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PUZZLE ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIA

1. HISTORIOGRAFIA DA MEMÓRIA

1.2. A TRADIÇÃO CLÁSSICA DA RELAÇÃO HISTÓRIA MEMÓRIA

Significativa da historiografia que questiona a oposição tout court entre história e memória é a obra de Paul Ricoeur, que convida o historiador a pensar a historicidade e a repensar epistemologicamente a história, nos últimos cinqüenta anos81. Em sua obra, o problema da memória aparece como uma etapa essencial da construção crítica do saber histórico, na medida em que interroga o historiador a respeito da objetividade do conhecimento histórico.

Sobre o monumental livro L’ Mémoire, l’ histoire et l’oubli (2000), Ricoeur esclarece, em entrevista, que sua pesquisa é resultado de várias preocupações. Primeiro, uma preocupação pessoal de retomar a problemática presente nas obras Tempo e

Narrativa e O Si Mesmo como Outro. Nestas obras, a experiência temporal e a operação

narrativa são cotejadas de modo direto e ativo, ao preço de um impasse sobre a memória e, pior ainda, a respeito do esquecimento, níveis mediadores entre tempo e narrativa. Segundo, a partir de uma consideração profissional, como os historiadores profissionais, em particular os historiadores do tempo presente, expõem o confronto destes mesmos problemas relativos à relação entre história e memória. Por fim, “intervém uma situação cultural, as grandes reivindicações de uma memória consagrada e a dificuldade da história

80 CRANE, Susan. Writing the Individual Back into Collective Memory. The American Historical Review.

Volume 102, Issue 5 (Dec., 1997), p. 1381 e 1385.

do tempo presente para situar-se com respeito a essas comemorações”82. Daí a idéia de uma política de justa memória para se pensar a influência das comemorações e dos abusos da memória - e do esquecimento.

Para dar cabo de tais inquietações, Ricoeur divide a obra em três partes. A primeira, consagrada a memória e aos fenômenos mnemônicos, está colocada sob a influência da hermenêutica husserliana. Sua leitura fenomenológica da lembrança, momento objetal da memória, estabelece um diálogo produtivo com as assertivas de Yerushalmi, a respeito da

mneme e anamnesis. Para os gregos, a primeira palavra designa a lembrança como algo que

aparece passivamente até o ponto de caracterizar como afeição - pathos - sua chegada à mente. Já a segunda a lembrança aparece como rememoração. A recordação, encontrada e buscada de modo alternativo, se situa em uma encruzilhada da semântica e da pragmática. Acordar é ter uma lembrança ou ir em sua busca. Segundo o autor, a pergunta “como?” proposta pela anamnesis tende a apartar-se da pergunta “que?” colocada mais estritamente pela mneme. Este desdobramento do enfoque cognitivo e do enfoque pragmático tem uma incidência importante sobre a pretensão de fidelidade da memória com relação ao passado: esta pretensão define o estatuto veritativo da memória, que será cotejada na segunda parte da obra com o estatuto da história. Seu caminho é a passagem do “que?” para “quem?”, passando para o “como?”, isto é, da recordação para a memória reflexiva, passando pela reminiscência.

Na segunda, dedicada à epistemologia das ciências históricas, Ricouer propõe a autonomia do conhecimento histórico a respeito ao fenômeno mnemônico como pressuposto principal da história como disciplina científica e literária. Ele adota a expressão de operação histórica, ou melhor, historiográfica, seguindo a propositura de Michel de Certeau, na qual divide o conhecimento histórico em três fases. A primeira fase é a

documental, que se efetua desde os relatos dos testemunhos oculares até a constituição dos

arquivos e que se fixa, como programa epistemológico, o estabelecimento da prova documental. Depois ele chama a fase explicativa/compreensiva, na qual Ricoeur rechaça a oposição entre explicação e compreensão para captar a complexidade do “porque” histórico, isto é, por que as coisas ocorreram assim e não de outra maneira? A terceira fase

82 BLAIN, Jean. Entrevista a Paul Ricoeur. In : Historia, Antropologia y Fuentes Orales. Barcelona, 2, n.

é a “representativa” ou literária, que trata da exposição, demonstração e exibição da intenção historiadora, isto é, a representação presente de coisas ausentes do passado. Com efeito, a escritura é o umbral da linguagem que o conhecimento histórico afasta-se da memória para viver a tríplice aventura do arquivamento, da explicação e da representação. Segundo ele, a história é, do princípio ao fim, escritura. É importante destacar que as três fases não são fases cronologicamente distintas, mas momentos metodológicos interligados entre si.

Por fim, na terceira e última parte do livro, Ricoeur abre uma reflexão sobre as condições de possibilidade deste discurso, que culmina com a meditação sobre o esquecimento, pautando-se na hermenêutica da condição histórica dos homens que somos. Sua opção pela expressão “condição histórica” se deve a dois motivos: de um lado, a situação em que cada um se encontra implicado e, por outro, a condicionalidade. Fazemos a história e fazemos história porque somos históricos.

Colocando-o em pé de igualdade com a memória e a história, o filósofo afirma que o fenômeno do esquecimento tem a mesma amplitude que as dimensões mnemônica e histórica, pois é, no passado, que aquilo que é esquecido, se perde. A destruição de um arquivo, de um museu, de uma cidade - testemunhos da história passada - equivale ao esquecimento. Assim, o esquecimento é o emblema da vulnerabilidade de toda a condição histórica.

Ao mesmo tempo, o autor introduz o perdão nas reflexões sobre história, memória e esquecimento, pois coloca para o historiador, especialmente do tempo presente, que trabalham com os grandes crimes dos séculos XIX e XX, a dificuldade de exercer um juízo histórico com um espírito de imparcialidade sob o signo de uma condenação moral. Segundo o autor, pensar a memória, a história e o esquecimento, sob a luz do espírito de perdão, é projetar uma espécie de escatologia da memória e, por conseguinte, da história e do esquecimento. Esta escatologia se estrutura a partir e em torno ao desejo de uma memória sossegada, de que algo se transmite na prática da história e até no centro das insuperáveis incertezas que dominam nossas relações com o esquecimento.

Segundo Ricoeur, as três partes do livro não se constituem em três livros distintos, pois há uma problemática comum recorrente na fenomenologia da memória, na epistemologia histórica e na hermenêutica da condição histórica: a idéia de “representação

do passado”. Esta questão está posta, segundo ele, em sua radicalidade na investigação da

face objetal da memória: trata-se de um enigma de uma imagem, a presença de uma ausência. Tal questão atravessa a epistemologia do testemunho, bem como a hermenêutica da condição histórica83.

Atualmente, há um relativo consenso de que todos têm “direito à memória”, tornando-se mesmo uma dimensão fundamental da cidadania, na medida em que as memórias dos diferentes grupos sociais têm direito de exporem suas opiniões. Alguns grupos advogam não somente um direito à memória, mas também a obrigação de lembrar o passado. Como a memória, a história e o esquecimento participam de um horizonte comum, no qual é a representação presente de uma coisa ausente, a argumentação de Ricoeur consiste em que a memória constitui, em última instância, como matriz da história. Frente à crescente influência das comemorações, os abusos da memória (e os abusos do esquecimento), o autor propõe uma política de "justa memória".

O caso francês aparece como paradigmático, na medida em que se impôs o “dever

da memória” pelos atores históricos, que viveram as tragédias do século XX, em especial o

holocausto, trazendo consigo relevantes questionamentos quanto a problemas epistemológicos como a valorização da parte subjetiva na objetivação histórica. Assim, Ricoeur propõe um entrelaçamento entre história, memória e justiça, na qual a memória dos testemunhos (dos sobreviventes) dialoga com a história dos historiadores. Entretanto, há o risco de obstaculizar o trabalho crítico da história ao se adotar a postura de “dever de memória”, na medida em que certas comunidades históricas podem encerrar a si mesmas, mantendo-as em sua própria desgraça e desenraizando-as do sentido de justiça e da igualdade. Então, ao invés de um “dever de memória”, Ricouer propõe o “trabalho da memória”.

Assim, ao lado da pretensão de condenar os excessos da memória por parte dos historiadores, o autor defende uma política de “justa memória” como tema cívico da maior importância, o que implica a idéia de um “dever de memória” e de uma “dívida” em relação às vítimas da história, sem, contudo, retirar da história sua autonomia e sua “função corretiva de verdade”84.

83 RICOEUR, Paul. La Mémoire, L’ Histoire, L’ Oubli. Paris: Éditions du Seuil, 2000.

84 SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/comemoração: as utilizações sociais da memória. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 44, 2002, p. 437.

Mas é legítimo que o historiador interprete/compreenda situações marcadas por extrema violência? Aqui a tensão entre história e memória atinge o seu ápice. Então, o que está em jogo é que a história não se reduz à memória, mas se constrói de lembranças e esquecimentos, desde a fase de constituição de testemunhos e arquivos. Ricoeur propõe o esquecimento como ponto de chegada, induzindo ao tema do perdão, na medida em que “enquanto o esquecimento põe em questão a memória e a fidelidade do passado, o perdão diz respeito à culpabilidade e à reconciliação com o mesmo. Em princípio, ambos agem contra a obrigação de lembrar, sobretudo numa época, como a nossa, dominada pelos abusos da história e pelo cultivo das comemorações”85.

Opera-se com a obra de Ricoeur um deslocamento da precedente concepção influenciada por Halbwachs para uma impossibilidade da dissociação entre história e memória, resgatando-se uma leitura clássica das relações entre ambas as categorias. Esse deslocamento deve ser inserido numa conjuntura memorial do presente, voltada para um retorno ao passado em virtude das incertezas do presente e das imprevisibilidades do futuro. Para Ricoeur, o problema da representação do passado não começa com a história, mas sim com a memória, pois é a memória que governa as representações do passado, levando-nos a questionar acerca de quem exerce a memória e se propõe a tarefa de construir uma versão dos fatos passados.

François Dosse, em textos diversos, tem ressaltado a importância dos trabalhos de Paul Ricoeur para a constituição de uma história social da memória, pensada no âmbito de duas exigências:

“Uma memória submetida à prova crítica da história não pode mais visar à fidelidade sem passar pelo crivo da verdade. Uma história substituída pela memória no movimento da dialética da retrospecção e do projeto não pode mais separar a verdade da fidelidade que se apega, em última análise, às promessas não cumpridas do passado”86.

Mais além da conjuntura memorial dos dias de hoje, sintomático da crise entre duas categorias meta-históricas, o horizonte de expectativa e a ausência de projeto de nossa

85 BRANDÃO, Jacyntho Lins. A Justa Memória. Jornal de Resenhas. São Paulo, 12 de maio de 2001. 86 RICOEUR, Paul. In: DOSSE, François. A História. Bauru/SP: EDUSC, 2003, p. 298.

sociedade, Ricoeur lembra a função de agir, da dívida ética diante do passado. Neste sentido, ele busca superar as dicotomias das relações entre memória e história, na medida em que a fratura dos determinismos permite “atenuar a fratura postulada entre o questionamento da verdade que seria o apanágio do historiador e uma busca de fidelidade que seria a mola do memorialista”87.

Talvez a originalidade de Paul Ricoeur consista em começar a análise com a memória, antes de discutir a história. O enigma do fenômeno mnemônico é sua representação presente do passado ausente, como afirma Aristóteles: “a memória é do

passado”. Assim, no lugar de opor memória e história, ele a apresenta como relação

inseparável, intrínseca. Nesse domínio do entrecruzamento, ao modo de um enigma, mil laços sutis engendram as múltiplas interferências entre o discurso da memória e o discurso histórico. Sua obra coloca uma rica matéria para reflexão dos historiadores propensos a classificações muito abruptas entre essas partes, como é o caso do culto da memória em que transborda o espírito do tempo (Zeitgeist) e que prolifera na mídia. Isto conduz a uma visão muito esquemática opondo, de um lado, a explicação histórica com o objetivo de busca da verdade e repousando numa pesquisa metódica e científica, e, de outro, a memória, representação carregada de humanidade e de autenticidade, mas fluida, introduzindo inevitavelmente um viés dentro do passado. Segundo o filósofo, dentro de sua pesquisa rigorosa da verdade, o historiador não pode reduzir os traços da memória a seus resíduos fraudulentos ou a suas ficções enganosas. Muito menos confinar a memória sob as sendas do psíquico, da impressão e do movente. Porque a história não poderá jamais se emancipar totalmente da memória.

Ricoeur propõe, na perspectiva de uma fenomenologia da memória, uma nova interpretação desta relação. A pesquisa do objeto da memória é feita, ao mesmo tempo, que seu processo. Ele observa que os gregos utilizaram duas palavras para designá-la: mnéme, que é “afeição” (pathos) tanto que lembrar surge dentro da memória e é reconhecido como passado, e anamnésis, ou anamnese, que é recordação, rememoração, busca da lembrança arrancada do passado. Logo, a história é o “motor da busca”, que tenta indefinidamente

encontrar aquilo que Michel de Certeau chamou de “ausência de história”. Em conseqüência, ela constrói em vez de reconstruir88.

Então, o autor defende uma relação “indecisa” entre a memória e a história, na medida em que ambas constituem modalidades essenciais de afirmação da consciência histórica e que as suas narrações não são uma mimese do espaço e do tempo reais, porque referenciam “objetos ausentes”. Assim, “a recordação e a historiografia constroem re-

presentificações que interrogam os indícios e traços que ficaram do passado”. Nesta leitura,

apesar do traço da anamnese individual ser interior, é possível ser ela provocada pelo testemunho do documento que “religa memória e história, através de interrogações que o historiador formula em função da sua própria existência, isto é, das suas retrospectivas e esperanças”. É que “o acontecido já não existe, no campo das re-presentificações, ele continua a ter futuro”89.

Já Patrick Hutton afirma que a história emerge da memória. Ainda que a história transcenda a memória viva em escopo e em suas abstrações, ela, no entanto, se mantém lá em sua fundação. A relação entre rememória e reconstrução histórica na compreensão do passado é sempre uma relação de proporções inversas, nunca como a de uma exclusão como propõe Halbwachs90. Assim, o autor elabora interessante reflexão, do ponto de vista da teoria da história, caracterizando as relações entre história/memória, a partir da idéia de

puzzle. Tal idéia, entendida aqui como um enigma, perplexidade e/ou quebra-cabeças,

reiterando a proposta de indissociabilidade entre história e memória. Segundo ele, a História tira proveito das duas facetas do enigma da memória. De um lado, busca reconstruir o passado através de um ato de lembrança. Mas, por outro lado, o passado que instiga a reflexão do historiador está ancorado no presente, próximo, muitas vezes, dos usos da memória.

Daí talvez o estudo sobre a natureza e usos da memória possuir hoje um novo interesse e intensidade:

88 BÉDARIDA, François. Une invitation à penser l’ histoire: Paul Ricoeur, La mémoire, l’histoire et l’oubli. Revue Historique. Paris, n. 619, PUF, juillet/septembre 2001, p. 734-735.

89 CATROGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001, p. 45.

90 Hutton, Patrick H. “Collective Memory and Collective Mentalities: The Halbwachs-Ariés Connection.” Historical Reflections. 15, no. 2 (1988): 311-322: 319.

“O estudo das representações do passado (o passado como ele foi outrora imaginado) empenha-se em reconstruir padrões de uso da retórica sobre o passado que se confronta com aquilo que foi legado no lugar dos eventos (o passado como ele realmente aconteceu). Isto adicionou uma nova dimensão para a historiografia, revelando caminhos inumeráveis nos quais a memória inspira e dirige o curso da investigação histórica. (...) Para nós historiadores, o pensamento crítico sobre a memória confirma o poder do passado e a profundidade a que nos vinculamos a ele”91.

Como forma de resumir suas propostas sobre o puzzle entre história e memória, aproximando-o da tese proposta por Paul Ricoeur no sentido de um enigma, cito, apesar de longo, o último parágrafo de seu livro:

“A interjeição do problema da memória introduziu um elemento de dúvida. Como Ariès observou, a história trata do horizonte entre o conhecido e o desconhecido. É a memória que nos traz para este horizonte. Mesmo o horizonte mais longínquo de nosso conhecimento é oprimido pelos seus mistérios, que vão mais além. (...) Eles se espalham ao longo de nossas vidas cotidianas, hoje como no passado. Igual aos tópicos históricos com que estamos familiarizados, eles apresentam freqüentemente surpresas que aguçam nossa curiosidade. Então, os antigos representam Mnemosyne como a filha da ignorância e a mãe da sabedoria.”92

Por se empenhar em recuperar as memórias e a dignidade de todos os tipos de pessoas, gostaria de destacar neste momento a obra de Raphael Samuel. Partícipe da brilhante geração de historiadores do Partido Comunista da Grã-Bretanha, nos anos 1950, com a qual compartilhou debates com E. P. Thompson, Eric Hobsbawm e Christopher Hill, Samuel busca analisar como o passado continua ativo no presente. Segundo sua proposta, a memória é a representação de um fato ou de uma situação mediante uma ação interiorizada no sujeito. Essa “memória-imagem” se expressa em representações, o que implica não a visão do passado tal qual foi, mas como é representado na memória coletiva, ou seja, como as pessoas dizem que foi e por que vêem dessa maneira.

91 HUTTON, Patrick. History as an art of memory, p. XXV. 92 Idem, p. 168.

Pautado no trabalho sobre herança cultural, ele afirma que a forma como a arte da memória é praticada hoje, seja na psicanálise, seja na história oral, ou ainda como “tradição”, deve mais ao movimento romântico em poesia e pintura do que à mnemônica grega ou à ciência do Renascimento. Como exemplo, o autor afirma que noção de história de Edward Palmer Thompson, em sua proposta de se escrever uma “história vista de

baixo”, poderia ser incluída nesta perspectiva. O “teatro da memória” romântico tinha

como premissa o sentimento da perda. Em vez da anamnese - lembrança arrancada do passado pelo trabalho da memória e dos atos conscientes do desejo -, o peso imaginativo recaiu sobre a “memória involuntária” - os traumas adormecidos que emergem em tempos de crise. Talvez seja o legado do romantismo que, separando o trabalho da memória de qualquer apelo à ciência e situando-a no reino do intuitivo, tenha colocado a memória e a história em campos opostos, tal como presente nas obras de Maurice Halbwachs e Pierre Nora.

Então, numa leitura próxima à etnografia contemporânea, Raphael Samuel propõe que a memória é uma força ativa e dinâmica, relacionando-se dialeticamente com o pensamento histórico, ao invés de ser apenas uma espécie de seu negativo. Sob o seu ponto de vista,

“(...) a memória é historicamente condicionada, mudando de cor e forma de acordo com o que emerge no momento; de modo que, longe de ser transmitida pelo modo intemporal da ‘tradição’, ela é progressivamente alterada de geração em geração. Ela porta a marca da experiência, por maiores mediações que esta tenha sofrido. Tem, estampadas, as paixões dominantes de seu tempo. Como a história, a memória é inerentemente revisionista, e nunca é tão camaleônica como quando parece permanecer igual”93.

Temos, portanto, que levar em consideração que na produção social da memória, tanto a esfera pública quanto a esfera privada desempenham papéis importantes, apesar de desiguais. Se, por um lado, há um teatro público da história, no qual variados atores atuam dentro de vários lugares e instituições que controlam a esfera histórica pública e o acesso

93 SAMUEL, Raphael. Teatro da Memória. In: Projeto História. São Paulo, n. 14, fevereiro/1997 (Cultura e