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3 TERRITÓRIO CANTUQUIRIGUAÇU E A EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE PINHÃO:

3.3 O MUNICÍPIO DE PINHÃO

3.3.1 A transformação do Distrito em Município

A emancipação política do município de Pinhão tem seu início nos anos de 1960. A empresa do Zattar, ainda que de maneira cruel, defendendo interesses próprios, contribuiu para que esse movimento acontecesse:

Na Zattarlândia, a serraria, seus equipamentos, os homens e suas famílias não só criaram uma cidade. Duas décadas depois, as raízes fincadas em Pinhão prenunciavam sua emancipação política. Pinhão desgarrou-se de Guarapuava e virou município em 1964. (MONTEIRO, 2008, p.39).

O processo que culminou na emancipação do município teve seu início com a elaboração de um abaixo-assinado com assinaturas da população, elaborado pelos pinhãoenses Renato Ferreira Passos, Decimar Cordeiro, Sebastião Passos Ferreira e João Gonçalves, que resolveram formar a comissão que lutaria pela emancipação.

A nós que aqui vivemos e laboramos, não importa que a cidade de Guarapuava fique mais bela [...] com suas luzes fluorescentes, para agradar a vista dos forasteiros que por lá aportam, quando nosso lume é ainda o antigo lampião a querosene.[...] Sendo criado o Município de Pinhão [...] o nosso dinheiro será gasto aqui mesmo, em obras dentro do nosso território [...]. Portanto, avante companheiros. Chegou a hora da nossa independência. (Trecho do Manifesto distribuído ao povo dos Distritos de Pinhão e Pedro Lustosa em 15 de outubro de 1963. PASSOS, 1992).

Segundo Passos41 (2015), “Esse documento solicitava aos deputados estaduais João Mansur e João de Mattos Leão a criação de um projeto de lei solicitando a emancipação do município de Pinhão”. O momento de emancipação foi marcado por tensões políticas, sendo assim descrito por Sampietro:

O deputado João de Mattos Leão, visando evitar o desgaste com os eleitores de Guarapuava, não quis aparecer como autor do projeto de lei, mas deu todo o apoio para a aprovação da lei e depois para a sanção pelo Governador do Estado. Vale ressaltar que o deputado apresentava interesses no futuro município, pois tinha negócios por aqui. E com isso, a lei foi aprovada sem delongas, criando assim o município de Pinhão. O prefeito de Guarapuava da época ficou descontente e alegou que o município não tinha condições para se sustentar. Mas no dia 15 de fevereiro de 1964, o governador Nei Braga sancionou a Lei que criava o município. (SAMPIETRO, 2011, p. 17). No dia 15 de fevereiro de 1964, o município de Pinhão foi desmembrado do município de Guarapuava, pela lei estadual nº 4823:

Em 31 de março daquele mesmo ano, um movimento revolucionário42 depôs o Presidente da República João Goulart, e as eleições municipais de Pinhão, que estavam marcadas para a mesma data, foram adiadas. A Justiça Eleitoral, após sete meses, marcou a data das eleições para 6 de dezembro daquele ano. No dia 18 de outubro de 1964, foi realizada a convenção de dois partidos para escolher os candidatos dos cargos de prefeito

42.Embora o autor chame o movimento de revolucionário, na verdade foi um golpe militar. “O golpe militar de 31 de março de 1964 tinha como objetivo evitar o avanço das organizações populares do Governo de João Goulart, acusado de comunista. Seu ponto de partida foi a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, quando o Congresso empossou temporariamente o presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzili, pois o vice-presidente encontrava-se em viagem à China. Enquanto João Goulart iniciava sua viagem de volta, os ministros militares expediram um veto à posse de Jango, acusado de comunista. O impedimento violava a Constituição, e não foi aceito por vários segmentos da nação, que passou a se mobilizar. Manifestações e greves se espalharam pelo país. Diante da ameaça de guerra civil, foi feita no Congresso a proposta de Emenda Constitucional nº4, estabelecendo o regime parlamentarista no Brasil. Dessa forma, Goulart seria o presidente com poderes limitados. Jango aceitou a limitação de seus poderes, esperando recuperá-lo em momento oportuno. O Congresso votou e Goulart tomou posse no dia 7 de setembro de 1961. O Primeiro Ministro indicado foi o deputado Tancredo Neves. O parlamentarismo durou até janeiro de 1963, quando um plebiscito pois fim ao curto período de parlamentarismo republicano. Em 1964, Jango resolve lançar suas polêmicas reformas de base. O presidente anunciava desapropriações de terras, nacionalização das refinarias de petróleo, reforma eleitoral (com o voto para analfabetos), reforma universitária, entre outras. A inflação chegou a atingir, em 1963, o índice de 73,5%. O presidente exigia uma nova constituição que acabasse com as estruturas arcaicas da sociedade brasileira. Os universitários atuavam por meio de suas organizações. A principal era a União Nacional dos Estudantes (UNE). Os comunistas de várias tendências, desenvolviam intenso trabalho de organização e mobilização popular, apesar de atuarem na ilegalidade. Diante do quadro de crescente agitação, os adversários do governo aceleraram a realização do golpe. No dia 31 de março de 1964 o presidente foi deposto, e as forças que tentaram reagir ao golpe sofreram dura repressão. Jango refugiou-se no Uruguai. Uma junta militar assumiu o controle do país. No dia 9 de abril foi decretado o Ato Institucional nº 1, dando poderes ao Congresso para eleger o novo presidente. O escolhido foi o general Humberto de Alencar Castelo Branco, que havia sido chefe do estado-maior do Exército. Era apenas o início da interferência militar na gestão política da sociedade brasileira”. (O GOLPE..., 2016).

e vereadores do município, onde foi escolhido o nome de senhor Dário A. Ribeiro como único candidato pelos dois partidos para disputar a eleição. No entanto, no dia seguinte a essa convenção, vieram para Pinhão os deputados João de Mattos Leão, Moacir Silvestri e João Mansur, os quais pretendiam que o prefeito a ser escolhido fosse o Sr. Ozires Seiler Roriz, que na época era gerente das indústrias João José Zattar, tendo como vice o Sr. Juvenal Estefanes. (SAMPIETRO, 2011, p. 18).

No dia 6 de dezembro de 1964, ocorreram as eleições municipais, prevalecendo o desejo dos deputados e da indústria; os eleitos tomariam posse no dia 15 de dezembro. No momento da posse, o Sr. Ozires demonstrou seu descontentamento, uma vez que não almejava o cargo de prefeito. Realizou um discurso afirmando que esse não era o seu desejo, retornando ao cargo de gerente da Indústria Zattar, em Bom Retiro. Fica clara aqui a relação entre política e poder econômico, que caracterizou desde o início a criação do município. Passados 90 dias, os vereadores reuniram-se e, então, cassaram o mandato do prefeito por abandono do cargo, empossando em seu lugar o vice-prefeito Juvenal Estefanes.

Figura 7 – Foto da rua Francisco Dellê, tirada da Torre da Antiga Matriz do Divino Espírito Santo, em 1969

Em 1965, o município de Pinhão era dividido em 4 distritos: Pedro Lustosa, Faxinal do Céu, Pinhalzinho e Bom Retiro, conforme lei estadual nº 5149, de 07 de junho do mesmo ano.

A década de 1970 foi marcada por muitos conflitos em busca de controle, reforçando assim que no território existem fortes relações de poder, como afirma Raffestin (1993):

Cada empresa, porém, utiliza o território em função dos seus fins próprios e exclusivamente em função desses fins. As empresas apenas têm olhos para os seus próprios objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras serão respeitosas do entorno econômico, social, político, cultural, moral ou geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de perturbação e mesmo de desordem. Nesse movimento, tudo que existia anteriormente à instalação dessas empresas hegemônicas é convidado a adaptar-se às suas formas de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno preexistente, grandes distorções, inclusive a quebra da solidariedade social [...] Pode-se dizer então que, em última análise, a competitividade acaba por destroçar as antigas solidariedades, frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente a interesses globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno. (SANTOS, 2003, p. 85).

A empresa defendia interesses próprios em busca de um controle do território e não se preocupava com as pessoas ou seu entorno, mas tão somente em adquirir posses. Segundo Porto,

Intensificaram-se as ações de funcionários da madeireira no confisco da produção agrícola e extrativista dos habitantes locais e morte de animais de criação, sua presença ostensiva e intimidatória no entorno das moradias, e, nos casos extremos, o incêndio de casas e paióis e as ameaças de morte. Também neste momento, a empresa passou a vender terras para descendentes de gaúchos do Paraná – em geral filhos não herdeiros de camponeses –, que têm uma

dinâmica produtiva distinta (o que traz dificuldades na convivência, principalmente com relação ao sistema de criação de animais soltos). Estes, contudo, também se tornam posseiros, pois processos anteriores de hipoteca de terras pela empresa impediram a regularização da venda das terras. (2013, p. 145).

Em 1987, após diversos problemas entre a indústria e os moradores do município, foi instituída a AFATRUP (Associação das Famílias de Trabalhadores Rurais de Pinhão), movimento que reunia os posseiros, os quais tinham apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT):

Nesse contexto, a construção e adoção da identidade de posseiro para definir uma coletividade que tem em comum o fato de se considerar, de algum modo, lesada pela empresa, se vincula a um ideal segundo o qual é a posse da terra que define seus verdadeiros donos, e não necessariamente a documentação. Posseiro, então, é um termo que, em Pinhão, abriga uma série de sujeitos em diferentes situações de conflito com a madeireira. Assim, identificaram-se como posseiros sujeitos que viviam na zona rural do município e que foram expropriados de suas terras pelas Indústrias Zattar. Também são posseiros sujeitos vindos de fora de Pinhão, que compraram terras da madeireira, mas não conseguiram obter suas escrituras devido a pendências jurídicas da própria empresa. Além destes, pessoas que se engajaram em um processo de reocupação das áreas tomadas pela firma também se uniram ao Movimento de Posseiros. E, finalmente, indivíduos que pertenciam aos quadros da empresa madeireira também se tornaram posseiros, quando a Zattar entrou em decadência nos anos 1990. O Movimento chegou a contar com cerca de 800 famílias, algo em torno de 3.000 indivíduos, marcados por suas inserções distintas nessa organização social. (PORTO, 2013, p.145- 146).

Naquelu período, os conflitos eram intensos, a Assembleia Legislativa do Paraná constituiu uma Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) para averiguar os casos ocorridos no município. (PORTO, 2013).

No dia 04 de setembro de 1994, a Comissão Pastoral da Terra realizou a IX Romaria da Terra, em Pinhão, com o tema “Tomem Posse da Terra e Habitem Nela”. Nesse momento, o município de Pinhão contava com cerca de 2.000 famílias de posseiros que lutavam bravamente, desde a década de 1950, e resistiam à fúria das madeireiras que, além de desmatar as grandes e últimas reservas de pinheiros do Paraná, utilizavam força para expulsar os posseiros que lá viviam. A realidade desses posseiros ficou marcada pela dura luta cheia de violência travada por pistoleiros (PORTO, 2013). Segundo Valcarenghi (2013, p. 87), “A Romaria aconteceu para celebrar a dor, mas também as conquistas e esperanças dos pobres da terra, na dura realidade das famílias de posseiros de Pinhão.”

Atualmente, a madeireira Zattar se encontra em situação de endividamento, enfrentando severas dificuldades para sanar suas dívidas, em razão da diminuição de sua atuação e trabalho no município. Enfrenta também a luta pela terra, movendo processos de reintegração de posse contra os posseiros.

No local onde se encontravam instaladas suas vilas e madeireiras, hoje está praticamente tudo abandonado. Podemos citar, como exemplo desse declínio a principal vila, Zattarlândia, que no Censo Demográfico de 1991 possuía 690 moradores; no ano de 2000, sua população contava 281 moradores; e, em 2010, apenas 80 moradores ainda permaneciam no local. (PORTO, 2013). As fotos a seguir evidenciam que o cenário que se tem é de total abandono:

Figura 8 – Casa em Zattarlândia (2015)

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015). Figura 9 – Zattarlânida, atualmente

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

Atualmente, na localidade onde estava instalada a madeireira Zattarlândia, funciona a Escola Estadual do Campo São José. Em entrevista, a diretora fala sobre a realidade da escola:

Bom, os alunos que frequentam a escola e moram aqui são muito poucos, vem mais das redondezas

Silvério, Barreiro, Poço Grande. Para vir eles utilizam o transporte escolar; hoje a escola tem 178 alunos de ensino fundamental e médio, temos pouca evasão. E contamos com o Programa Mais Educação, com 4 oficinas e o Preparatório para o vestibular.

Não tem indisciplina, nem violência, o problema que enfrentamos atualmente é não conseguir recursos para a escola, ficamos esquecidos. Um exemplo é a quadra, agora saiu uma emenda parlamentar com uma verba para nossa quadra, mas não sei quando será construída. O governo não investe aqui.

Recebemos merenda escolar regularmente, pois muitos alunos nossos saem cedo ainda com o tempo escuro de casa. Alguns nem comem antes de vir. Então a primeira refeição é na escola às 10 horas; merenda não dá para reclamar. Quanto aos materiais didáticos, temos graças aos programas dos quais participamos, como o Mais educação, que tem verba para investimento, caso contrário não sei como seria, ficaríamos esquecidos, como tudo por aqui. Temos acesso à internet, porém ela é lenta.

Com relação aos pais, hoje tem um evento aqui na localidade com a participação da comunidade escolar; os pais não participam muito, acredito que 30% comparecem à escola. Nas reuniões, eles vêm, o problema é o transporte escolar, por ser muito longe eles não conseguem vir. Tem localidade que é de difícil acesso; temos 178 alunos, 170 vêm para a escola com transporte escolar. Os alunos que moram mais distantes vêm de 30 km, para o pais virem para escola o aluno precisa ficar em casa. Como nossa prioridade é o aluno, os pais participam pouco. (DIRETORA43, 2015).

Figura 10 – Quadra da Escola Estadual do Campo São José

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

Também foi entrevistada a senhora “Maria”, que trabalha na escola como zeladora e vive há muitos anos na localidade, desde a época em que a Zattarlândia funcionava com todo fervor. Ela relata que:

Quando tinha a Zattarlândia era muito bom, tinha muito emprego, tudo o que tinha aqui era da firma, não precisava sair lá fora para comprar, era tudo da firma mesmo, tinha farmácia, médico, mercado, as pessoas vinham dos matos comprar no armazém do Zattar. Para os funcionários, ele criou uma moeda, com o nome de Boró; casa para os funcionários conforme o cargo exercido: a casa do gerente era grande e se destacava em relação a dos outros funcionários, era diferente, maior e mais bonita. Até cinema nós tínhamos, emprego para os homens, e para as mulheres, a limpeza da casa dos patrões. As patroas eram boas, quando vinham de Curitiba traziam tudo novo, lençol, pano de prato, toalha de banho e cobertor; quando retornavam a Curitiba, deixavam tudo para as empregadas, sempre foram bons patrões. Daí passou um tempo e começou a cair. Quando veio a lei que não podia cortar pinheiro e imbuia, a firma começou a quebrar, porque vivia do Pinheiro e da Imbuia. Eles passaram a lidar com o Pinus, mas o pinus não deu muito lucro. Os donos

mais velhos foram morrendo, foram ficando os filhos, então foi acabando e por fim terminou tudo o Zattar. (MARIA44, 2015).

Na fala da dona Maria percebe-se que, apesar das dificuldades enfrentadas na época, decorrente das perseguições, mortes, entre outras atitudes de manipulação e extorsão, existia, por parte dos moradores, certo conformismo em razão de algumas comodidades que a empresa franqueava aos moradores, ainda que em benefício próprio, e do próprio controle que a firma exercia sobre a população, o que de certa forma gerava submissão e gratidão, estabelecendo uma relação de segurança entre o proprietário e o empregado.

Uma relação de poder tão grande exercida pelos patrões, ainda que permeada por tantas formas de exploração, fazia com que as pessoas não se sentissem exploradas e, por consequência, nem cultivassem o desejo de se libertar. Muitas vezes, nem mesmo o queriam, pois não saberiam viver de maneira independente; aprenderam que as relações de poder são como o ditado popular: “manda quem pode, obedece quem precisa”. De certa forma, uma situação próxima àquela descrita por Garcia Júnior sobre a realidade vivida nos engenhos:

O que retém os moradores nos limites do engenho não é só a expectativa de um grito a lembrar que o senhor precisa deles, é toda esta vasta organização da vida social, envolvendo trabalho, residência, trocas materiais, práticas religiosas, festas, que se desenvolve dentro de seus limites e constitui uma espécie de força centrípeta que os atrai “naturalmente’ para dentro do espaço dominado pelo poder do senhor, e limita os horizontes mentais (“uma geografia mínima”), desviando-os e isolando-os do mundo social mais abrangente (GARCIA JR., 1990, p. 46).

A “fascinação” exercida pela empresa sobre os funcionários fez com que muitas pessoas vendessem suas terras para os seus proprietários e, na sequência, assinassem com a firma um contrato de trabalho, passando a integrar, a partir de então, o quadro de trabalhadores da madeireira, estabelecendo com ela uma relação de submissão, mas, ao mesmo, tempo de segurança.

Com o relato da dona Maria, percebe-se a divisão de trabalho que ocorria entre os funcionários: os que moravam distantes, em áreas de

desmatamento, vinham uma vez por semana comprar seus mantimentos no armazém. Os sujeitos que moravam ao redor da madeireira possuíam alguns privilégios, de acordo com os serviços prestados ao patrão. O trabalho prestado determinava o valor do salário, bem como o padrão da casa em que residia com a família. Nessa relação, ficava clara a questão de hierarquia existente dentro da empresa, situação que gerava uma disputa entre os funcionários, fazendo com que desempenhassem suas funções cada vez melhor para agradar o patrão, com o objetivo de atingir certa ascensão profissional.

Outra questão importante é a moeda instituída pela própria empresa:

O barracão da serraria nasceu pelas mãos desses homens, que trabalhavam descalços. Trabalhavam por duzentos e cinquenta réis a hora, que mais tarde, bem mais tarde, virariam boró, o dinheiro que circulava nas vendas, armazém e farmácia de Zattarlândia. O boró, uma ideia de João José Zattar, considerada avançada para a época, tinha o mesmo valor de compra, um por um, da moeda então vigente, o cruzeiro. Os comerciantes, depois, trocavam na empresa os borós, com cores e valores diferentes, por dinheiro. “Ao invés de pagá-los com dinheiro, dávamos o boró. Eles iam no armazém, compravam, e o boró voltava para o escritório. Era melhor assim: um tanto em boró e o outro, em dinheiro”, diz Zuzo (MONTEIRO, 2008, p.47-48).

Percebemos que, além de todas as instalações criadas para “suposto” benefício dos funcionários, a empresa possuía um sistema econômico próprio, a moeda, a qual utilizava para pagar seus trabalhadores. A moeda foi inventada por eles mesmos e sempre retornava para a empresa. Os trabalhadores compravam na farmácia ou nos armazéns da própria Zattarlândia, sem outra opção para gastar seu dinheiro. Assim, com o estabelecimento dessa moeda, as pessoas estavam limitadas a gastá-la dentro dos marcos de domínio da própria empresa.

Diante do quadro exposto, observamos que a instalação da empresa no município gerava certo sentimento de ambiguidade nos moradores em relação ao empreendimento, pois, ao mesmo tempo em que provocou expropriação de terras, violência e mortes, colocou o distrito, hoje município de Pinhão, no mapa do estado do Paraná. É

interessante observar o discurso presente na memória dos antigos moradores: ao mesmo tempo em que o proprietário mandava queimar casas e assassinar pessoas, era considerado um homem bom, pois “ajudava” seus funcionários.

Atualmente, não existe mais essa estrutura relatada pelas pessoas; no local existem poucas casas habitadas, em meio a várias construções de madeira, abandonadas.

As estradas que ligavam uma serraria à outra não são mais fechadas com portões. Conforme relato dos antigos moradores, existiam portões e capangas. Ainda que fossem públicas, em dias de chuva ninguém transitava nas ruas, pois, os portões eram fechados por ordem