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A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — no terceiro momento

(1930-1982)

O final do segundo e início do terceiro momento missionário do metodismo no Brasil é marcado pela tensão que traz o tema da autonomia junto à Igreja-mãe (Igreja Metodista Episcopal do Sul [EUA]).

O autogoverno e a ideologia nacionalista representam as motivações que

levam o metodismo brasileiro buscar autonomia. Conforme analisa Rui de Souza Josgrilberg:

A idéia da autonomia nasceu com o desejo dos (as) metodistas brasileiros (as) de se constituírem em Igreja autônoma. Esse desejo trazia no centro o princípio do autogoverno. Para a sua concretização, era necessário alcançar o auto-sustento. Todas as iniciativas, decisões, responsabilidades, estavam nas mãos dos missionários. (...). A motivação da autonomia encontrou uma mola propulsora na forte ideologia nacionalista, muito viva no início do século passado (uma espécie de patriotismo reivindicatório de direitos inerentes à nacionalidade).82

As tensões internas da Igreja representam os conflitos que a sociedade brasileira vivenciava na época. Em “A Questão Nacional na Primeira República”, a historiadora Lúcia Lippi Oliveira analisa “o nacionalismo, enquanto bandeira a guiar os intelectuais preocupados em construir um projeto de salvação nacional”.83

Nesse cenário, no contexto metodista brasileiro é importante destacar a figura de Guaracy Silveira, pastor que, segundo pesquisa de Cilas Ferraz de Oliveira, é qualificado como um político e um religioso liberal:

Guaracy Silveira, de família rica que empobreceu, estudou para padre, tornou-se pastor protestante e foi o primeiro deputado protestante eleito no Brasil nas Constituintes de 1934 e 1946. Ele é um típico intelectual desse período. Atuou como jornalista e

82 JOSGRILBERG, Rui de Souza. O movimento da autonomia – nasce a “Igreja Metodista do Brasil”, 2 de

setembro de 1930. In: SOUZA, José Carlos de (Org.). Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia. São Bernardo do Campo, Editeo, 2005, p. 12.

83

escreveu diversas obras e poesias. Ele se identificava como um político e um religioso liberal.84

Os movimentos históricos que acompanham o metodismo brasileiro são permeados pela tensão existente no campo político brasileiro. Se considerarmos a organização oficial da Igreja com a chegada de John James Ransom, em fevereiro de 1867, como missionário oficial da Junta de Missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul, o período entre a chegada do metodismo oficial e a mudança do regime monárquico para a república é de apenas treze anos. Esse paralelo também pode ser percebido no desenrolar da história. O fim da Primeira República ou República Velha se dá em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder com a seguinte proposta política:

A Plataforma da Aliança Liberal, lida por Getúlio num comício realizado na capital da República, na Esplanada do Castelo, em janeiro de 1930, tinha por objetivo sensibilizar as elites regionais dissidentes, a crescente classe média urbana e mesmo a massa trabalhadora. Defendia a reforma do sistema político, com a adoção, entre outros pontos, do voto secreto e da justiça eleitoral; defendia também as liberdades individuais clássicas e a anistia, com o que acenava para a reconciliação com os tenentes.85

Segundo Reily, a autonomia do metodismo não “se desenvolveu, é claro, em um vácuo; pelo contrário, desenvolveu-se no Brasil da década dos vinte, um Brasil de crescente auto-afirmação e nacionalismo”.86 A tese de Reily corrobora

esta investigação, que observa que as tensões da sociedade brasileira representam as tensões da Igreja. O caminho para a autonomia, ainda segundo Reily, é composto por três fatores: “1) A Eclesiologia e a Filosofia Missionária do Protestantismo; 2) A Crescente Maturidade da Missão Brasileira e 3) Os Passos Específicos que conduziram à Autonomia”.87

84

OLIVEIRA, Cilas Ferraz. Protestante na política: O caso Guaracy Silveira. X Simpósio Internacional – Processo Civilizador, 1, 2, 3 e 4 de abril, Campinas: Unicamp, 2007. Não paginado.

85

FAUSTO, Boris. Getulio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 36.

86

REILY, Duncan Alexander. Metodismo brasileiro e wesleyano. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1981, p. 23.

87

Destaca-se na tese de Reily que o movimento protestante na América Latina buscava novas formas de ser organizar e expressar. O Congresso de Montevidéu, em 1925, “no qual participaram 11 metodistas representando o Brasil”88, aprovou a reivindicação de se eleger bispos nativos. Reily ainda aponta

que no mesmo período que a Igreja Metodista Episcopal do Sul aprovou a autonomia do metodismo brasileiro, o mesmo se deu com as Igrejas Metodistas da Coréia e México.

Outras análises sobre o processo de autonomia da Igreja Metodista e o movimento nacionalista são cabíveis nesta pesquisa como, por exemplo, é analisado por Josgrilberg:

O “nacionalismo religioso” é definido por S. G. Inman em 1929, no relatório do Congresso de Havana (1929), como sendo “o propósito e ações para assegurar completo auto-sustento, auto- governo auto-crescimento à obra, sem se separar do companheirismo da Igreja Universal”. Essa caracterização se completa, mais adiante, com uma nota que aponta para a aculturação do Evangelho.89

Portanto, a autonomia da Igreja Metodista em terras brasileiras não pode ser analisada numa única perspectiva ou como se fosse uma “via de mão única”, a saber, um desejo exclusivo e único dos metodistas brasileiros da época. É essencial que a discussão contemple outros fatores, tais como políticos, sociais, culturais, educacionais, entre outros. O movimento de autonomia do metodismo brasileiro é resultante dos fatores anteriormente indicados e, na intenção missionária, representa a busca por uma eclesiologia inculturada para o cumprimento da missão. Em pesquisa sobre o movimento de autonomia da Igreja Metodista, C. F. de Oliveira conclui:

O movimento pela autonomia foi uma luta pelo poder, frustrada pela incapacidade de superação da dependência econômica e

88

Ibidem, p. 35.

89 JOSGRILBERG, Rui de Souza. A autonomia e a cultura brasileira: Revista Caminhando, São Bernardo do

ideológica frente aos missionários e à Junta de Missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul.90

Tendo como pano de fundo essa análise do movimento de autonomia da Igreja Metodista, a tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — é percebida nos movimentos das lideranças que procuravam ocupar os espaços desta Igreja recém-emancipada, porém com tensões internas e externas das mais variadas ordens.

Se, por um lado, Huch H. Tucker, Guaracy Silveira e outros representam o pensamento de que ação missionária significa o comprometimento com as transformações sociais, por outro, encontraremos Augusto Schwab, Epaminondas Moura e outros que representam o pensamento de que ação missionária é ver a Igreja como agência de conversão pessoal, avivamento e santidade.

Em face de críticas da sua compreensão sobre o socialismo, uma vez que o mesmo foi eleito pelo Partido Socialista Brasileiro, Guaracy Silveira defenderá sua identidade de pastor metodista e deputado constituinte. C. F. de Oliveira afirma que:

Guaracy defendeu a tese de que “socialismo” e “marxismo” não eram sinônimos, havia um socialismo cristão e divulgou o Credo Social da Igreja Metodista fundamentando a defesa da sua orientação socialista. (...) Em segundo lugar, ele sustentou a tese de que os candidatos do PSB fizeram campanha, com um programa socialista, na sua visão, genuinamente cristão.91

A Responsabilidade Social terá um acento significativo nesse início do terceiro momento missionário do metodismo brasileiro. O periódico oficial da Igreja Metodista – Expositor Cristão (EC) – dará muita ênfase a essa dimensão da Igreja.

90

OLIVEIRA, Cilas Ferraz de. O movimento de autonomia da Igreja Metodista do Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2001, p. 106.

91

OLIVEIRA, Cilas Ferraz de. Nunca, na história deste país... a contribuição de Guaracy Silveira ao Metodismo do Brasil. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2008, p. 100-101.

Dentre esses relatos destacamos o relatório da Comissão de Temperança e Serviço Social no Concílio Geral da Autonomia:

O bispo James Cannon Junior fez um discurso sobre este tema: ‘A Igreja e o Evangelho Social’, explicando os princípios fundamentais das atividades da Igreja, expôs cuidadosamente a diferença entre o apelo direto do Evangelho a cada alma individualmente e a relação necessária de cada indivíduo para com a sociedade. O bispo declarou que o fato muito importante e significativo que na primeira reunião pública sob a direção do seu Concílio Geral para ouvir um relatório, a Igreja Metodista mostrasse enfaticamente sua atitude para com o Evangelho Social de Jesus, colocando-se assim na linha de frente com o metodismo desde os dias de Wesley.92

Inspirados e influenciados pela linha do Evangelho Social, o metodismo brasileiro pós-autonomia valorizará as reflexões de Walter Rauschenbusch, considerado um dos precursores do Social Gospel. Nas pesquisas de Helmut Renders, “na tradição metodista, o conceito ‘social’ aparece com frequência e com significados variados”.93 Portanto, vale destacar que, para o metodismo brasileiro

pós-autonomia, a interpretação de Guaracy Silveira, como citada acima, de que responsabilidade social da Igreja tem vínculos com um socialismo cristão, pode também ser percebida nas seguintes atitudes oficiais da Igreja, tais como o documento aprovado no segundo Concílio Geral em 1934, a saber:

O evangelho que nós pregamos é uma força social transformadora. Combatemos o materialismo, o amor ao lucro, a avareza, o nepotismo, o egoísmo. Urge que os raios x dos ensinos de Jesus penetrem o íntimo de nossa civilização. A visão do Reino de Deus deve elevar-nos acima das correntes da história das mudanças complexas do mundo de modo que, com vistas elevadas, possamos observar os interesses humanos antagônicos e voltar novamente ao seio da vida humana para fazer parte pela cristianização da ordem social com nova coragem e fé renovada.94

92 TUCKER, Huch C.; CERILLANES, J. I. Relatório da Comissão de Temperança e Serviço Social. In: Atas do

1° Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo: Imprensa Metodista, 1930, p. 40.

93

RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo: Editeo, 2010, p. 24.

94

CONCILIO GERAL DA IGREJA METODISTA. A atitude da Igreja Metodista do Brasil perante o mundo e a nação. In: Atas do 2° Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, Porto Alegre, 4 a 19 de janeiro de 1934. São Paulo: Imprensa Metodista, 1934, p. 96.

Não involuntariamente, mas configurando o marco referencial da identidade metodista pós-autonomia, os Cânones da Igreja, que até então eram uma tradução da versão norte-americana, fortalecerão a Responsabilidade Social da Igreja com destaque para Credo Social95. Esse destaque perderá sua importância na década de 1960, ocasião de muitos conflitos na política brasileira e também na vida interna da Igreja. Ele voltará a ocupar espaço como marco referencial na legislação de 1982, ocasião da aprovação do Plano para Vida e Missão. Ainda, na linha do pensamento não involuntário e sim como marco referencial, em 03 de setembro de 1930, no denominado Concílio da Autonomia, Tucker foi chamado para presidir os trabalhos conciliares desse novo momento. Sublinha-se que Tucker foi o missionário norte-americano profundamente identificado com a Responsabilidade Social. Sua biografia contempla a fundação da primeira instituição de Serviço Social do Brasil, o Instituto Central do Povo, como mencionamos anteriormente.

A eleição do primeiro bispo nativo, César Dacorso Filho, dar-se-á no 2° Concílio Geral, em 1934. Guaracy Silveira, o metodista deputado constituinte pelo Partido Socialista Brasileiro, revela sua empolgação com a eleição do primeiro bispo metodista brasileiro:

a eleição do novo bispo veio encher de alegria a todos que o conhecem. Moço humilde, de grande cultura, enérgico e capaz de resolver com prudência todas as dificuldades que surjam nos concílios e nos pastorados, sempre fiel e todas as obrigações dos cargos que tem ocupado, ele será nestes seis anos um fator de paz e desenvolvimento da Igreja.96

Porém, esse marco referencial de comprometimento social da Igreja sofrerá mudanças, frutos das tensões internas e das pressões políticas da época, em especial a inserção do país na segunda guerra Mundial, pois Vargas com a

95

A Doutrina social da Igreja Metodista se expressa no Credo Social. Para aprofundar no tema a 57ª. Semana Wesleyana promovida pela FaTeo, por ocasião do centenário do Credo Social, debateu o tema e os registros estão no livro. RENDERS, Helmut (org). Sal da Terra e Luz do Mundo. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2009.

96

implantação do Estado Novo, indicava uma aproximação do Brasil com países do Pacto de Aço (Alemanha e Itália). Em 1937, com a aprovação de uma Constituição centralizadora e autoritária, Vargas implantará uma ditadura no país e uma forte aproximação com a Igreja Católica, como analisa Kenneth P. Serbin:

As tendências políticas dos anos 30 reforçaram a relação entre a Igreja e o Exército. A fracassada revolta comunista de 1935 causou profunda cisão nas Forças Armadas e acentuou o medo do comunismo na direita e na Igreja. (...). Durante a Segunda Guerra Mundial, a Igreja enviou capelães militares para acompanhar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou ao lado das forças dos Estados Unidos na Itália.97

Embalados pelas comemorações do bicentenário da experiência pessoal de John Wesley, os metodistas brasileiros enfrentarão as tensões missionárias no interior da Igreja. Se, por um lado, um grupo defendia o compromisso social da Igreja como forma de ação missionária, por outro, um grupo assumia claramente que a ação missionária metodista brasileira necessitava de novos rumos e indicava a evangelização pessoal, o avivamento e a santidade como indicativos desses novos rumos. Como afirma Eduardo Mena Barreto Jaime, no EC de outubro de 1938:

Antes de evangelizar os de fora, avivemos os de dentro, mudemos nós mesmos de rumos e de orientação, de métodos e de práxis de idéias e de opiniões, de propósitos de atitudes que não estiverem em harmonia com as finalidades espirituais do metodismo verdadeiro e da Igreja Cristã.98

A postura de Jaime será corroborada com a chegada de Schwab na Secretaria da Junta Geral de Missões, numa preocupação frenética com os números de membros da Igreja, fruto da compreensão do conceito da Escola missiológica denominada de missiologia gerencial, que é assim entendida por Escobar:

97

SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 84.

98 JAIME, Eduardo Mena Barreto. O evangelismo wesleyano. Expositor Cristão, São Paulo, v. 52, n. 37, p. 2, 4

Missiologia Gerencial é uma escola típica do pensamento moderno vindo dos Estados Unidos, a abordagem quantitativa é predominante e a orientação pragmática bem definida.99

As influências desse pensamento pragmático na ação missionária tomam conta do ambiente metodista, uma vez que seu secretário geral de missões é adepto do mesmo. Schwab declarará que a evangelização pessoal e vida de santidade deverão nortear os rumos missionários da Igreja. Assim afirma o secretário geral de missões:

A nossa Igreja nasceu com este profundo desejo na vida dos seus fundadores: evangelizar o indivíduo para que o mesmo aceite a Jesus como seu salvador pessoal, e cresça em santidade, tornando-se digno e útil da sociedade e do meio em que vive, como filho de Deus.100

Analisando ainda as tensões no interior do metodismo brasileiro, vale destacar que, no final da década de 1930, o 3° Concílio Geral, realizado em 1938 em Juiz de Fora, no Instituto Granbery, decide pelo fechamento da Escola Bíblica de Porto Alegre e a Faculdade de Teologia do Granbery. Tal decisão originará a constituição de uma única Faculdade de Teologia em São Paulo. Segundo o bispo César Dacorso Filho, a decisão é bem avaliada com ênfase nas seguintes questões: “preparação ministerial mais variada, mais profunda, enquanto mais econômica, mais fortalecedora da coesão da igreja (...), mais uniformizadora de nossas atividades”.101

Ainda nesse terceiro momento missionário do metodismo no Brasil (1930 - 1982), pretende-se destacar que a tensão missionária levou a um equívoco comum dos protestantes na América Latina, a saber: reduzir a missão como somente ação evangelizadora. Para David Bosch, a “missão inclui a

99

ESCOBAR, Samuel. Missiologia evangélica: olhando para o futuro na virada do século. In: TAYLOR, Willian (Org). Missiologia global para o século XXI. Londrina: Descoberta, 2001, p. 40.

100

SCHWAB, Augusto. Evangelismo. Expositor Cristão, São Paulo, v. 54, n. 42, p. 4, 21 nov. 1939.

101

SOUZA, José Carlos de. Faculdade de Teologia: um passo consistente da Igreja a caminho da autonomia. In: ______ (Org.). Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia. São Bernardo do Campo, Editeo, 2005, p. 29.

evangelização como uma de suas dimensões essenciais”.102 Considerar a

evangelização como essencial na obra missionária não significa considerar a evangelização como sinônimo da missão. Míguez Bonino afirma que:

Simplificando, poderíamos, talvez, dizer que o protestantismo latino-americano teve a tendência de confundir evangelização e missão; ou seja, de reduzir a totalidade da missão de Deus à “tarefa evangelizadora” concebida de modo estreito como o anúncio do chamado “plano de salvação” e o convite à conversão.103

Como se observa na análise de Míguez Bonino, o equívoco sobre a compreensão da missão não é um fenômeno religioso metodista brasileiro. Na verdade, estende-se como realidade no contexto protestante latino-americano. Portanto, é compreensiva a ênfase na conversão pessoal, na santidade e no avivamento. As divergências na compreensão de missão da Igreja se aprofundarão ao longo desse terceiro momento metodista. Renders avalia que tal atitude conduz a igreja a uma polarização:

Este dissenso impossibilita abraçar uma missão como Igreja, ou, pelo menos, como maioria dela. Onde não há esperança de consenso, cresce a tentativa de dominação de um grupo sobre o todo.104

Outras análises no campo social, do qual o religioso não está dissociado, indicam que as polarizações transformam espaços democráticos em espaços autoritários. José Luiz Beired, ao analisar a situação da Nova República com Vargas, escreve sobre os intelectuais autoritários. Em seu livro, “Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil”105, ele dedicou um item com um

título, no mínimo curioso, quando se fala de fenômenos da religião, a saber: “O culto ao golpe de Estado e ao líder carismático”. Em sua análise sobre esse tema na América Latina, o autor compara esse fenômeno no Brasil e na Argentina,

102 BOSCH, Missão transformadora, p. 28. 103

MÍGUEZ BONINO, Rostos do protestantismo latino-americano,p. 126.

104

Ibidem, p. 21.

105 BEIRED, José Luiz. Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina. São

afirmando que a “união dos nacionalistas só seria factível em torno de um ‘caudilho’”106. E fica evidente o imaginário religioso nessa figura, que é descrito da

seguinte forma:

[...] impor uma concepção total de weltanschauung do movimento que ele encabeça com messianismo providencial. Por isso, o caudilho manifesta-se perante sua hoste com um salvador excepcional: é, por definição, o homem forte e desinteressado capaz de matar e morrer pelos ideais que predica [...] os chefes das grandes revoluções sempre foram, ao mesmo tempo que condutores civis, egrégio guerreiros por educação e temperamento. Isto é: militares no sentido duro e heróico do termo.107

Logo, o projeto missionário metodista herdará também em sua organização eclesiástica os ranços do autoritarismo eclesiástico como resultado das disputas pelo poder, espaço e dominação numa Igreja com uma autonomia frágil.

A questão do autoritarismo no campo religioso já foi analisada por diversas matrizes religiosas, em especial quando o mesmo se dá nas disputas pelo poder e vem carregado do elemento emblemático do carisma. João Batista Libânio, ao considerar esta situação no catolicismo romano, assevera:

Adotam, por vezes, posições antiéticas. Eles mantêm valor e significação se conseguem flexibilizar, injetar espírito, mover da estagnação as estruturas da Igreja, sobretudo o centralismo do poder, o personalismo decisório, a rigidez canônica, o clericalismo masculino, o autoritarismo enfatuado. Perdem, porém a força carismática se se deixam absorver totalmente pela instituição. Então cessam de ter um novo movimento para se tornar mais uma instituição envelhecida.108

Tal fenômeno é comum ao metodismo desde a sua origem. Segundo Mendonça & Velasques Filho, Peter Fry denunciou que o movimento metodista

106

Ibidem, p. 159.

107

Ibidem, p. 160.

108 LIBANIO, João Batista. Os carismas na Igreja do terceiro milênio: discernimento, desafios e práxis. São

Inglês, nos tempos de Wesley, foi dirigido com “’mão de ferro’ [...] até sua morte em 1791”.109 Odilon M. Chaves certifica que:

Na verdade, o metodismo brasileiro caminhou muito à sombra da ênfase política e social brasileira. Getúlio Vargas dirigiu o país da década de trinta à década de cinqüenta com uma ditadura. O primeiro bispo brasileiro dirigiu o metodismo com mão de ferro também de 1934 a 1955.110

Ainda nesse período denominado de terceiro momento missionário do metodismo no Brasil, sublinha-se que a pregação ficou centrada, não de forma exclusiva, mas de forma mais acentuada, no conceito da evangelização. Como

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