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Responsabilidade social, pregação e educação: Tensões missilógicas no projeto missionário da Igreja Metodista em terras brasileiras

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Academic year: 2017

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

RESPONSABILIDADE SOCIAL, PREGAÇÃO E EDUCAÇÃO:

TENSÕES MISSIOLÓGICAS NO PROJETO MISSIONÁRIO DA

IGREJA METODISTA EM TERRAS BRASILEIRAS

NICANOR LOPES

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RESPONSABILIDADE SOCIAL, PREGAÇÃO E

EDUCAÇÃO: TENSÕES MISSIOLÓGICAS NO

PROJETO MISSIONÁRIO DA IGREJA METODISTA EM

TERRAS BRASILEIRAS

Tese apresentada em cumprimento parcial das exigências para obtenção de grau de doutor em Ciências da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião –

Área: Práxis Religiosa e Sociedade. Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo.

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva (Orientador) Universidade Metodista de São Paulo – UMESP

Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera Universidade Metodista de São Paulo – UMESP

Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg Universidade Metodista de São Paulo – UMESP

Prof. Dr. Benedito Ferraro Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC/CAMPINAS

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Para Lúcia Helena, Nica Jr. e Lucas, porque vocês sempre foram companheiros em missão!

(5)

Nós cremos na Igreja Universal porque ela é um sinal do Reino de Deus, cuja fidelidade é revelada de muitas maneiras, onde as várias cores pintam uma só paisagem, onde as várias línguas entoam um só louvor.

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Glória ao Pai, ao Filho e ao Espirito Santo, assim como era no principio, agora e sempre.

Amen.

Esta pesquisa foi possível somente pela generosidade da Igreja Metodista por meio da Faculdade de Teologia. Sou grato aos meus amigos de missão, que não somente me incentivaram, mas também caminharam comigo.

Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva: que desde os meus primeiros passos no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo foi um orientador firme e compassivo;

Prof. Clovis Pinto de Castro, Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg e Prof. Paulo Roberto Garcia: diretores da FATEO, pelo crédito e parceria nas ações acadêmicas;

A toda “gente boa” da FATEO: pela amizade, companheirismo e apoio;

Elizangela A. Soares e Luciano José de Lima: pela dedicação e sugestões criativas na revisão final do texto;

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Ciências da Religião) — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

RESUMO

Esta pesquisa, Responsabilidade Social, Pregação e Educação: tensões missiológicas no projeto missionário da Igreja Metodista em terras brasileiras, tem como objetivo analisar as ações missionárias da Igreja Metodista do período de sua implantação até o final do período referente ao 18° Concílio Geral (2006-2011). A análise resgatou a tríade Responsabilidade Social, Pregação e Educação como uma marca identitária do movimento wesleyano e que esse princípio missionário nem sempre foi seguido pelo metodismo brasileiro. Notou-se também que a tríade serviu, em momentos decisivos, como elemento norteador do projeto missionário. Isso é percebido no período da implantação, bem como na constituição do Plano para Vida e Missão (PVM). Em que pese que as ações missionárias no metodismo brasileiro nem sempre foram providas de uma reflexão teológica sistemática, a tríade Responsabilidade Social, Pregação e Educação sempre funcionou como eixos essenciais da missão e de forma indissociável. Não foram poucos os momentos em que o projeto missionário metodista enfrentou tensões na sua execução. O ímpeto pelo crescimento numérico e expansão geográfica, muitas vezes, ofuscou a fidelidade à tríade. Nessa trajetória de pesquisa está construída em quatro capítulos, nos quais se busca a superação de uma compreensão histórica equivocada e faz-se necessário que o projeto missionário assuma os elementos essenciais da tríade como marco regulatório da missão metodista. As repetitivas opções equivocadas não colaboram com a nova compreensão de missão. O resultado da pesquisa encoraja futuras análises para que o metodismo assuma o papel de agente de Deus na missio Dei e para que o seu envolvimento missionário mantenha fidelidade à tríade Responsabilidade Social, Pregação e Educação.

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Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

ABSTRACT

The aim of the present research, Social Responsibility, Preaching and Education: missiological tensions in the Missionary Project of the Methodist Church on Brazilian soil, is to examine the missionary action of the Methodist Church, since its implementation up to the period referring to the 18th General Conference (2006 2011). The study rescued that the triad of Social Responsibility, Preaching and Education represents a distinct identity of the Wesleyan Movement, and that such a missionary principle has not been closely followed by the Brazilian Methodism. It is noteworthy that the triad was especially significant in the missionary project, which is particularly noticeable during its implementation, as well as in the constitution of the so-called Plano para Vida e Missão (PVM). Once assumed that the missionary action in the Brazilian Methodism has not fully been characterized by systematic theological reflections, the triad of Social Responsibility, Preaching and Education has always played a prominent role in the mission. In many instances, a considerable strain was put on the Methodist missionary project. The intense focus on the number of followers and geographic expansion did not contribute to maintain great fidelity to the triad and its ideals. Along the way research is built in four chapters, in which one seeks refine a historical understanding of the process unfolded in this study, it is crucial that the essential regulatory framework of the triad as the Methodist mission. The research highlights the importance of further studies so that Methodism can take on a fundamental role in the Missio Dei, enlightened by the triad of Social Responsibility, Preaching and Education.

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SUMÁRIO

RESUMO --- 7 ABSTRACT --- 8 INTRODUÇÃO --- 13 CAPÍTULO 1: O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL E ECONÔMICO QUE DÁ ORIGEM À IGREJA METODISTA NO TERRITÓRIO BRASILEIRO --- 23

1 Introdução do capítulo: a tríade missionária metodista — Responsabilidade Social, Pregação e Educação --- 23

1.1 O processo de implantação do metodismo brasileiro e a tríade missionária --- 25

2 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — na formação do metodismo -- 34

2.1 A Responsabilidade Social como fruto do amor na formação do metodismo --- 38 2.2 A pregação como elemento constitutivo da identidade na formação do metodismo --- 42 2.2.1 As mulheres pregadoras na formação do metodismo — uma inovação marcante --- 44 2.3 A educação como elemento de inclusão social e crescimento espiritual na formação do metodismo 46

3 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — como paradigma missionário na

formação do metodismo brasileiro --- 49

3.1 Paradigmas missionários do protestantismo de missão na implantação do metodismo brasileiro e suas mutações --- 52 3.2 A Responsabilidade Social como elemento de inclusão social na implantação do metodismo brasileiro --- 57 3.3 A pregação como elemento de construção de uma identidade religiosa na implantação do metodismo brasileiro --- 61 3.4 A educação como elemento de transformação social na implantação do metodismo brasileiro --- 64

CAPÍTULO 2: AS INFLUÊNCIAS DA TRÍADE RESPONSABILIADE SOCIAL, PREGAÇÃO E EDUCAÇÃO NO PROJETO MISSIONÁRIO METODISTA BRASILEIRO --- 70

1 Introdução do capítulo: as influências da tríade missionária metodista — Responsabilidade Social, Pregação e Educação --- 70

(10)

2 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — no primeiro momento

missionário do metodismo no Brasil (1835-1841) --- 75

3 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — no segundo momento missionário do metodismo no Brasil (1867-1930) --- 84

4 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — no terceiro momento missionário do metodismo no Brasil (1930-1982) --- 100

5 A tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — a partir do “Vida e Missão”: o quarto momento missionário do metodismo no Brasil (1982-2010) --- 122

CAPÍTULO 3: MAPEAMENTO DAS AÇÕES MISSIONÁRIAS DA IGREJA METODISTA --- 136

1 Introdução do capítulo: mapeamento das ações missionárias no campo da tríade Responsabilidade Social, Pregação e Educação — no metodismo brasileiro --- 136

2 Mapeamento das ações missionárias da Igreja Metodista: da implantação à autonomia --- 138

3 Mapeamento das ações missionárias da Igreja Metodista: da autonomia ao Plano para a Vida e Missão (1930-1982) --- 156

4 Do Plano para a Vida e Missão aos dias atuais (2010) --- 164

CAPÍTULO 4: RESPONSABILIDADE SOCIAL, PREGAÇÃO E EDUCAÇÃO COMO PARADIGMA MISSIONÁRIO DO METODISMO BRASILEIRO --- 188

1 Introdução do capítulo: a tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — como paradigma missionário do metodismo brasileiro --- 187

2 As mudanças de paradigmas na teologia de missão --- 191

2.1 A missio Dei no Antigo Testamento --- 192

2.2 A missio Dei no Novo Testamento --- 193

2.3 A missio Dei em Paulo --- 195

2.4 A missio Dei como teologia de missão no contexto metodista brasileiro --- 196

3 O paradigma missionário na teologia de missão do metodismo latino-americano --- 199

3.1 Contribuições de José Míguez Bonino --- 200

3.2 Contribuições de Mortimer Arias --- 204

4. O paradigma missionário presente no Plano para Vida e Missão e no Programa Dons e Ministérios do metodismo brasileiro: o Rito de Passagem da Igreja transplantada para Igreja encarnada --- 208

4.1 Contribuição à luz da Responsabilidade Social --- 218

4.2 Contribuição à luz da Pregação (produção literária) --- 221

4.3 Contribuição à luz da Educação (historiografia das IMES) --- 223

5 Da compreensão da missão como empreendimento meramente expansionista e articulação eclesiástica autoritária à tríade missionária — Responsabilidade Social, Pregação e Educação: um convite à superação --- 227

5.1 Inculturação como espaço vivencial da missão: um convite ao respeito e à convivência --- 229

5.2 Inculturação: um convite à ecumenicidade --- 231

CONSIDERAÇÕES FINAIS --- 235

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --- 241

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 — Primeira página do livro de matriculas aberto por Martha Hite Watts, em 1881. _______ 67

Figura 2 — Quadro comparativo da década de 1930 ____________________________________ 112

Figura 3 — Quadro comparativo da década de 1950 ____________________________________ 113

Figura 4 — Capa do PVM _________________________________________________________ 215

Figura 5 — A missão é dialogada do lado de fora do templo ______________________________ 216

Figura 6 A fé conjugada com a discussão política ____________________________________ 217

Mapa 1 As três primeiras missões metodistas no Brasil ________________________________ 147

Mapa 2 — O metodismo no Brasil após fusão das conferências ___________________________ 151

Mapa 3 — Presença metodista no Brasil em 2010 ______________________________________ 184

Tabela 1 — O Brasil e a Igreja no início da década de 1980 ______________________________ 126

Tabela 2 — Aspectos socioculturais e eclesiais das décadas de 1980 e 1990 ________________ 131

Tabela 3 — Igrejas Evangélicas de Missão no Brasil em 2002 _____________________________ 137

Tabela 4 — Mapeamento da primeira missão metodista no Brasil (1835-1841) ________________ 140

Tabela 5 —Mapeamento da missão metodista no “Circuito Santa Bárbara” (1867-1876) ________ 141

Tabela 6 —Mapeamento da missão metodista “Ransom” no Brasil (1876-1881) ______________ 142

Tabela 7 —Mapeamento da missão metodista “Ransom” no Brasil (1876-1883) ______________ 142

Tabela 8 — Mapeamento da missão metodista no Brasil: Primeira Conferência Anual Brasileira (1886) ______________________________________________________________________________ 143

Tabela 9 — Mapeamento da missão metodista no Brasil (1886- 1900) ______________________ 147

Tabela 10 — Mapeamento da missão metodista no Brasil (1900- 1910) _____________________ 152

Tabela 11 — Mapeamento da missão metodista no Brasil (1918) __________________________ 153

Tabela 12 — Mapeamento da missão metodista no Brasil (1910-1920) ______________________ 153

Tabela 13 — Mapeamento da missão metodista no Brasil (1930) __________________________ 154

Tabela 14 – Mapeamento das ações missionárias do Projeto Uma Semana pra Jesus (1996-2011)175

Tabela 15 — Mapeamento das concepções sobre o discipulado ___________________________ 179

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ABREVIATURAS

CEB Confederação Evangélica do Brasil

CESE Coordenadoria de Estudos e Serviços Ecumênicos

CG Concílio Geral

CIEMAL Conselho de Igrejas Evangélicas Metodista da

América Latina

CLADE Congresso Latino Americano de Evangelização

CLAI Conselho Latino Americano de Igrejas

COGEIME Conselho Geral das Instituições Metodistas de

Ensino

EC Expositor Cristão

ENAVI Encontro Nacional de Avivamento e Santificação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica

ICP Instituto Central do Povo

IM Igreja Metodista

IMES Instituições Metodistas de Educação Superior

MINAS Ministério Nacional de Avivamento e Santificação

PVM Plano para Vida e Missão

ULAJE União Latino-Americana da Juventude Ecumênica

UMESP Universidade Metodista de São Paulo

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INTRODUÇÃO

A discussão sobre o tema da missão sempre esteve presente na pauta da Igreja Cristã. Trata-se de uma questão vital no espaço religioso. A investigação temática desperta diversos enfoques, pois se, por um lado, a discussão missionária possui um enfoque predominantemente apologético em defesa de uma determinada denominação, por outro, o enfoque mais abrangente da missão, como a missio Dei, nem sempre é investigado como sentido maior da missão.

As leituras históricas da missão, na maioria das vezes feitas por historiadores da Igreja, por exemplo, Justo L. González e Carlos Cardoza Orlandi, descrevem a história do movimento missionário como se este acontecesse de forma linear e, com esse pensamento, induzem a uma missiologia que reforça a ideia de missão como mero expansionismo. Essa falsa compreensão desenvolve a ideia de uma espécie de evolução missionária que equivocadamente reforça o conceito de conquista e progresso da fé. Tal análise missiológica também se organiza com processos de sequência numa perspectiva analítica, indo do simples ao complexo, e a forma de aferir os resultados da missão tem como base o expansionismo geográfico.

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Idade Antiga, seguido da Idade Média, Idade Moderna e no mundo contemporâneo. Superar este conceito missiológico linear não é uma tarefa fácil. Trata-se de uma ideia muito mais complexa do que se pode imaginar. A discussão missiológica na qual as questões do poder procuram homogeneizar conceitos provoca os descaminhos da missão. Michel Foucault contribui para elucidação de leituras históricas, Michel Said ao analisar Foucault e a imaginação do poder

afirma:

O ponto de partida de uma busca histórica para compreender como os discursos adquirem não somente seu status social e epistemológico, mas também sua densidade específica como obra terminada, como convenção da disciplina, como ortodoxia datada.1 Assim, essa pesquisa aborda o tema da tensão missiológica no projeto missionário da Igreja Metodista em terras brasileiras, especialmente nos elementos essenciais da concepção wesleyana, a saber: Responsabilidade Social, Pregação

e Educação.

A motivação para esta pesquisa surgiu da necessidade de se investigar o quanto é importante o tema da missão, em especial, em tempos de profundas mudanças no campo religioso. O desenvolvimento de uma tese se dá pela vivência acadêmica e também no cotidiano do labor ministerial.

Da perspectiva ministerial, o autor vivenciou situações diversas no campo da missão. Em 1982, foi nomeado pela Igreja Metodista para o Campo Missionário de Rondonópolis/MT. A vivência de 1982 a 1990 permitiu não somente a observação, mas também a intervenção em vários aspectos da fronteira missionária. É importante destacar que a expressão fronteira missionária não é aqui utilizada como sinônimo de fronteira geográfica; também o é, mas não exclusivamente. Por exemplo, a tensão na fronteira missionária quanto aos aspectos culturais no estado do Mato Grosso na década de 1980 era muito maior que a fronteira geográfica. Em outras palavras, viajar para o estado do Mato Grosso era muito mais fácil do que enfrentar as tensões entre os imigrantes do sul do país na conquista de novas fronteiras agrícolas em confronto com os povos indígenas da região

1

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matrogrossense e os pequenos agricultores que viviam como posseiros de terras públicas.

E isso não foi diferente quando o pesquisador, também por nomeação da Igreja Metodista, participou de um intercâmbio missionário na Alemanha. Durante cinco anos (1993-1998) o autor vivenciou a dimensão ministerial na cidade de Nürnberg. Em que se pesem as devidas proporções das dificuldades nesta fronteira cultural, as experiências foram múltiplas e enriquecedoras.

A dimensão da vida acadêmica se deu ao longo do tempo, tendo o seu início em Rondonópolis, na rede pública, em especial na formação de educadores para o ensino religioso, seguido de um curto período em Ribeirão Preto, no Seminário Batista do Nordeste Paulista. Finalmente, desde 2001 este pesquisador integra o corpo docente da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.

A motivação maior para esta pesquisa se encontra na necessidade de oferecer uma reflexão missiológica que dê conta das tensões próprias desse campo e, ao mesmo tempo, aponte caminhos que colaborem com a fidelidade ao conceito da missio Dei (missão de Deus). Conjugando vida acadêmica e vida ministerial, em 2003 o autor apresentou dissertação de mestrado com o título “Responsabilidade social e terceiro setor: uma análise crítica da Associação Beneficente Campineira da Igreja Metodista à luz da Teologia Prática”.

A primeira razão para a eleição do tema “Responsabilidade Social, Pregação e Educação: tensões missiológicas no projeto missionário da Igreja Metodista em terras brasileiras” centra-se no fato de que, muitas vezes, por falta de fundamentação teórica e histórica consistentes, produz-se ações missionárias geradoras de equívocos na caminhada da Igreja.

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1997, 2001, 2006 e 2011), é norteador das reflexões contemporâneas sobre o tema da missão no metodismo brasileiro. Como se pode notar, é importante destacar a relevância e novidade da perspectiva aqui denominada tríade missionária, que contempla as dimensões da Responsabilidade Social, Pregação e Educação como eixos indissociáveis para o cumprimento da missão.

Na revisão bibliográfica apresenta-se um conjunto de obras relacionadas à missão e evangelização e ao metodismo na área da eclesiologia. Os temas centrais do estudo — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — foram exaustivamente pesquisados. Portanto, a revisão bibliográfica procura atender os seus referenciais teóricos e metodológicos.

Esta pesquisa tem por referencial teórico a trajetória das reflexões teológicas a partir do conceito da missio Dei. De acordo com David Bosch:

Durante o último meio século, aproximadamente, houve uma sutil, porém decisiva mudança no sentido de se entender a missão como missão de Deus. Nos séculos precedentes, a missão foi compreendida de várias maneiras. Às vezes, ela foi interpretada primordialmente em termos soteriológicos: como salvar indivíduos da condenação eterna. Ora foi entendida em termos culturais: como apresentar pessoas do Oriente e do Sul às bênçãos e privilégios do Ocidente cristão. Frequentemente, ela foi vista em categorias eclesiásticas: como expansão da igreja (ou de uma denominação específica). De quando em quando, foi definida em termos de história da salvação: como um processo através da qual o mundo – pela evolução ou por um evento cataclísmico – seria transformado no reino de Deus. Em todos esses casos e de maneiras diversas, muitas vezes conflitantes, a interrelação intrínseca entre cristologia e doutrina da Trindade, tão importante para a igreja primitiva, foi gradualmente substituída por uma das diferentes versões da doutrina da graça.2

Como referencial teórico, a pesquisa partiu de estudos realizados no âmbito da Teologia da Missão por autores como David Bosch, Paulo Suess, José Comblin e Wesley Ariarajah. Esses estudiosos aprofundaram a teoria da missio Dei. Seus textos retratam a necessidade de uma nova leitura sobre o tema da missão e apontam que o caminho da mesma, a partir de Karl Barth, é uma reflexão que tem

2 BOSCH, David. Missão transformadora: mudança de paradigma na teologia da missão.São Leopoldo: Sinodal,

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por premissa a teologia trinitária e de conteúdo de envio. Como afirmam Patricia Lloyd-Sidle e Bonnie Sue Lewis:

O conceito de missio Dei foi expresso pela primeira vez por Karl Barth na Conferência do Conselho Missionário Internacional em Willingen, em 1952. Fundamentado na teologia trinitária e na natureza de Deus, apontou para uma compreensão de "Deus, o Pai que envia o Filho, e Deus o Pai e o Filho que enviam o Espírito [e] que foi expandida para incluir ainda outro movimento: Pai, Filho e Espírito Santo que enviam a igreja para o mundo"3 (tradução nossa).

No caso da leitura histórica do protestantismo latino-americano autores como Arturo Piedra, Hans-Jürgen Prien e Julio de Sant’Ana foram indispensáveis. Na especificidade do metodismo, os principais estudiosos consultados foram José Gonçalves Salvador, James L. Kennedy, Antonio Gouvêa Mendonça, Duncan Alexander Reily, Prócoro Velasques Filho, Richard Heitzenrater, Theodore Runyon, Rui de Souza Josgrilberg, Claudio de Oliveira Ribeiro, José Carlos de Souza e Helmut Renders.

Portanto, o método aplicado a este trabalho é “o estudo comparativo das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos”.4 A investigação pretende verificar semelhanças e explicar as divergências no movimento missionário metodista. Este método é utilizado tanto para comparações de grupos do passado como entre os existentes e os do passado. Segundo Eva Maria Lakatos e Marina Andrade Marconi, o método comparativo se assemelha ao método tipológico de Weber: ao comparar fenômenos sociais complexos, o pesquisador cria tipos e/ou modelos ideais, construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno.5

3

LLOYD-SIDLE, Patricia; LEWIS, Bonnie Sue. Teaching Mission in a Global Context. Louisville: Geneva Press, 2001, p. 125. Texto original: “The concept of the missio Dei was first expressed by Karl Barth at the Willingen Conference of the International Missionary Council in 1952. Grounded in Trinitarian theology and God's very nature, it pointed to an understanding of “God the Father sending the Son, and God The Father and the Son sending the Spirit [and] was expanded to include yet another movement: Father, Son and Holy Spirit sending the church into the world”.

4

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 107.

5 LAKATOS; MARCONI apud OLIVEIRA, Silvio Luiz. Metodologia científica aplicada ao Direito. São Paulo:

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Esse método tem sua aplicabilidade principalmente nas ciências sociais. A utilização se deve à possibilidade que o estudo oferece de trabalhar com grupamentos humanos em universos populacionais diferentes e até distanciados pelo espaço geográfico.6 Segundo Rovigati Danilo Alyrio, o método comparativo se realiza pela análise de sujeitos, fenômenos ou fatos, com o propósito de destacar as diferenças e semelhanças entre eles.7

Ainda quanto ao método, é imprescindível destacar o pensamento de Franz Rosenzweig. Segundo Klaus Berg, a filosofia de Franz Rosenzweig é uma crítica à totalidade: “o ser humano não pode ser diluído em nenhum sistema pelo fato de ser sujeito”.8 Isso significa que o novo pensamento9 pretende focar a experiência do tempo como dimensão constitutiva do existir. O tempo e a experiência da temporalidade são elementos inseparáveis da vida humana, pois pertencem ao núcleo de nossa experiência vital.

A temática em questão faz parte da caminhada acadêmica do autor, que busca nesta pesquisa dar a ela um enfoque bíblico-teológico-histórico-pastoral e procura contribuir na reflexão missiológica metodista, em especial, na cadeira de missão e evangelização que o autor ocupa na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo.

Nesse caso, o que se pode afirmar como inédito na pesquisa é a dimensão da tríade missionária. Essa tríade contempla o núcleo gerador de ações missionárias e, por isso, a partir dela se construiu a seguinte hipótese: a ausência e/ou a dissociabilidade da tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — foram fatores predominantes nas tensões do projeto missionário do metodismo brasileiro e na configuração identitária do mesmo.

Assim sendo, a pesquisa suscitou alguns questionamentos para reflexão: quais os elementos missionários que o metodismo brasileiro ainda conserva de sua

6

FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 37.

7 ALYRIO, Rovigati Danilo. Metodologia científica. Programa de Pós-Graduação em Gestão e Estratégia em

Negócios [PPGEN]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2008, p. 4.

8

BERG, Klaus. Hermenêutica do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1999, p. 232.

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origem wesleyana? Mantém o metodismo brasileiro o paradigma do mundo como paróquia missionária? O ambiente religioso plural, como no movimento de avivamento inglês do século XVIII, foi decisivo na tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação? E uma organização eclesiástica fruto de um projeto missionário carregado de outras ideologias e interesses tem condições de garantir a tríade em questão? Como os movimentos missionários, enquanto projetos minoritários de contracultura (por exemplo, o metodismo inglês nascente), e os projetos majoritários com caráter civilizatório (por exemplo, o norte-americano) se comportaram quanto à fidelidade bíblico-teológico-histórico-pastoral?

Para responder às questões evidenciadas, a pesquisa procura elucidar os eixos norteadores desenvolvendo a tese em quatro capítulos. No primeiro capítulo analisamos o contexto sócio-politico-cultural e econômico que dá origem à Igreja Metodista no território brasileiro. Trata-se de uma análise histórica, porém não meramente descritiva. O que se procurou contemplar foi um exame que garantisse a interpretação da relação da tríade missionária proposta. Tal análise permitiu a compreensão da Responsabilidade Social como elemento de inclusão social, conjugando a Pregação como elemento formador da identidade religiosa de cunho protestante que, por sua vez, tem na Educação a condição de transformação social na implantação do metodismo brasileiro.

O segundo capítulo se trata de uma abordagem das influências da tríade em momentos considerados decisivos para o metodismo brasileiro, bem como as consequências quando da ausência da tríade como, por exemplo, no primeiro período missionário (1835-1841). Esse primeiro momento foi considerado um movimento espontâneo e evidencia uma ação missionária com pouca conexão da tríade, pois as ações missionárias se concentraram de forma preferencial na pregação. Não se pode negar uma pequena presença de Responsabilidade Social

junto aos marinheiros com o atendimento da capelania portuária e quanto à educação na abertura de Escolas Dominicais sem o oferecimento da educação secular.

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missionárias do metodismo brasileiro. A síntese do período pode ser observada nas ações que constituem da abertura de pontos de pregação, capelas e construção de templos que obedeciam ao seguinte formato: Responsabilidade Social com ações concretas em favor especialmente de crianças empobrecidas que eram atendidas nas Escolas Paroquiais. Não de menor valor fica evidente o comprometimento com a transformação da sociedade monárquica para uma sociedade republicana por meio da educação secular. Eis aí uma das fortes razões do compromisso com a Educação.

As parcerias do projeto missionário metodista com os republicanos na busca de novas mentalidades e organização da sociedade brasileira são analisadas a partir do projeto educacional que tem sua gênese no Brasil na cidade de Piracicaba/SP, com a chegada da missionária leiga Martha Watts. Esse projeto contou com o apoio da família de Prudente de Moraes, que representava um seguimento de articulação do movimento republicano no Brasil.

Com efeito, a Pregação com caráter conversionista ganha sentido e dá sustentação ao projeto missionário metodista, a ponto de culminar com a autonomia da Igreja.

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teológica de contexto latino-americano e retoma a dimensão da tríade. O PVM focará a missão como missio Dei e reafirmará a responsabilidade social da Igreja enquanto agência missionária. Esse documento também estabelecerá novas

Diretrizes para a Educação Metodista.

No terceiro capítulo procura-se construir o mapeamento das ações missionárias da Igreja Metodista. A partir da premissa do método aplicado a este trabalho, a pesquisa analisou o metodismo brasileiro em três momentos, a saber: mapeamento da implantação até a autonomia, da autonomia ao PVM e do PVM aos dias atuais. À vista desses momentos, a pesquisa procurou comparar a fidelidade da tríade tanto no período de implantação como no desenvolvimento da missão. É importante destacar que as fontes originárias do metodismo brasileiro são distintas, a saber, o projeto oficial se dá no sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), por meio do metodismo estadunidense do sul. Outro projeto, desenvolvido de forma autônoma, de origem no metodismo estadunidense do norte e conhecido como missão de autossustento, dá-se no norte e nordeste brasileiro. Esse projeto não teve continuidade. Um dos indicativos para o fechamento dessa missão pode ser a fragilidade da tríade. A implantação da missão no norte e nordeste brasileiro não tinha como premissa as dimensões da Responsabilidade Social, Pregação e Educação; o trabalho nesta região ficou centrado na pregação.

Outra inserção do metodismo se dá no sul do país, como fruto do trabalho missionário da Igreja Metodista Episcopal do Uruguai. A consolidação do trabalho no sul também pode ser atribuída à forte evidência ao compromisso com a tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação e essa aproximação referente aos elementos essenciais da missão permite uma fusão do trabalho metodista do sudeste e sul como trabalho único.

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Contudo, a teologia da missão metodista brasileira fundamenta-se em análises das mutações que os paradigmas na teologia de missão enfrentaram ao longo da história dos movimentos missionários. As leituras contemplaram perspectivas bíblico-teológico-históricas e pastoral. As contribuições de metodistas latinos que discutiram com intensidade o tema da missão, tais como José Míguez Bonino e Mortimer Árias, foram essenciais na elucidação e fundamentação da tese. Para o exercício de contextualização da realidade brasileira uma releitura do PVM foi indispensável.

À vista disso, constata-se que o PVM não somente resgata os valores da tríade missionária do metodismo— Responsabilidade Social, Pregação e Educação

mas também funciona como um rito de passagem de uma igreja transplantada para uma igreja encarnada na realidade brasileira.

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CAPÍTULO 1

O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL E

ECONÔMICO QUE DÁ ORIGEM À IGREJA

METODISTA NO TERRITÓRIO BRASILEIRO

1 Introdução do capítulo: a tríade missionária metodista

Responsabilidade Social, Pregação e Educação

As possibilidades de leituras sobre os movimentos missionários no espaço latino-americano, a partir dos meados do século XIX, não são poucas e a inserção do metodismo brasileiro não difere de outros projetos. Neste contexto, algumas leituras podem ser consideradas como: projeto civilizatório1; dominação do espaço territorial2; exploração econômica3e até missionária.

1

Cf.RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Neste livro o autor desenvolve a teoria global sobre as etapas da evolução do processo civilizatório. Ainda, do mesmo autor, veja América Latina, a pátria grande. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Darcy Ribeiro desenvolve neste livro a reflexão sobre a identidade latino-americana sob os aspectos histórico-culturais, políticos e sociais.

2

Cf.BETHELL, Leslie (Org.). América Latina Colonial. Vol. 2. São Paulo: Editora Fundação Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. O texto investiga as relações de dominação na América Latina, entre outros fatores, a questão da dominação geográfica. Com a independência dos países de dominação espanhola, em especial no século XIX, as contribuições culturais diferentes foram fundidas, muitas vezes, por missionários religiosos.

3

(24)

Na América Latina também já foram exploradas, pelo viés do processo colonizador, as tendências teológicas de cunho fundamentalista e liberal4. Essas tendências (ecumênica e evangelical) estiveram evidentes no período da guerra fria, no desenvolvimento do denominacionalismo, etc. Entre outras questões, todas essas leituras buscaram nas pesquisas “razões que justificaram e promoveram a expansão protestante”.5

Como construir conhecimentos que possam superar as generalizações do senso comum e das descontinuidades históricas? Esta pergunta oferece possibilidades de investigação para apresentar os caminhos e descaminhos da missiologia metodista brasileira. A motivação para esta pesquisa se dá em torno do debate das ações de expansão missionária no metodismo brasileiro, cujos resultados foram traduzidos como eixo norteador, a saber, a tríade

Responsabilidade Social, Pregação e Educação: tensões missiológicas no projeto missionário da Igreja Metodista em terras brasileiras.

A pesquisa procura definir como tríade os conceitos essenciais da herança wesleyana na unidade dinâmica da responsabilidade social, pregação e educação, como elementos genuínos e fundamentais da teologia de missão metodista. Tríade, neste caso, não significa apenas “conjunto de três coisas ou trilogia”.6 Seu significado na pesquisa teológica é mais abrangente, pois não se trata, simplesmente, da composição de três elementos. São partes essenciais que formam uma unidade, como é o caso da doutrina da trindade.

A importância do tema se dá exatamente pela contínua discussão a respeito da expansão missionária da Igreja, a saber, a tríade proposta sempre desempenhou um papel considerável na identidade do metodismo mundial e

4Para aprofundar esses conceitos (fundamentalismo e liberal) ver DREHER, Martin. Fundamentalismo. São

Leopoldo: Sinodal, 2006. Este livro trata do fundamentalismo religioso. O autor julga importante aprofundar por todo o desenvolvimento do cristianismo desde o século XVII para esclarecer o que, mais recentemente, se começou a chamar de fundamentalismo.

5 Cf. PIEDRA, Arturo. Evangelização protestante na América Latina. São Leopoldo: Sinodal, 2008. O livro de

Piedra discute o enfrentamento ocorrido no mundo político, econômico e religioso no continente americano. As tensões entre o norte e o sul, pelas questões religiosas. O norte representado pelos EUA de religião protestante e América Latina católica são analisados no texto numa abordagem da obra missionária promovida pelos EUA na América Latina.

(25)

constitui um foco nos debates teológicos contemporâneos sobre o crescimento da Igreja.

Para a tradição wesleyana, responsabilidade social, pregação e educação são ações essenciais no desenvolvimento do projeto missionário e elementos indissociáveis. Entende-se, portanto, que missiologia é toda a complexidade de relações na tarefa missionária. Como afirma João Panazollo:

A missiologia é a ciência teológica que estuda a realidade missionária no seu conjunto e nos seus diversos elementos. Em outras palavras, é a disciplina teológica que se ocupa das missões sob a luz dos princípios da revelação divina, da doutrina teológica, conjugando-se com os tratados mais importantes: a Trindade, a Cristologia, a Eclesiologia... Conta com conhecimentos humanos e antropológicos e de outros aspectos relacionados, pesquisados, cientificamente elaborados, sistematizados e, metodologicamente, apresentados. É decisivo para a missiologia manter a parceria com outras disciplinas.7

Afirmar que há conflitos na missiologia metodista não significa desqualificá-la no seu projeto missionário. Pelo contrário, “deveria tornar-se logo claro que em nenhuma época dos dois últimos milênios houve uma única teologia de missão”.8 Portanto, as leituras missiológicas da América Latina são resultantes de um processo de miscigenação étnico-cultural e se caracterizam pela diversidade e pluralidade. Nessa diversidade, as relações e as construções que se desencadearam na história do metodismo em terras brasileiras, no campo da expansão missionária, apresentam-se como objeto próprio de investigação. Assim, a tríade Responsabilidade Social, Pregação e Educação não necessariamente será apresentada nesta ordem. Como se tratam de elementos indissociáveis, a ordem não possui valor determinante na pesquisa.

1.1 O processo de implantação do metodismo brasileiro e a tríade

missionária

7

PANAZZOLO, João. Missão para todos: introdução à missiologia. São Paulo: Paulus, 2006, p. 17-18.

8

(26)

A gênese histórica do metodismo brasileiro, nesta pesquisa, contemplará não somente o ímpeto missionário do metodismo estadunidense no final do século XIX, ou mesmo a ideologia norte americana do Destino Manifesto9, Doutrina Monroe10 e Pan-americanismo11. Buscar-se-á analisar as questões que envolveram a contextualização desse projeto missionário e seus desdobramentos, com especial atenção às influências missiológicas que caracterizaram a expansão missionária estadunidense em direção ao continente latino-americano, em específico o movimento de expansão metodista no Brasil. Não menosprezando essas leituras históricas, porém na busca de novos elementos interpretativos, buscar-se-á investigar o que será denominado, a partir de agora, de tríade metodista:

Responsabilidade Social, Pregação e Educação. “O movimento metodista, ao longo dos anos, teve como expressões de fé e serviço três ações: Evangelização (anúncio e material impresso), Ação Social e Educação (cristã e secular)”.12

Outras chaves de compreensão missiológica acompanharam o movimento missionário metodista no período do reavivamento e expansionismo norte-americanos no século XIX, na chamada “era metodista”13, mas que não serão analisadas neste trabalho. O movimento missionário metodista pelo continente norte-americano retomou a tríade wesleyana do metodismo: o Arminianismo14, tese contrária ao calvinismo; o Puritanismo15, movimento de reação à Reforma

9 “Destino Manifesto” era a ideologia que entendia que os protestantes norte-americanos se sentiam

comissionados a levar a todo o mundo a religião e a cultura protestantes, isto é, anglo-saxãs – ou a doutrina da “Igreja Espiritual”, que advogava completa separação entre Igreja e cultura. Cf. MENDONÇA, Antonio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990, p. 163.

10

A “Doutrina Monroe” foi formulada em 1823 pelo presidente norte-americano James Monroe. Sua tese principal é “América para os americanos”. Essa doutrina foi assumida completamente no final do século XIX. Cf. SANTOS, Marcelo. O poder norte americano e a América Latina no pós-guerra fria. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007, p. 22.

11

PIEDRA, Evangelização protestante na América Latina.

12 SILVA, Geoval Jacinto da. A relevância do pensamento de John Wesley para a Teologia Pastoral. Revista

Caminhando, São Bernardo do Campo, v. 9, n. 18, p. 121-136, jan./jun. 2005.

13

REILY, Duncan A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1984, p. 7.

14 SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário enciclopédico de teologia. Cano

as: ULBRA, 2002, p. 64: “Arminianismo. As doutrinas de Armínio. Divergiu da doutrina da predestinação absoluta. Segundo ele, desde toda a eternidade Deus predestinou à vida eterna aqueles que, de acordo com a presciência divina, haveriam de permanecer firmes na fé até o fim; Cristo morreu por todos, não só pelos predestinados à vida; o livre-arbítrio humano coopera na conversão; o homem pode resistir à graça e dela pode cair. Essas doutrinas foram condenadas pelo Sínodo de Dort (1518-19)”.

15

(27)

Anglicana no período da Rainha Elisabeth I; e o Pietismo16, que, por sua complexidade, não é possível sintetizar numa frase. Porém, a seu respeito se destaca, nesta pesquisa, a afirmação de Antonio Gouvêa Mendonça:

Discuti como o pietismo moraviano inseriu-se no protestantismo missionário e lhe deu um colorido especial. Pretendo mostrar agora que esse mesmo pietismo chegou ao Brasil como ponta de linha da ebulição religiosa dos avivamentos dos séculos XVIII e, principalmente, XIX.17

É importante observar que a tríade da gênese do metodismo inglês não será muito diferente da tríade metodista estadunidense. E a gênese do metodismo brasileiro será alimentada, agora, por uma tríade norte-americana que, segundo Hans-Jürgen Prien, representa outra chave interpretativa da missiologia metodista no período de sua implantação: protestantismo, liberalismo e maçonaria articulavam o mesmo projeto na América Latina. Em pesquisa sobre o tema, Dussel afirma: “ser protestante, liberal e maçom eram aspectos de um mesmo fenômeno, ao qual se agregava o racionalismo e naturalismo”.18 A partir desta leitura não se poderá negar os conflitos e as tensões no campo religioso entre protestantismo de missão e catolicismo romano.

Para melhor compreender essa tríade metodista na área da educação, nossa investigação baseou-se, não exclusivamente, nos estudos de Peri Mesquida,19 pesquisador no campo da educação protestante no Brasil. É interessante notar que Mesquida analisa a formação do espaço urbano do sudeste brasileiro não somente movimento. O termo puritanismo passou a significar também moralismo, extrema severidade de costumes, excessivo rigor na aplicação de princípios. ‘É difícil definir o puritanismo, já que foi ao mesmo tempo um estado de espírito, um programa e um movimento dentro da Igreja da Inglaterra com raízes no período inicial da Reforma’ (51: vol.II, p. 141)”.

16 LOMBARDI, José Claudinei et. al. (Org.) Navegando pela história da educação brasileira. Campinas: Graf. FE:

HISTEDBR; Unicamp, 2006. CD-ROM. “Movimento religioso nascido na Alemanha em fins do século XVII, como reação ao dogmatismo da igreja oficial luterana. Seu principal representante foi o pastor luterano Phillipp Jakob Spener (1635-1705). O Pietismo defendia a renovação da piedade com base em um retorno subjetivo e individual ao estudo da Bíblia e à oração. Em termos educacionais, destacou-se neste movimento a figura de August Francke (1663-1727) que, a partir da Universidade de Halle, difundiu seu sistema pedagógico. A influência do pietismo atingiu o seu maior alcance através de John Wesley (1703-1791), fundador do Metodismo. O pietismo inspirou as medidas educacionais adotadas pelos movimentos evangélicos conservadores, nos Estados Unidos, no início do século XIX”.

17 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. 3. ed. São Paulo:

USP, 2008, p. 337.

18

DUSSEL, Enrique. Tensiones en el espacio religioso: masones, liberales y protestantes em la obra de Mariano Soler. In: BASTIAN, Jean-Pierre (Org). Protestantes, liberales y francmasones. México: Cehila, 1990, p. 35.

19

(28)

como uma marcha para o “progresso”, mas também como um movimento geopolítico similar às marchas norte-americanas na sua expansão de fronteiras — o que justifica a forte tendência ideológica do chamado liberalismo norte-americano, ideologia que está muito presente na pregação protestante e no projeto educacional das igrejas de missão, como o metodismo20.

O tema da pregação é analisado a partir de Francis Gerald Ensley,21 que em seu texto enfoca a pregação em John Wesley como meio de cumprimento da missão, em especial na época em que ele descobre a pregação ao ar livre. Prócoro Velasques Filho e Antonio Gouvêa Mendonça serviram como referencial teórico, principalmente na análise do culto protestante brasileiro. Eles afirmam que:

Se no catolicismo a centralidade do culto repousa no mistério da missa, particularmente na transubstanciação, o culto protestante tem seu centro na pregação. Em presença da pregação, hinos, orações, testemunhos e leituras bíblicas tornam-se elementos secundários e ornamentais.22

As igrejas de missão ou históricas, a saber: batista, congregacional, metodista e presbiteriana, no desenvolvimento de sua obra missionária no século XIX, valorizaram a pregação não somente como estratégia de implantação, mas também como forma apologética na evangelização. As influências do racionalismo levaram a teologia fundamental a se ocupar de formas apologéticas para justificar a fé através da razão. Nesse período os “teólogos ortodoxos, tanto protestantes, como católicos, usaram a razão para garantir a autoridade divina de Cristo e da Igreja”.23 Assim sendo, o protestantismo de missão, ao se implantar no Brasil, utiliza-se da pregação apologética para questionar o cristianismo estabelecido pelos católicos ao longo de mais de quatrocentos anos. Magali do Nascimento Cunha afirma:

A primeira função dos missionários passou a ser o convencimento dos ouvintes que a religião e a cultura deles eram pagãs e os

20 MESQUIDA, Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil, p.133.

21 ENSLEY, Francis Gerald. John Wesley, o evangelista. São Paulo: Imprensa Metodista, 1960.

22

MENDONÇA; VELASQUES FILHO, Introdução ao protestantismo no Brasil, p. 159.

23

(29)

levariam ao inferno. O anticatolicismo passa a ser uma das grandes características da pregação missionária.24

Tal como Mendonça, Cunha entende que o pregador protestante mediava a compreensão das teses religiosas para os ouvintes. No caso específico dos metodistas, a “pregação avivalista arminiana-metodista viabilizava-se pelas condições sociais locais, embora se distanciasse da teologia oficial”.25 Esta compreensão protestante em valorizar a pregação a ponto de a mesma ocupar um lugar central nas atividades religiosas é fruto do puritanismo inglês. Segundo Max Weber, a pregação de cunho puritano tinha por objetivo central “tornar o cristianismo na Inglaterra o mais ‘puro’ possível, praticado por uma Igreja ‘purificadora’ de todo resíduo papista e de todo oficialismo estatal, uma igreja de doutrina absolutamente ‘pura’ conforme a Sagrada Escritura”.26 A repercussão deste conceito na pregação é perceptível, uma vez que a pregação protestante dedicará especial atenção neste campo, elevando no mesmo a sua exigência. No metodismo nascente não será diferente. Luiz Carlos Ramos, ao analisar a prática homilética de John Wesley, afirma:

Segundo consta, Charles Wesley era muito mais exigente e severo na seleção de pregadores do que o irmão John. Consta-se que certa vez, aborrecido com o fato de alguém, ‘sem o auxílio de Deus’, ter feito de um alfaiate pregador, ele teria dito que estava pronto, ‘com o auxilio de Deus’, a tornar o pregador novamente

alfaiate.27

O movimento metodista estadunidense garantiu a continuidade com a preocupação e cuidado para com os pregadores, assim como o movimento wesleyano do século XVIII. Essa ênfase na pregação fortalecerá a dimensão apologética através da pregação de uma “fé viva” e “obras de justiça” que, segundo Mendonça, “era exatamente a tendência da pregação metodista”.28 Essa

24

CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad; Instituto Mysterium, 2007, p. 37.

25

MENDONÇA, O celeste porvir, p. 327.

26

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Edição de Antonio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia da Letras, 2007, p. 288.

27

RAMOS, Luiz Carlos. Prática homilética de John Wesley. Revista Caminhando, São Bernardo do Campo, v. 9, n. 13, p. 134-153, jan./jun. 2004.

(30)

preocupação com a pregação também estará presente no movimento missionário metodista em terras brasileiras.

Pode-se afirmar que a tríade missionária esteve presente no processo de criação e implantação do metodismo inglês, estadunidense e brasileiro. Neste processo o foco na dimensão da Responsabilidade Social fica evidenciado, conforme será discutido posteriormente. A Inglaterra do século XVIII com suas crises sociais será impactada pelas práticas solidárias do movimento metodista; “historiadores dizem que o reavivamento metodista evitou uma revolução sangrenta na Grã-Bretanha, inaugurando uma dinâmica reformista na destinação social da democracia”.29

Responsabilidade Social nesta pesquisa será estudada como uma estratégia missionária e como gênese da missiologia metodista. Helmut Renders compreende que a festa do amor ou ágape representa uma estrutura estética litúrgica de solidariedade e por isso essas celebrações valorizavam a partilha do pão e do cálice onde

Wesley posicionava a coleta a favor dos pobres no centro desta

celebração, entre a distribuição do pão e do ‘cálice de amor’ (love cup). Assim, ele relaciona a ética (doação para os pobres) com a estética (forma do culto). O acento místico recebe em seguida um espaço nas sessões das testemunhas e das orações espontâneas que se seguiam imediatamente.30

Assim, é possível identificar o conceito de Responsabilidade Social na gênese do metodismo nascente. Os desdobramentos deste conceito continuam numa dinâmica intensa na vida em sociedade. O metodismo estadunidense, no período de sua implantação no Brasil, impulsionado pelos ideais do liberalismo, assume parcerias com a maçonaria por entender que esta instituição pode colaborar nos projetos de solidariedade e desenvolvimento filantrópico.31

29 CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa/MG: Ultimato, 2002,

p. 154.

30 RENDERS, Helmut. O Plano para a Vida e a Missão e sua espiritualidade correspondente. Revista

Caminhando, São Bernardo do Campo, v. 12, n. 20, p. 85-104, jul./dez. 2007.

31

(31)

As ambiguidades nesse contexto não podem ser analisadas como exclusivas, pois, na avaliação de Paul Tillich, “a relação da Presença Espiritual com a religião apresenta dois aspectos, porque tanto a ambigüidade mais profunda da vida quanto o poder de superar as ambiguidades da vida se manifestam na religião”.32

Em estudos realizados pelo ISER, Catolicismo: modernidade e tradição33, encontra-se a afirmação de que a Diocese de Campos se divide em duas tendências. Uma, tradicionalista, liderada por Dom Antonio de Castro Mayer; e outra, institucional, liderada por Dom Carlos Alberto Etchandy. No estudo, Zelia Seiblitz afirma que:

na primeira fase, os cuidados com o apostolado moderno se omplementam com a perseguição às seitas, elas mesmas vistas como resultado do liberalismo. É época dos ataques ao protestantismo, ao espiritismo, à maçonaria.34

O que confirma David Gueiros Vieira na sua pesquisa sobre “Protestantismo, a maçonaria e a questão Religiosa no Brasil”35, ao investigar a possível coligação entre grupos maçônicos e protestantismo de missão, no final do século XIX. O autor verifica que a questão religiosa brasileira, nessa época, é marcada pela disputa ideológica do espaço político, por um lado do liberalismo, apregoado pelos missionários protestantes estadunidenses e, por outro, pelo movimento conservador ultramontano do catolicismo romano.

Nesta mesma direção, o historiador Hugo Fragoso corroborará acerca da existência de tensões na questão religiosa no final do período do Império e já na República. Sobre as discussões entre os padres católicos e o Estado no tema da maçonaria ele afirma:

Se colocarmos a Questão Religiosa dentro de um contexto Igreja-Povo, é duro ouvir a acusação que fazia Joaquim Nabuco. Ironicamente lembrava ele que dois bispos foram presos e

encarcerados porque tiveram coragem de “atacar a maçonaria”,

32

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Três volumes em um. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p. 668.

33 SANCHIS, Pierre (Org.). Catolicismo: modernidade e tradição.São Paulo: Loyola, 1992.

34

SANCHIS, Catolicismo, p. 270.

35

(32)

mas nenhum bispo pregava do alto do púlpito contra a escravidão negra.36

Por conseguinte, sob influência do pensamento liberal, somado às práticas filantrópicas da maçonaria, o movimento missionário se aproxima da organização do Brasil Império para fortalecer os traços do liberalismo e apresentar a benemerência como um componente da religiosidade protestante.

Assim, o pensamento filantrópico, como missiologia metodista, compõe o modo de fazer missão protestante, o que pode ser aferido a partir da instalação da primeira instituição de ação social no Brasil, fundada em 1906 pelo missionário Hugh Clarence Tucker. O Instituto Central do Povo (ICP), mesmo fundado com objetivos educacionais no início do século XX, bem como outras instituições do sistema metodista de educação se diferenciará por desenvolver uma vocação própria de benemerência, pois sua escola diurna atenderá às crianças da população empobrecida.

Tucker, que chegara ao Brasil em 1886 para pastorear a comunidade norte-americana residente no Rio de Janeiro, dará início, em 13 de maio de 1906, às obras do ICP. Destaca-se que, nesse dia, a Lei Áurea37 adquire sua maioridade (18 anos) — talvez um fato não proposital, porém um dado historiográfico interessante. Tucker afirma:

Há tempos um pequeno grupo de crentes, desejosos de fazerem alguma coisa em benefício das almas dessa numerosa multidão de trabalhadores que tem vindo de diversos pontos do país, para esta Capital, tem reunido, de semana em semana, em oração, rogando a Deus para lhes deparar os meios necessários e um lugar apropriado, para onde pudessem convidar o povo, especialmente a multidão dos operários para lhes anunciar o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.38

36

FRAGOSO, Hugo. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo, segunda época – a igreja no Brasil no século XIX. Tomo II/1: História geral da Igreja na América Latina. 3. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, 1992, p. 188.

37

MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: USP, 2004, p. 15: “Abolição. Ato de abolir. No caso da escravidão, o ato de extinguir esse sistema de trabalho. Ele podia acontecer ou por meio de um movimento revolucionário, como no Haiti, ou por meio de uma norma jurídica, como no Brasil. A Abolição no Brasil efetivou-se em 13 de maio de 1888, por ato da princesa Isabel, que exercia no momento as funções de Regente do Império. O Brasil foi a última nação cristã do mundo a abolir o sistema escravo de trabalho pela chamada Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel”.

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Tucker, que trabalhara como missionário durante dez anos no Rio de Janeiro, revela, nesta fala, o espírito de Responsabilidade Social presente na comunidade metodista como projeto missionário. Fazer o bem aos trabalhadores na capital do país era fazer alguma coisa em benefício das almas dessa numerosa multidão de trabalhadores.

José Carlos de Souza e Helmut Renders39 associam Tucker ao Evangelho Social e afirmam que a identidade social da história da Igreja Metodista está ligada a este missionário. Eles justificam esta categoria com o ministério de Tucker; e não sem razão. Importante de se ressaltar na perspectiva historiográfica é que Tucker, na sua autobiografia, destaca o seguinte:

Eu vim ao Brasil acreditando ardentemente na Liberdade Religiosa, na Bíblia aberta, ao direito de todo homem interpretá-la. Eu sou o único sobrevivente da Igreja Metodista no Brasil (1886). Eu participei da tradução da Bíblia e um grande acervo de Literatura Cristã. Fundei o Instituto Central do Povo, cooperei na fundação do Colégio Granbery e ajudei no estabelecimento de várias outras instituições educacionais. Participei da organização e construção do Hospital dos Estrangeiros, Hospital Evangélico, Casa Bíblica (Sociedade Bíblica), Igreja Union e ACM. Cooperei na erradicação da Febre Amarela, e na organização do primeiro Playground, Jardim da Infância, Clínica Médica e Dental e Classes em enfermagem, economia doméstica e campanhas contra a tuberculose, doenças venéreas e lepra. Em cada movimento para melhora moral e espiritual do povo do Brasil, eu tenho procurado fazer o papel de um cristão valioso.40

Portanto, para melhor compreender esta dimensão da Responsabilidade Social, benemerência ou ação social, o próprio Tucker, ao escrever a sua autobiografia, enfatiza suas ações missionárias nesse campo. Curioso observar que a fundação do ICP se dá concomitante com a organização da Igreja Metodista em São João, mas o nome desta igreja não aparece na sua autobiografia.

39 RENDERS, Helmut; SOUZA, José Carlos de. História da Igreja Metodista no Brasil: dos inícios até 2009. São

Bernardo do Campo, 2009. Disponível em:

<https://arkheia.metodista.br/jspui/bitstream/123456789/129/1/Historia%20da%20Igreja%20Metodista%20no% 20Brasil.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2010.

40

(34)

No mesmo campo da missão, Eliane Moura Silva41, ao analisar o trabalho missionário educacional de Martha Watts em Piracicaba, também identificará o conceito de Responsabilidade Social:

A religião seria, então, a inspiração para o trabalho dessas missionárias; a crença religiosa mantinha o forte idealismo da caridade, santificando tanto quem ajudava a causa por meio das doações como aquelas que recebiam esses fundos para realizar suas missões, no caso de Martha Watts, entre outras, como missionárias e educadoras cristãs.42

Logo, a questão central da presente pesquisa é que esta tríade — Responsabilidade Social, Pregação e Educação — é formada por elementos indissociáveis no projeto missionário dos metodistas desde a sua gênese e as expressões contemporâneas de missão ameaçam este tripé. A relevância desta pesquisa é a análise da dimensão da tríade como chave de leitura da missiologia metodista brasileira. Isso não significa que outras leituras que privilegiaram outras formas, tais como: a dimensão do expansionismo ou mesmo avivamento não são representativas ou que sejam de menor valor.

2 A tríade

Responsabilidade Social, Pregação e Educação

na formação do metodismo

Antes de levantar qualquer discussão ou relato sobre o metodismo inglês como gênese do metodismo mundial, faz-se necessário discutir sobre a historiografia do metodismo. Estamos partindo do pressuposto de que historiografia é entendida como um discurso sobre o passado, estruturado sob a forma de texto, que constitui o seu objeto de estudo. Portanto, historiografia é “nada mais que a história do discurso – um discurso escrito e que se afirma verdadeiro – que os homens têm sustentado sobre seu passado”43. Assim, um pesquisador “nativo”

41

Este artigo trata a ação missionária com a expressão “missionarismo”, termo que não utilizaremos por não ser comum nas reflexões teológicas. Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001), “o uso do sufixo ismo se disseminou para designar movimentos sociais, ideológicos, políticos, opinativos, religiosos e personativos, através dos nomes próprios representativos, ou de nomes locativos de origem, e se chegou ao fato concreto de que potencialmente há para cada nome próprio um derivado”.

42

SILVA, Eliane Moura. Gênero, religião, missionarismo e identidade protestante norte-americana no Brasil ao final do século XIX e inícios do XX. Mandrágora, São Bernardo do Campo, ano XIV, n. 14, p. 31-32, 2008.

(35)

necessita de cuidados redobrados para não fazer apologias numa pesquisa acadêmica. Otávio Velho faz a seguinte recomendação:

Se precisa manter uma tensão com os discursos “nativos”, deve

também manter a sensibilidade e mesmo uma vulnerabilidade em relação a eles. É justamente o que torna essa tensão duplamente complexa, dinâmica, instigante e, talvez, exemplar para o próprio modo de tratamento da questão dos dualismos.44

Ampliando a discussão em torno da historiografia se encontra a afirmação que lhe cabe como uma especificidade da história: Não uma reflexão sobre a história, enquanto conjunto da produção humana, mas fundamentalmente, sobre o conhecimento histórico, ou seja, a reflexão sobre a produção dos historiadores ou (...) sobre as obras históricas (...). Vale dizer, o debruçar-se sobre a história-conhecimento.45

No caso da historiografia wesleyana, no texto “Repensar a teologia de Wesley

para o metodismo contemporâneo”, Randy L. Maddox afirma que as leituras que se

fazem de John Wesley são geralmente apologéticas:

A partir da morte de Wesley, ao longo do século XIX, a maioria das publicações que tratam de Wesley cabe na categoria de biografia. Independentemente de serem acadêmicas, essas biografias eram geralmente elogios triunfalistas e ou defesa de Wesley46 (tradução

nossa).

Portando, analisar as questões que envolviam a Inglaterra no século XVIII, tempo de John Wesley, não é tarefa simples. Entre as mutações, típicas de uma sociedade em transformação, no campo da organização social e econômica, destacam-se as transições de um sistema feudal para uma forma de capitalismo, da economia rural para a economia industrial e a mudança no conceito de modos de produção, que passa de doméstica para industrial de grande escala. Essas mudanças são motivadas pela crise geral da economia européia. Theo Santiago, ao fazer uma leitura histórica desse período, afirma:

44

VELHO, Otávio. Globalização: antropologia e religião. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/mana/v3n1/2458.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2010.

45

ARRUDA, J. J.; TENGARRINHA, J. M. Historiografia luso-brasileira contemporânea. Bauru: EDUSC, 1999, p. 11.

46

(36)

Por uma parte, o século XVIII é um século de alta geral dos preços [...], é ainda o século das grandes fortunas edificadas sobre o ouro do Brasil, a prata mexicana, do açúcar e do rum das ilhas, do algodão da América e da Índia, tudo isso extraído do trabalho dos povos colonizados. [...] Constata-se, contudo, que o século XVIII, especialmente nos países mais avançados como a Inglaterra, vê desaparecer senão a carestia e a falta de pão, pelo menos as fomes mortais.47

Tudo isso acabou modelando uma nova sociedade, com tensões próprias, e certamente esses períodos proporcionam ambiguidades sociais. Assim como o século XVIII promove fome e crise social, ele também proporciona acúmulo de riquezas, como analisado por Santiago.

No campo religioso, Renders afirma que a gênese do metodismo inglês origina dois movimentos, a saber, “um movimento de reforma intra-eclesiástica e um movimento de reforma da nação”.48 Esses movimentos funcionam como chaves hermenêuticas para a compreensão do desenvolvimento do pensamento de John Wesley sobre a missão. A organização de uma liderança militante se dará pela disciplina estabelecida nas Regras Gerais, que redundará não somente numa militância cristã sem violência, mas forjará a maturidade cristã wesleyana e do metodismo, como discorre Renders:

O vínculo dos dois, e a sua expressão máxima, podem ser sintetizados, segundo Wesley, num único mandamento de Jesus, o mandamento de amar os inimigos. Para isso a maturidade cristã tinha que assumir o caráter radical da militância cristã e a militância cristã precisava desenvolver características de maturidade cristã.49 Assim, para compreender o contexto sócio-político-econômico da Inglaterra no século XVIII e utilizar a chave de leitura proposta por Renders é necessário levantar a seguinte questão: quais as implicações que esse ambiente social proporciona para o tempo de John Wesley e o movimento metodista? Para Souza,

A Inglaterra é o primeiro país a enfrentar um processo que implica na transformação de todas as regras anteriores do jogo social, da inter-relação. É o primeiro país que passa por transformações radicais das

47

SANTIAGO, Theo. Do feudalismo ao capitalismo: uma discussão histórica. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 48.

48

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Imagem

Figura 1 — Primeira página do livro de matriculas aberto por Martha Hite Watts, em 1881
Figura 3 — Quadro comparativo da década de 1950
Tabela 2 — Aspectos socioculturais e eclesiais das décadas de 1980 e 1990  Aspectos socioculturais  Aspectos eclesiásticos
Tabela 3 — Igrejas Evangélicas de Missão no Brasil em 2002
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Referências

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