financiamento foi substituída para incremento das facilidades em educação. Cabe destacar que na terceira versão do projeto Nordeste a esfera nacional não foi incluída (WORLD BANK, 2000c).

Novamente, delineia-se o objetivo de melhorar a qualidade da educação articulado com a gestão educacional. Percebe-se nos componentes listados, elevados investimentos para a compra de materiais didáticos e financiamento. Em sentido oposto, delineia-se a reduzida porcentagem de gastos com treinamento docente. Por conseguinte, priorizam-se os inputs e outputs da educação (SAMOFF, 1996) em detrimento dos recursos humanos – os quais são fundamentais para a própria articulação dos insumos escolares adquiridos. Nesse sentido, a escola esvazia-se e torna-se um espaço de aquisição de habilidades produtivas; o ensinar é realizado de forma passiva e técnica a partir do livro didático, bem como o aprender (TORRES, 1996).

Segundo relatório do Banco, a novidade do projeto Nordeste foi investir em gestão educacional e instalações escolares, nesse sentido, as secretarias de educação foram estudadas a fim de prover a eficiência nos serviços (WORLD BANK, 2000b). Tal inovação torna-se efetiva nos projetos subseqüentes – com destaque para o FUNDESCOLA –, legitimando o caráter invasivo e vinculante dos projetos educacionais, com o intuito de reformar as instituições e dotá-las de capacidade administrativa. Esta é definida nos termos de eficiência e retorno das inversões – assim como empowerment e accountability; ou seja, nuances pertinentes à lógica empresarial de otimização dos lucros.

Em avaliação, o BM afirma que o NEBE sofreu problemas devido às debilidades administrativas do mutuário e à falta de experiência da partes com tal modelagem de projeto (WORLD BANK, 2000b). Por conseguinte, a instituição reitera como permissiva a falta de estabilidade do país e admite sua inabilidade em atuar junto ao cliente, em suas condições de ineficiência operacional. Destaca-se que, no ínterim de execução das iniciativas (1993-1998), a parceria do BM com o Brasil transitava da fase de ajustamento para a polivalente, marcando os empréstimos vinculados às reformas estruturais e de efetivação do segundo pacote de ajustes. Somente no CAS de 1997, o BM declara concordância com o governo brasileiro e sua atuação de market-friendly

state.

Entretanto, os resultados do NEBE II e III foram descritos como satisfatórios na perspectiva da OI, com exceção dos componentes de gestão educacional e treinamento docente (WORLD BANK, 2000b). Tal avaliação reitera o peso dado aos insumos educacionais em detrimento dos recursos humanos. Se em análise do Banco os objetivos do projeto foram alcançados, significa que a intervenção colaborou com qualidade da educação básica, controle da repetência e evasão escolar – motes do NEBE definidos pela OI. Entretanto, questiona-se em que medida os principais componentes da iniciativa, financiamento e materiais educacionais – leia-se livros didáticos –, colaboraram para a realização de tais objetivos: como a evasão escolar é controlada? E a repetência? Qual a vinculação entre financiamento, livros didáticos e qualidade da educação básica? – estas são algumas das indagações que carecem de explicação por parte do BM.

Ademais, ressalta-se que a noção de qualidade instrumentalizada pelo Banco não é alcançável sem melhora satisfatória da gestão educacional e do treinamento de professores. Por conseguinte, o NEBE não cumpriu seus objetivos, tendo em vista que o

staff do Banco refere-se à qualidade dos sistemas educacionais como a sincronização de

objetivos curriculares, material instrucional, docentes capacitados e exame de seleção. A passagem ilustra tal elaboração,

El grado de coordinación y de sincronización de los cuadros mecanismos de aseguramiento descritos […] determina la coherencia y la calidad de un sistema educacional. Los objetivos curriculares deben a la vez presentar un desafio para los alumnos y ser realistas. El material instruccional debe reflejar y apoyar dichos objetivos curriculares. Los docentes deben ser capacitados en como enseñar el nuevo currículo y en la utilización del material instruccional. Exámenes de selección (para el ciclo superior o la Universidad) bien diseñados contribuyen a asegurar que los docentes focalizan su acción sobre lo que los diseñadores del curriculum quieren que los alumnos aprenden (DELLANOY, 1998, p.1)

Dentre as ações do NEBE, articula-se o incremento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que recebeu 90% de financiamento pelo projeto entre 1995 e 1997, com assistência técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (WORLD BANK, 2000b). Tal iniciativa exemplifica a prática recorrente das intervenções em educação do BM no Brasil: a criação e reforço de sistemas avaliativos, a fim de mensurar as necessidades educacionais do país.

Em caráter nacional, o projeto motivou, em conjunto com UNICEF e União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (UNDIME), onze estudos publicados sob o título “Chamada para a Ação”. Esta contribuiu para a formulação das estratégias educacionais do BM para o Brasil em 1997. Ademais, o projeto financiou o sistema integrado de informações sobre educação (SIED), colaborando para o arranjo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF); e colaborou com o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e o Projeto de Coordenação e Gestão, que contribuiu na formulação do FUNDESCOLA (WORLD BANK, 2000b).