• Nenhum resultado encontrado

2 CAPÍTULO A PRESENÇA DA MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DA

2.7 A tradição musical protestante versus cultura gospel

Há um dado comum a todos os que estudam o cenário cultural e religioso brasileiro. A sociedade mudou nos últimos 50 anos e com ela as suas faixas etárias e grupos sociais. Assim como a sociedade cultural, a música popular brasileira também passou por várias mudanças e se caracterizou pela sua diversificação. Hoje, existe uma pluralidade e diversidade de gêneros, fontes, ritmos, acompanhando tanto a descompressão de costumes quanto a democratização do pais. Aconteceu nessas décadas também a consolidação da mídia eletrônica de várias maneiras associadas à industria da música. O que prevalece hoje no Brasil é a cultura de massa. Para Albin, a televisão no Brasil, se torna pela maioria da população, as opções de entretenimento, cultura e reprodução, avaliação cultural, informação. Por estes motivos, os fenômenos se universalizam com menos resistências e extrapolam a questão musical.

Dessa maneira, o cenário e as interações dentro do campo religioso não podiam ser diferentes. Cabe, no entanto, aqui ressaltar a explosão gospel que trouxe consigo formas de expressão artística, dotando o cenário religioso de uma nova cara. Surge com ela novas formas de expressão artísticas, litúrgicas e coreografias no culto evangélico. Segundo Cunha,

este processo foi iniciado nas ultimas décadas do século XX e permanece em curso no atual momento marcado por transformações no campo sócio- político-econômico-cultural-religioso e está estreitamente relacionado ao avanço do capitalismo globalizado e a consolidação das culturas midiática e urbana, filhas da modernidade (CUNHA, 2007, p 9).

Os analistas dessa cultura, especialmente Cunha e Jaqueline Ziroldo Dolghie (2007) tem usado o conceito “hibridismo cultural” para explicar esse novo modo de vida de louvor e de participação das atividades religiosas. Para estas autoras, se constituem uma cultura hibrida por resultar do cruzamento de aspectos tradicionais do modo de ser protestante com as manifestações de modernidade especialmente nas propostas pentecostais praticadas com muito sucesso no meio

urbano brasileiro, no avanço da ideologia do mercado de consumo e na cultura mídiatica (Cunha, 2007, p 10).

As pesquisas de Cunha nos auxiliam no entendimento da função da música numa dinâmica religiosa marcada pela cultura gospel. Ela afirma que o lugar da música nas práticas religiosas é inquestionável, até porque em tempos mais remotos havia a concepção de que a música tinha algo divino, ou seja, a música desempenhava um papel de mediação entre o homem e Deus. Ora, a presença da música no culto e nos cânticos litúrgicos é bastante antiga e sua presença na música cristã é também antiga que não é possível dizer quando foi introduzida (CUNHA, 2007).

A música tem a função de criar um estado de espírito apropriado para que os adeptos atuem em consonância com esse estado. Nesse sentido, a música procura produzir sentimentos e não expressá-los. O conteúdo deste tipo de música não está somente nela, mas também fora dela, sendo a síntese dos sons que se movem com os ouvintes e que cantando se movem (CUNHA, 2007). “[...]De todas as artes, a música é a que dispõe de maior capacidade de nublar a inteligência, de embriagar, de criar uma obediência cega e de provocar ânsias de morrerCunha (2007, p 88)”.

No entanto, tal afirmação nasce de estudos no campo da Filosofia da Arte, Sociologia da música e da Psicologia das percepções que abordam entre outras coisas que a música tem influência sobre os indivíduos e seus corpos, emoções e nas relações em grupo social. Portanto, os acordes, ritmos, tonalidades, intensidades têm atuado diretamente sobre células e órgãos e indiretamente sobre as emoções, influenciando em numerosos processos corporais (CUNHA, 2007). É pertinente dizer que por meio da pesquisa dizer que a música cristã pode ser vista como um instrumento favorável de se criarem novos laços afetivos nas comunidades cristãs locais.

Os estudiosos do culto protestante brasileiro entre eles Carl Joseph Hahn (1989) afirma que o presbiterianismo herdou dos missionários a ênfase no culto na casa de cada crente, da família e vizinhos, maneira que se adaptou facilmente às condições naturais ao ambiente do povo do interior do Brasil. Porém, tão importante que listas de boas maneiras e comportamentos foram produzidas ao longo da história do culto, na tentativa de se dar o devido respeito a ele. Assim, o culto foi tornando-se, além dos motivos teológicos, cada vez mais rígido e controlado pela prática litúrgica.

Vários grupos surgem em função de estabelecer novas formas cúlticas. Em 1942, surgem os que são contrários aos símbolos de fé de Westminster e formam uma nova igreja. Os “liberais” que tinham uma posição de adesão às doutrinas fundamentais do cristianismo e a orientação da Reforma, mas que defendiam a postura de rever os símbolos de fé. Estes foram convidados a se retirarem, formando-se assim uma nova igreja. Em 1946, os que ficaram, publicam através do livro “A Marcha da Mocidade”, um novo “Manual de Ofícios Religiosos”, em que se apresentava o modelo que deviam seguir todos os serviços de culto da Igreja Presbiteriana Independente. O que se observa é uma juventude presente em todos estes movimentos do protestantismo brasileiro.

Segundo Antonio Gouvêa de Mendonça (1984), a vinda do

protestantismo norte americano para o Brasil trouxe com ele características que eram próprias daquele, que entrando em contato com uma cultura já estabelecida, completamente diversa e com uma estrutura social bem definida, exigiu ajustes a demandas que aos poucos foram desenvolvendo elementos daquele protestantismo na direção das demandas do Brasil. O que se cantava eram os hinos trazidos pelos missionários americanos e que não fizeram questão nenhuma de manter a produção calvinista, considerada rica e de alta qualidade teológica. Os hinos trazidos pelos missionários tinham características avivalistas e missionárias, que logo foram adotados pelos presbiterianos e definindo assim a sua musicalidade. O que se via era o engessamento dessa hinódia que revelava um discurso teológico do pietismo e puritanismo. Essa característica musical marcou todo o protestantismo brasileiro até que movimentos modernos e secularizantes começaram a provocar mudanças dentro destas igrejas, como foi o movimento Tropicalismo (1967), que tinha como proposta exercer uma intervenção crítico musical na cultura brasileira. Este movimento buscava desacreditar a sociedade de consumo, a política brasileira do golpe de 64. Assim, influenciados por estas propostas, a juventude presbiteriana independente começa a produzir e a cantar músicas com ritmos e estilos brasileiros como o baião, o samba, etc. Nesse cenário a juventude protestante começou a adotar outro gênero e ritmos no decorrer dos cultos. Essa tendência foi bem estudada por Sergio Paulo Freddi Jr (2000) que constatou que, com o envelhecimento das igrejas protestantes brasileiras, novas práticas musicais surgiram, especialmente nos anos 70 e 80. Os Valores culturais começaram a ser questionados e a prática de músicas de origem mais brasileira, foram

introduzidos em algumas comunidades. O cristão deveria cantar a música do seu povo e pelo seu povo foi a tendência em determinados momentos.

As questões teológicas tinham a influencia da Teologia da Libertação, que denunciava a carência da população pobre e explorada que passou a ser cantada como prioridade nos textos desses cânticos. Os teólogos e músicos se prontificaram a escrever e compor músicas que trouxessem aos e evangélicos uma nova maneira de louvar a Deus. Já nos anos 1990 surgiram outras tendências musicais compostos de elementos musicais ligados à cultura pós-moderna global. Além dos cânticos, novas tecnologias, sensações visuais e auditivas começaram a ser experimentadas. A liberdade corporal cresceu e as emoções assumiram papel fundamental nas práticas respaldadas pelas teologias que legitimavam a riqueza material como sinal de bênçãos de Deus. (FREDDI JR, 2000).

A pesquisa de Freddi Jr (2000) aponta que as igrejas protestantes históricas, em especial as comunidades ligadas a IPI, vêm se apresentando com uma prática musical bastante diversificada. Embora haja respeito à tradição hinológica que a acompanha desde os seus primórdios, ela tem experimentado essas tendências todas. Cabe ressaltar ainda que se inseriu no seu universo litúrgico, práticas, músicas brasileiras mais regional com letras portadoras de alguma preocupação social e músicas presentes no universo evangélico brasileiro no qual a cultura musical “pop” internacional fazia parte.

Para Freddi Jr (2000), com essa inculturação cresceu a liberdade comportamental nas comunidades locais pertencentes à IPI. Com a aceitação de elementos culturais musicais estrangeiros que haviam sido considerados “mundanos”, torna-se incoerente a resistência às práticas culturais genuinamente brasileiras nos costumes musicais destas comunidades. Passam a fazer parte da vida cúltica, a guitarra elétrica usada com um aparelho amplificador de sons e ou um solo enérgico de bateria, acompanhados com textos voltados para uma vida celestial vistos com naturalidade em cultos das comunidades locais. Há também a presença de um repique de samba em algumas composições musicais ou às vezes o uso de um atabaque. Porém, os fiéis da IPI adotam estes modelos musicais da sociedade de consumo pós-moderna, deixando de lado as raízes da música brasileira. Assim esses jovens cantam nas comunidades locais o mesmo que se canta no seu cotidiano. Eles aderem as mesmas modas, são atraídos por celebridades construídas de acordo com as leis ditadas no mercado secular. O resultado deste processo foi a simpatia por

parte desses jovens a estes modelos musicais que são por eles adotados como

referencial de música para ser apreciada e consumida, a música gospel. Os autores, Antonio Sousa de Mendonça (2008), Jaqueline Ziroldo

Dolghie (2007) enfatizam a ligação do canto protestante com a pedagogia religiosa. Para eles, à música cabia o papel de auxiliar na pregação de uma mensagem nova. Alias essa ênfase no instrumental da música vem desde Lutero. O modelo adotado pelo protestantismo foi o mesmo usado nos cultos dos reavivamentos norte- americano. Porém, essa estrutura não foi usada da mesma maneira, assim, o culto protestante histórico firmou-se no principio pedagógico e racional. O culto passa a ter duas figuras importantes, o orador e o músico (DOLGHIE, 2007).

Desta maneira, a música nas comunidades protestantes passou a ser de competência dos agentes musicais, que se dividiam em corais, grupos vocais, quartetos, duplas e trios, grupos musicais para conduzir os cânticos para a congregação. Na fase mais recente dessa história o uso de play-back e outros recursos modernizantes foram utilizados para se fazer música nas igrejas protestantes. A variedade de produção musical no culto e sua subordinação à predica foi se enfraquecendo com o surgimento de novos grupos musicais paraeclesiásticos e a produção de corinhos e de novos cânticos, ditos espirituais. Para manter a centralidade da prédica, estes novos cânticos e corinhos foram marginalizados na liturgia oficial, produzindo uma tensão entre as novas produções musicais e a hinódia oficial e, entre a música e a prédica (DOLGHIE, 2007).

Na década de 90, com o crescimento das igrejas neopentecostais com a possibilidade das pessoas freqüentarem as comunidades evangélicas alternativas, a tensão entre prédica e a música tornou se ainda maior, porque agora o músico leigo assume muitas das novas igrejas o status de “levita”. Com a proliferação e a expansão e o mercado da música gospel, o agente musical se tornou mais valorizado e teve seu reconhecimento deixando a sua atividade atrelada apenas á instituição religiosa.

Segundo Dolghie (2007), como represália a esta nova produção musical e do seu agente ocorreu a perda de espaço no culto, porque o protestantismo é a religião da palavra, desta forma a prédica assume uma função quase sempre institucional, além do mais é servidora da teologia que determina o conteúdo doutrinário do grupo. Porém, o que se viu foi uma liderança carismática promovendo momento de “louvorzão” no culto e dividindo espaço com o pastor. Os leigos mais

jovens são os que legitimam essa liderança carismática e se isto acontece é porque o modelo do culto tradicional, baseado na prédica racional, já não responde as demandas

desta faixa etária no contexto da sociedade contemporânea. O sujeito contemporâneo, sobretudo jovem, não se contenta mais

com a forma do saber racionalizado, mas deseja sentir, tocar, reagir emocionalmente na adoração gospel, ele é convidado a reagir e não apenas a escutar e pensar. Para Dolghie (2007), as reações individuais é que determinam o rumo do culto ou melhor do espetáculo. A música que é gospel está associada com as tendências sociais e culturais da atualidade, está mudando a prática religiosa dos leigos e inculcando lhes um novo habitus.

Conclusão

Neste capítulo procuramos verificar à luz de autores da história cultural que lugar a música ocupa na construção psicossocial da identidade dos adolescentes e jovens pertencentes a uma igreja evangélica. Para isso foi feito um levantamento bibliográfico a respeito das relações entre a música e a formação da identidade jovem.

Verificamos a presença da música e sua importância na história musical dos povos antigos. Os gregos atribuíram uma grande importância à música, pois acreditavam em sua união com a vida religiosa e cívica, e mais, que por ela seria possível controlar a sociedade através da música. Para eles a música era vista como sendo uma dádiva divina para o homem, com ela, poderia alegrar a alma e assim apaziguar as perturbações de sua mente e de seu corpo.

A música foi considerada por algumas correntes culturais como um importante fator na formação da personalidade do ser humano, isso ocorre não somente por fazer desabrochar um lado criativo, mas porque pode vivificar a maioria das faculdades humanas e favorecer o desenvolvimento bio-psico-social. Faculdades humanas tais como: a vontade, a sensibilidade, o amor, a inteligência e a imaginação criadora, por isso a música é vista um fator cultural indispensável.

O estudo da música por ciências como a Psicologia, tem focado as relações entre a emoção, comportamento e os estados emocionais. Para melhor compreensão buscamos as considerações Pfromm Netto que alertou sobre as variações individuais que acontecem sob o domínio de comportamento emocional. O mesmo

estímulo pode produzir diversas respostas em diferentes sujeitos. A música pode servir como esse estímulo para produzir a resposta desejada.

A música gospel acontece porque estas músicas unem melodia e a letra fazendo as pessoas experimentarem um sentido de esperança e segurança nos atos divinos. Este estilo musical faz parte da renovação de gêneros musicais nacionais ou mesmo estrangeiros, um processo que acompanha a globalização, a diversidade e o pluralismo da sociedade pós-moderna.

O sujeito contemporâneo, sobretudo jovem, não se contenta mais com a forma do saber racionalizado, mas deseja sentir, tocar, reagir emocionalmente na adoração gospel, ele é convidado a reagir e não apenas a escutar e pensar. Para Dolghie (2007), as reações individuais é que determinam o rumo do culto, ou melhor, do espetáculo. A música gospel está associada com as tendências sociais e culturais da atualidade, está mudando a prática religiosa dos leigos e inculcando lhes um novo habitus.

No terceiro capítulo da nossa pesquisa trataremos os resultados da pesquisa de campo. Considerando o conteúdo absorvido do primeiro e segundo capítulo, vamos confrontar as respostas da população pesquisada e com os teóricos apresentados.

3 Capítulo

– O jovem protestante e a música:

Documentos relacionados