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A TV na redefinição do espaço público contemporâneo

CAPÍTULO I O ESPAÇO PÚBLICO

3. A PLURALIDADE DO ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO

3.1. A TV na redefinição do espaço público contemporâneo

Se a esfera pública de Habermas, alicerçada nos meios impressos de pequena dimensão e na interação interpessoal, estava assente discurso racional, como funcionará esta mesma esfera nesta nova era, das sociedades de messa e dos novos media? (Santos, 1998: 13). “Há espaço para a renovação das discussões democráticas? Ou os novos media atrofiam esses espaços de discussão, dado que instituições tradicionais como os cafés e os salões desapareceram?” (Santos, 1998: 13).

Os trabalhos académicos em torno dos meios de comunicação de massa partem, inicialmente, do pressuposto que estes são muito poderosos no que à influência das suas mensagens diz respeito, “com causa de efeitos diretos, imediatos e totais sobre audiências dispersas”. Estes conceitos levam à elaboração da teoria da agulha hipodérmica (Santos, 1998:142). A primeira revista sobre comunicação de massa surge em 1937, dez anos depois da publicação de Propaganda techniques in the world war, de Harold Lasswell. Paulatinamente, em especial depois da Segunda Guerra Mundial, o pensamento desvia-se para a sociologia quantitativa, a que se associa Paul Lazarsfeld, que forjará o termo “pesquisa administrativa”. Nasce a corrente empírico-funcionalista dos meios de massa, que atinge a época áurea na década de 50 no estudo do papel da comunicação de massa nos processos decisivos: votar, comprar, ir ao cinema, mudar de opinião” (Santos, 1998:143).

É também nesta década que surge a teoria “two step flow of communication”, de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld, como rectificação da teoria da agulha hipodérmica. Esta nova teoria traça dois níveis de influência das mensagens mediáticas – as informações veiculadas pelos media são enfraquecidas, alteradas ou transformadas pelos líderes de opinião local, amigos ou familiares dos recetores – e torna a análise do comportamento dos meios mais complexa. “Um outro momento das teorias das audiências questiona as características anteriores e aponta para o reforço da capacidade de influência dos meios, nomeadamente a televisão. Esta torna-se dominante: a partir dos anos 70, estabelece-se como meio de informação para a maioria das pessoas” (Santos, 1998:143).

Em Politics and television (1968), o casal Lang analisa a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento eleitoral da população americana, onde a televisão contribui para a construção e desconstrução do clima político e da imagem dos candidatos e partidos. Em Television in

politics, Blumler e McQuail avaliam o papel da televisão nas eleições gerais britânicas de 1964 e analisam os seus efeitos a partir das motivações dos telespectadores e das exposições perante este meio. “A televisão forma a imagem dos líderes políticos e sociais e retrata os indivíduos influentes da esfera cultural” (Santos, 1998:143).

A partir dos anos 50 do século XX, com a fácil aquisição dos equipamentos, a televisão consegue chegar junto de indivíduos pertencentes a categorias sociais menos favorecidas. E, na década de 1960, alcança camadas de maiores rendimentos e próximas da cultura escrita, até então hostis a este meio. Num primeiro momento, há a ideia de “grande público”, conceito indiferenciado do telespectador. “Ver televisão confere representação à realidade, o que conduz à análise de comportamentos e reações dos indivíduos e dos grupos perante a televisão. Cada vez mais, os meios de comunicação - em especial a televisão - constituem as principais fontes de informação para o público” (Santos, 1998:144).

Conforme os meios de comunicação vão entrando no centro da vida social e política, vão-se alterando as práticas jornalísticas e as ligações com as forças governamentais. Esta mudança acarreta uma maior publicidade e exposição dos projetos políticos e das figuras públicas, ampliando também a exposição da vida privada das referidas figuras (Santos, 1998:144).

Os profissionais dos media, regendo-se pelas leis do público (que vê ou ouve as emissões), procuram tornar agradáveis as notícias; estas passam a incluir ingredientes dramáticos, destacando acontecimentos ao invés de problemáticas, reduzindo as questões a personalidades conhecidas mas aceitando também a inclusão de populares que conferem maior “realismo” ao produto informativo. “A noção de soundbite, da informação ligeira e digerível, ganha crescentes apoios, pois se considera que assim se consegue prender a atenção das audiências. A construção das grelhas televisivas reflete tal espírito de leveza e popularidade que tem em conta a presença da audiência nos resultados comerciais” (Santos, 1998:144).

Influenciado as decisões dos atores políticos, os media passam a assumir parte do controlo dos acontecimentos. A televisão, além de adquirir o papel de transcrição dos debates, torna-se também o lugar onde estes se desenrolam; “de instância de publicidade dos debates, a televisão ocupa o espaço discursivo prioritário. Como instrumento da palavra, das ideias e dos debates, a televisão alcança o estatuto de ágora ou fórum público do nosso tempo, torna-se lugar da confrontação social, com os jornalistas a terem o poder de gerar acesso” (Santos, 1998:145).

O poder passa a exercer-se a montante, estando a cobertura mediática reservada a determinadas pessoas, categorias sociais ou ideias, com os jornalistas a selecionarem os que

possuem ou não o direito de acesso à palavra e a legitimarem discursos ou práticas sociais diárias. Os candidatos fazem-se conhecer através dos media, em especial da televisão, esperando que as suas principais declarações sejam noticiadas. “Isto conduz a que as elites se adaptem ao estilo audiovisual e procurem conselheiros em comunicação ou publicitários, acompanhem as tendências das sondagens para adequarem posturas, seguindo estágios de simulação antes de passar às emissões políticas televisivas, onde adaptam o seu discurso com um léxico combinando capacidades de memorização e compreensão das audiências” (Santos, 1998:145).

O espaço público, anteriormente representado pelo foro parlamentar, pela praça pública e outros locais de encontro e debate, é agora substituído pelo espaço eletrónico, onde cidadãos se encontram unidos a partir do espaço individual e privado das suas casas, através da televisão (Santos, 1998:146).

“À passagem do espaço público clássico para a ágora virtual, acresce-se a capacidade de deslocalização: se o espaço grego, ou mesmo medieval, era localizado e concreto, o espaço público virtual e hertziano não se fixa a um local ou espaço, mas atravessa comunidades e culturas e agrega a espectacularização permanente. Se o espaço público se reduz com as sondagens, os diretos televisivos, a programação média da televisão, o ideal habermasiano de discussão das ideias, da cultura e da arte precisa de um grande esforço em congregação de vontades para se refazer nos nossos dias” (Santos, 1998:146).

Com a expansão dos media e a criação de estudos de opinião e sondagens, introduziram-se profundas alterações nas instituições governantes, designadamente o parlamento. A democracia parlamentar clássica dá lugar a uma democracia mediatizada. Estas perspetivas acentuam-se ao longo do século XX, com a subordinação da opinião pública aos partidos e organizações. A democracia participativa transforma-se numa democracia aclamativa (Santos, 1998:147).

Se o espaço público clássico diz respeito a todo o espaço público existente, o espaço público contemporâneo, suportado pelos meios de comunicação e pelas redes de telecomunicações, vê tecnologizadas as suas formas de mediação, transformando-o num simulacro. “Por seu turno, a esfera pública torna-se indissociável da atividade da comunicação social, a partir do trabalho de vários atores de comunicação política: homens políticos, jornalistas, forças sociais ou grupos de interesses, e intelectuais” (Santos, 1998:147).

A comunicação política que acontece no espaço público procura avaliar o conjunto de meios onde as mensagens oriundas dos agentes e centros de decisão política circulam. Esta comunicação abrange diversas formas de expressão, desde as políticas (campanhas eleitorais, tomada de posse dos

governantes, manifestações de rua, comícios) às mediadas pelos jornalistas (programação televisiva e radiofónica, publicidade e relações públicas) (Santos, 1998:148).

Dominique Wolton, em Pensar a Comunicação (1999: 374), oferece uma proposta otimista sobre o espaço público. Wolton parte da definição de Habermas e considera, ao invés deste, não ter havido uma feudalização do espaço público, mas sim uma expansão do seu espaço simbólico. Não se trata de um espaço imposto, como o das eleições, mas simboliza a atividade da democracia, com terminologias e valores comuns, bem como um reconhecimento mútuo de legitimidades, expresso e mantido por diferentes atores sociais, políticos, religiosos ou culturais, continuamente em contradição.

Para Lopes et. al (2011: 230), uma qualquer observação do espaço público contemporâneo nunca será completa se nela não incluirmos uma análise do meio televisivo, designadamente do campo jornalístico. “Ao fazer da publicitação das relações humanas o vetor contínuo da sua atuação, a informação televisiva assume-se como mecanismo privilegiado na transformação dos factos privados e sociais em factos públicos, operando nas sociedades atuais as maiores mudanças qualitativas do mapa social” (Lopes et. al, 2011:230). Apesar disto, os autores referem que há ainda quem procure retirar à informação televisiva a capacidade de promover um “debate que problematize questões atuais, que interesse a todos, sem ser voyeurista naquilo que procura saber, nem excessivamente intimista nas perguntas formuladas aos respetivos interlocutores” (Lopes et. al, 2011:230).

De facto, a televisão vê-se frequentemente envolvida em pressões do foro económico, o que faz com que muitas vezes ceda em favor dos gostos dos mais mediáticos, dos mais populares, ou dos mais poderosos. Victoria Camps (2004: 45) refere que, por essa razão, a televisão não deve assumir “o cenário idóneo para que se converta na ágora deliberativa no nosso tempo” (Lopes et. al, 2011:231) Para Lopes et. al (2011:231), a visão da filósofa não estará, de todo, inadequada mas, ainda assim, e como a própria filósofa também reconhece, não será eficiente uma postura demonizadora perante o meio audiovisual.

Em “Um ecrã informativo saturado pelas elites da capital – Análise dos plateaux dos canais generalistas e temáticos de informação, Felisbela Lopes e Luís Miguel Loureiro (2012:7) referem que é através do pequeno ecrã que temos acesso ao que de mais importante se passa no mundo; mas, simultaneamente, a construção mediática da realidade também reconstrói a perceção que temos do mundo. “Chamando a si o papel de “aduaneiro”, o jornalista seleciona temas, instituições e pessoas que serão expostas à luz pública, passando-os, deste modo, para o centro da comunicação pública” (Lopes & Loureiro, 2012:7).

José Luis Dader (1992: 152, citado por Lopes & Loureiro, 2012: 8) encara os media como um “novo rei Midas, capaz de converter, não em ouro, mas em ‘público’ tudo aquilo em que toca”. Neste mapa social reconfigurado, os jornalistas que trabalham em televisão têm uma influência ainda mais notória. Para Charo Lacalle (2001: 21-23, referido por Lopes & Loureiro, 2012: 8), esta nova realidade construída pela televisão pode ser encarada como sendo uma “cartografia virtual do espaço de representação” que, embora apresente um desenho diferente da “geografia do mundo”, acaba por reunir uma força de representação tal que ultrapassa o mundo empírico.