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Informação e serviço público: um retrato do "Jornal 2"

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Academic year: 2020

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Informação e Serviço Público – um retrato

do “Jornal 2”

R ui Carlos P er eir a T eix eir a Informação e Ser viço Público – um re trato do “Jornal 2”

Instituto de Ciências Sociais

Rui Carlos Pereira Teixeira

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Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Felisbela Lopes

Instituto de Ciências Sociais

Rui Carlos Pereira Teixeira

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Ciências da Comunicação

Área de Especialização em Informação e Jornalismo

Informação e Serviço Público – um retrato

do “Jornal 2”

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Nome: Rui Carlos Pereira Teixeira

Endereço electrónico: ruipteixeira@outlook.pt Telefone: 912952057

Número do Cartão de Cidadão: 14006149

Título da Dissertação: Informação e Serviço Público – um retrato do “Jornal 2”

Orientadora: Professora Doutora Felisbela Lopes Ano de conclusão: 2015

Designação do Mestrado: Mestrado em Ciências da Comunicação. Área de Especialização em Informação e Jornalismo.

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, 23 de abril de 2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço de forma muito particular aos meus pais, pelo enorme esforço e pelo incansável empenho no meu crescimento, educação e formação.

Agradeço também à Doutora Felisbela Lopes pela orientação, acompanhamento e conselhos dados ao longo de todo este processo.

Aos meus colegas da Licenciatura e do Mestrado, com quem partilhei os bons e maus momentos de uma inesquecível vida académica, deixo também o meu agradecimento.

Aos meus velhos amigos, que há já muito me acompanham nesta jornada, agradeço por sempre terem acreditado que este desfecho seria possível.

Por último, agradeço a todos os docentes da Universidade do Porto e da Universidade do Minho com os quais tive oportunidade de me cruzar e aprender.

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INFORMAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO – UM RETRATO DO “JORNAL 2”

RESUMO

Este trabalho toma a informação televisiva como tema central, desenvolvendo um estudo que procura analisar os conteúdos informativos do “Jornal 2”, principal bloco noticioso da RTP 2, emitidos entre 1 de setembro e 28 de novembro de 2014. Atendemos de forma particular aos temas e aos convidados deste noticiário procurando avaliar o modo como se manifestou o serviço público nos processos editoriais de produção deste bloco informativo. Sustentado numa base teórica que procurou integrar as principais propostas dos televisivos, iremos, com base nessas investigações, refletir na informação televisiva oferecida pelo principal programa de informação do canal dois do operador público. Como conclusões do nosso estudo poderemos destacar: o acompanhamento regular e considerável das temáticas culturais, embora os assuntos fortes da agenda se assumam como prioritários; e a forte aposta num amplo painel de convidados, maioritariamente do ramo académico, chamados para analisar os temas de cultura, sociedade e política.

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INFORMATION AND PUBLIC SERVICE – A PICTURE OF “JORNAL 2”

ABSTRACT

This work takes the television news as a central theme, developing a study that tries to analyze the informative contents of the "Jornal 2", RTP 2 main news show, broadcasted between September 1st and November 28 of 2014. Attending specially to the themes and guests of this show, we tried to analyze how the public service was manifested in the editorial processes of production of this newscast. Supported by a theoretical basis that tried to include the principal proposals of television studies, we will, based on these investigations, reflect on television information offered by the publics operator channel two’s main information show. As conclusions of our study we can highlight: a regular and substantial monitoring of cultural themes, although strong agenda issues arrive as a priority; and an investment on a large group of guests, mostly academics, called to analyze the themes of culture, society and politics

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ÍNDICE

NOTA INTRODUTÓRIA ... 1

CAPÍTULO I - O ESPAÇO PÚBLICO ... 5

1. PRIVADO VS. PÚBLICO – CONTRIBUTOS DE HANNAH ARENDT ... 6

2. O ESPAÇO PÚBLICO DE HABERMAS ... 9

2.1. Críticas e reformulações ao conceito habermasiano ... 12

3. A PLURALIDADE DO ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO ... 17

3.1. A TV na redefinição do espaço público contemporâneo ... 21

CAPÍTULO II - A INFORMAÇÃO EM TELEVISÃO ... 27

1. O MEIO TELEVISIVO: DESENVOLVIMENTO E AFIRMAÇÃO ... 28

2. O ESTUDO DA TELEVISÃO: UM CAMPO MULTIDISCIPLINAR ... 33

2.1. Da proto à pós-televisão ... 36

3. A INFORMAÇÃO TELEVISIVA ... 41

CAPÍTULO III - A TELEVISÃO E O SERVIÇO PÚBLICO ... 47

1. DO INTERESSE PÚBLICO AO SERVIÇO PÚBLICO ... 48

1.1. Os desafios da atualidade ... 54

2. A RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL ... 56

CAPÍTULO IV - “O DIA EM 40 MINUTOS” ... 63

1. OPÇÕES METODOLÓGICAS ... 65

1.1. Constituição e descrição do corpus analítico ... 65

1.2. Categorização dos dados recolhidos ... 66

2. O DOMÍNIO DA AGENDA MEDIÁTICA ... 71

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3.1. A aposta no comentário e análise ... 75

3.2. Opinião no estúdio e fora dele ... 76

3.3. O tempo que não é entrave ... 77

3.4. A Cultura como fator diferenciador ... 78

3.5. Uma opinião que se escreve no masculino ... 81

3.6. A voz do Norte em destaque ... 81

3.7. A ausência das elites do poder ... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 91

ANEXO I – CATEGORIAS TEMÁTICAS ... 96

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Categorização temática adotada ... 67

Tabela 2 - Distribuição geral dos conteúdos informativas ... 72

Tabela 3 - Contabilização dos géneros jornalísticos utilizados em função das temáticas abordadas .. 74

Tabela 4 - Ligação dos comentadores ao noticiário ... 76

Tabela 5 - Contabilização das temáticas abordadas pelos convidados analisados ... 78

Tabela 6 - Sexo dos convidados analisados ... 81

Tabela 7 - Estatuto profissional dos convidados analisados ... 83

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Duração dos espaços de comentário e análise ... 77

Gráfico 2 - Distribuição das sub-temáticas do comentário cultural ... 79

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O estudo do campo audiovisual, nomeadamente aquele que diz respeito à transmissão de programas televisivos, assume-se nos dias de hoje como um eixo essencial de análise e investigação histórica, cultural e social. De facto, uma aprofundada reflexão sobre o meio televisivo, tal é a sua preponderância na sociedade, dar-nos-á interessantes respostas sobre a visão como concebemos o mundo (Missika & Wolton, 2005:10).

O estudo do jornalismo televisivo, devidamente enquadrado nos contextos político, social e geográfico em que se insere, assume particular interesse na desconstrução da realidade televisionada. Sendo a televisão um meio privilegiado, de acesso facilitado e custos reduzidos, através do qual a generalidade da população mundial contacta com a atualidade, o estudo da informação e o modo como esta é transmitida aos cidadãos levanta imediatamente uma série de questões: Terão verdadeiro interesse as estórias a que, todos os dias, temos acesso? E será efetivamente real a realidade continuamente (re)construída pelo pequeno ecrã? Por que razão determinadas posições sociais são aqui catapultadas para a visibilidade pública? E que franjas da população, por outro lado, parecem ser constantemente esquecidas?

Na presente investigação, incidiremos a nossa análise sobre o “Jornal 2”, noticiário estreado em março de 2014 no segundo canal da estação pública nacional (RTP) na sequência da renovação da grelha e da implementação da emissão a Norte. Sustentados numa sólida base teórica marcada por referenciados estudiosos da área, partimos para um estudo empírico que procurou responder, essencialmente, a três seguintes questões:

i. Quais são as temáticas predominantes deste espaço informativo?

ii. Que vozes protagonizam os espaços de entrevista e comentário e que espaço público constrói este bloco noticioso?

iii. De que forma se manifestam no alinhamento as exigências do impostas pelo serviço público?

Nesse sentido, num primeiro capítulo centramo-nos na definição do conceito de Espaço Público. Partimos dos contributos deixados por Hannah Arendt, cujo trabalho se centra na análise social da Grécia Antiga e opõe as noções de público e privado, e incidimos posteriormente na Esfera Pública de Habermas, evidenciando a importância da racionalidade dos argumentos no processo de ascensão dos indivíduos. Não esquecemos também as críticas e reformulações – do próprio Habermas e de outros investigadores – que reconstruíram estas premissas. E teremos ainda em conta a redefinição do Espaço Público contemporâneo (impulsionada, entre outros, pela imprensa comercial,

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pelo surgimento e afirmação dos media audiovisuais ou pelo desenvolvimento das estratégias de relações públicas), avaliando num último momento a importância da televisão nesta redefinição.

No segundo capítulo, olhamos para a especificidade da informação televisiva. Um olhar que começa pela história, desenvolvimento e tecnologia do próprio meio e segue depois para a reflexão acerca da sua importância histórica e progressiva penetração na sociedade. Encaramos, de seguida, a multidisciplinariedade dos estudos televisivos, traçando um perfil evolutivo do meio (da proto à pos-televisao). E, finalmente, olhamos de forma isolada para o jornalismo praticado em televisão, tendo presentes as várias características que lhe estão associadas, onde o poder determinante da imagem adquire evidente destaque.

No terceiro capítulo, debruçamo-nos sobre a temática do Serviço Público de Televisão, tendo como base a complexa discussão em torno do Interesse Público, dos princípios que o norteiam e das obrigações pelos quais este se devia reger. Os desafios que a atualidade coloca a estas definições, devidos em grande parte ao rápido crescimento dos media interativos, são também abordadas neste capítulo. É, ainda, feita uma abordagem histórica à RTP, enquanto serviço de televisão estatal português e, em último lugar, analisamos o Contrato Concessão do Serviço Público de Televisão de 2008, particularmente as cláusulas respeitantes à grelha da RTP 2, canal responsável pela transmissão do bloco noticioso que dá mote a esta investigação.

Encerrado o enquadramento teórico, dedicamos o capítulo seguinte ao estudo empírico que, como referido anteriormente, incide sobre o noticiário de horário nobre da RTP 2, o “Jornal 2”. Depois de uma detalhada explicação sobre as opções metodológicas por nós tomadas, os dados obtidos ao longo dos três meses de análise (e que culminaram no registo de 65 noticiários, 783 peças jornalísticas e 250 convidados) são categorizados e devidamente enquadrados. Num segundo momento, procedemos à organização dos resultados e, também, ao cruzamento de diferentes variáveis, de onde retiramos as primeiras conclusões sobre o tratamento noticioso e sobre a informação emitida pelo “Jornal 2” (com base nas temáticas abordadas), sobre o espaço público construído por este noticiário (a partir dos convidados recebidos em plateau) e sobre a presença ou ausência do Serviço Público de Televisão neste processo.

Finalmente, as últimas páginas deste trabalho são dedicadas às considerações finais da investigação. Nelas não só evidenciamos as conclusões mais pertinentes que podemos retirar deste estudo, como também traçamos uma espécie de modelo deste “Jornal 2”, no que respeita aos três principais pontos de referência da análise: o tratamento noticioso, o espaço público e o serviço público.

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CAPÍTULO I

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A definição da palavra “espaço” remete-nos para um substantivo masculino associado, entre outros, a um “intervalo entre limites”, ao “tempo em geral”, ao “tempo em que se opera”, ao “tempo que medeia entre duas operações ou atos” ou à “capacidade de lugar ou sítio”.1 Se, de igual modo,

atentarmos no conceito de “público”2, o dicionário da língua portuguesa apresenta-nos um adjetivo e

um substantivo masculino com utilizações semelhantes. No primeiro caso, para qualificar algo que é “relativo ou pertencente ao povo, à população”, “que serve para uso de todos” ou “que é do conhecimento de todos”. No segundo caso, quando utilizado para definir “a população em geral”, um “conjunto de pessoas que assiste a algo, geralmente um espetáculo ou uma emissão” ou ainda um “conjunto de pessoas que se interessa por algo ou ao qual se dirige determinada mensagem ou produto”. Em ambas as situações, está patente a dicotomia geral versus privado e público versus particular.

Ora, ao partirmos das definições acima enunciadas, várias poderão ser as formas a partir das quais pode ser apresentada a noção de “espaço público”: ou como sendo um intervalo que limita as questões públicas das privadas, ou como o tempo referente às discussões coletivas ou até como a capacidade de chegar ao interesse da população em geral. Na verdade, são várias as discussões em volta deste conceito, no qual os media desempenham um papel preponderante, e vários são os autores que, ao longo dos tempos, se têm debruçado sobre este assunto.

1. PRIVADO VS. PÚBLICO – CONTRIBUTOS DE HANNAH ARENDT

"O pensamento, muito embora seja uma ocupação solitária, depende dos outros para ser possível"

Hannah Arendt in Lições Sobre a Filosofia Política de Kant As primeiras teorizações sobre a dicotomia público-privado remontam à Grécia Antiga. Em “As esferas pública e privada”, Hannah Arendt, filósofa política alemã e uma das mais influentes do século passado, apresenta a esfera privada como sendo “a esfera da casa (oikos), da família e daquilo que é próprio (idion) ao homem. Baseia-se em relações de parentesco como a phratria (irmandade) e a phyle (amizade)” (Antunes, 2004:2). Esta esfera, caracterizada como um “reino de violência”, personifica o chefe da família como uma figura autoritária que exerce o seu poder sobre os seus subordinados (mulher, filhos e escravos). Neste meio, onde não existe qualquer “discussão livre e racional”, as pessoas vivem subordinadas “por necessidades e carências biológicas (por exemplo: alimentação, alojamento, segurança face aos inimigos). A necessidade motivava toda a atividade no lar: o chefe da

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família proporcionava os alimentos e a segurança face a ameaças internas (por exemplo: revoltas de escravos) e externas (outros senhores que quisessem destruir uma dada casa e família), a mulher era propriedade do chefe da família e competia-lhe procriar e cuidar dos filhos, os escravos ajudavam o chefe da família nas atividades domésticas” (Antunes, 2004:2).

A desigualdade é, pois, a palavra de ordem desta esfera apresentada por Arendt. Um elemento – o chefe de família – comanda os restantes, sem qualquer limitação imposta pela justiça ou leis da época, e estes deixam-se comandar. “Na esfera privada, o homem encontrava-se privado da mais importante das capacidades - a ação política. O homem só era inteiramente humano se ultrapassasse o domínio instintivo e natural da vida privada” (Antunes, 2004:3).

Surge, por isso, a noção de esfera pública3, associada à “esfera do comum (koinon) na vida

política da polis. Baseia-se no uso da palavra e da persuasão através da arte da Política e da Retórica” (Antunes, 2004:3). Já Aristóteles havia apresentado a esfera pública como sendo um domínio da vida política, exercido através da ação (praxis) e do discurso (lexis). Os cidadãos, ao participarem nos vários assuntos da polis, exercitavam a sua vida política. “Vencer as necessidades da vida privada constituía a condição para aceder à vida pública. Só o homem que tivesse resolvido todos os assuntos da casa e da família teria disponibilidade para participar num reino de liberdade e igualdade sem qualquer coação” (Antunes, 2004:3).

Contrariamente aos pressupostos basilares da esfera privada, a esfera pública caracteriza-se por uma igualdade entre os seus elementos constitutivos. “O poder da palavra através da persuasão (a prática da retórica) substitui a força e a violência da esfera privada. Os cidadãos livres e iguais da esfera pública da polis opõem-se, assim, às relações de dominação e de propriedade sobre os subordinados do oikos” (Antunes, 2004:3). Desta forma, não há uma figura que exerça um poder soberano sobre as restantes e, consequentemente, também não existem figuras de poder inferior que se deixam comandar. E todos os intervenientes são livres de expressar em público as suas opiniões.

Enquanto no oikos o homem apenas protege a sua sobrevivência biológica, na polis desenvolve a coragem para arriscar essa sobrevivência e ter acesso à vida política. Passa, assim, a afirmar uma individualidade discursiva que contraria a socialização limitada pela vida biológica privada. “Ser cidadão da polis, pertencer aos poucos que tinham liberdade e igualdade entre si, pressupunha um espírito de luta: cada cidadão procurava demonstrar perante os outros que era o melhor exibindo, através da palavra e da persuasão, os seus feitos singulares, isto é, a polis era o espaço de afirmação e reconhecimento de uma individualidade discursiva” (Antunes, 2004:3).

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Marco Antunes, em “O público e o privado em Hannah Arendt” (2004:4), esclarece sobre a relação de reciprocidade entre a ação humana e a vida em sociedade que, para Arendt, é uma das causas da incorreta tradução da expressão animal político, de Aristóteles, por animal social. “Esta substituição do político pelo social é a consequência da conceção latina da sociedade como uma sociedade da espécie humana, na qual os homens se associam para viver juntos em função de fins específicos”.

Para Arendt, o animal político de Aristóteles alude à existência de uma “característica matricial e única da condição humana,” que se traduz na ação política dos cidadãos dentro de um espaço livre e igual; essa ação permite ao homem escapar da “organização instintiva e biológica” que é a casa e a família. Segundo Arendt, Aristóteles não queria apenas fazer referência à faculdade racional da fala, mas sim à “capacidade dos cidadãos da polis confrontarem opiniões através do discurso. Contrariamente, todos os que viviam fora da polis (mulheres, crianças, escravos e bárbaros) estavam impedidos não da faculdade de falar, mas do poder de discursarem publicamente uns sobre os outros confrontando opiniões” (Antunes, 2004:4).

Sendo um fenómeno pré-político originário da Grécia Antiga, a esfera privada da família depressa se transformou num "interesse coletivo" controlado pelo “monopólio de um Estado soberano”. Esfera privada e esfera pública relacionam-se assim mutuamente. “Na época contemporânea, Marx recebeu dos modernos economistas políticos a ideia que a política é uma função da vida social e o pensamento, o discurso e ação são superestruturas dependentes da infraestrutura económica” (Antunes, 2004:4) situação que, para Arendt, anula a dualidade clássica entre as esferas pública e privada.

No decorrer da Idade Média, porém, novas oposições entre a esfera privada social e a esfera pública política se levantaram. Com a queda do Império Romano, a Igreja Católica passou a fornecer um importante “substituto para a cidadania anteriormente outorgada pelo governo municipal”. E por mais "profana" que a Igreja fosse, a comunidade de crentes unidos pela mesma fé era mantida. “O sagrado monopolizava a vida social e a vida política” (Antunes, 2004:5). O feudalismo também trouxe embaraços a estas premissas. “O senhor feudal administrava a justiça aplicando as leis na esfera privada e na esfera pública. Comparativamente, o chefe de família da Grécia Antiga só conhecia a lei e a justiça na polis. Na esfera privada da casa e da família, isto é, nas primeiras formas de efetivação do social, o chefe da família grega podia dominar os escravos, a mulher e as crianças sem qualquer limite judicial ou legal” (Antunes, 2004:5).

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Na Idade Média, defende Arendt, a expressão "bem comum" não tinha o seu significado ligado à política, mas à permuta dos interesses materiais e espirituais dos vários indivíduos. “Estes só podiam conservar a sua individualidade privada quando um deles se encarregava de garantir os interesses partilhados pela comunidade. A existência desta situação explica-se devido a uma mentalidade cristã, que reconhecia o bem comum extensível à vida privada e à vida pública” (Antunes, 2004:5).

De acordo com Arendt, “o pensamento medieval, que concebia a política e a família subordinados ao fim divino, foi incapaz de compreender o abismo originário entre a esfera privada e a esfera pública” (Antunes, 2004:5). A filósofa assegura ainda que “Maquiavel foi o único autor pós-clássico que reconheceu a separação entre a esfera privada e a esfera pública. Em O Príncipe, Maquiavel defende, tal como os gregos, a coragem como uma qualidade política essencial. E procura restaurar a identidade clássica da política através da figura do Condottieri (mercenário), o qual passa da privacidade das circunstâncias naturais existentes em todos os indivíduos para o domínio público do Principado” (Antunes, 2004:5).

2. O ESPAÇO PÚBLICO DE HABERMAS

“A esfera pública burguesa pode ser concebida, antes de mais, como a esfera em que pessoas privadas se juntam enquanto um público”

Jürgen Habermas in Öffentliches Räsonnement Inspirado pelos conceitos de esfera pública e privada de Hannah Arendt, o filósofo alemão Jürgen Habermas (1961) debruçou-se sobre a polis grega e o comportamento dos cidadãos no exercício da vida pública, procurando encontrar no modelo grego a “origem histórica do pensamento europeu sobre os conceitos de “público” e “privado”” (Barros, 2008:24).

Sendo a esfera pública o “espaço do convívio comunitário, onde os cidadãos livres se encontravam para compartilhar, valorizar e transformar a cultura, os desportos, a guerra e as opiniões” (Barros, 2008:24), a liberdade e a igualdade entre os participantes serão os pressupostos básicos e as condições necessárias para a “realização da política em seu sentido mais amplo, de discussão e de disputa. Os que se destacavam no uso do discurso e na ação política alcançavam a imortalidade da fama” (Barros, 2008:24).

A análise histórica de Habermas aponta para o grau de autonomia do cidadão perante as condições de sobrevivência como o principal critério para o acesso à esfera pública grega. Em oposição a esta esfera, e tal como apresenta Arendt, reside o privado, “o espaço da vida doméstica e

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familiar, local onde se garantia a sobrevivência. O surgimento de cidades e a intensificação do comércio propiciaram o encontro de cidadãos livres e a discussão de temas de interesse comum” (Barros, 2008:24).

Na Idade Média não havia separação entre as esferas pública e privada, na medida em que não acontecia a discussão pública – “a representação pública não era discernível da representação privada. O conceito de representatividade pública vinculava a autoridade ao senhor feudal, ao rei, ao sacerdote. Estava relacionado, portanto, ao cargo, aos atributos da soberania, à hereditariedade, ao status da pessoa e não a um setor social” (Guedes, 2010:2). A separação entre o Estado e a sociedade e, consequentemente, entre as esferas pública e privada, aconteceu no decorrer da formação da sociedade moderna.

Com o desenvolvimento do capitalismo mercantil do século XVI e as mudanças das formas institucionais do poder político, surgiram as condições necessárias para o aparecimento de um novo conceito de esfera pública na Europa. Mas só nos séculos XVII e XVIII, com o desenvolvimento do capitalismo, a esfera pública assumiu uma forma própria. A "sociedade civil" emergiu como um domínio de relações económicas privatizadas, fundadas sob a proteção da autoridade pública (Serrano, 1998:2).

“Entre a esfera da autoridade pública e a esfera privada da sociedade civil, emergiu uma nova esfera de um público – a esfera pública burguesa – em que indivíduos considerados como seres privados se reuniam para discutirem, entre si, assuntos relacionados com a regulação da sociedade civil e a conduta do Estado” (Serrano, 1998:2). Neste novo modelo de esfera pública, externa ao sistema político, as atividades do Estado podiam ser sujeitas a crítica. E o meio através do qual essa crítica era exercida tinha, por si só, uma interpretação: o uso público da "razão" usada, livremente, por pessoas privadas.

A esfera pública burguesa, na conceção de Habermas (2003: 42), “(…) pode ser compreendida inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas num público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social (…) ” Trata-se, no fundo, de um mecanismo de manutenção dos interesses coletivos, embora esta esfera só estivesse aberta à participação dos cidadãos com propriedades e conhecimentos – os burgueses – e, por isso, fosse sujeita aos seus interesses. Não obstante a estas contradições, o autor entende este espaço como um lugar no qual a expressão e a ação comunicativa podem “favorecer uma consciência coletiva

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capaz de possibilitar uma existência solidária, não coerciva, libertadora e igualitária entre os homens” (Barros, 2008:25).

Pode ainda considerar-se que o desenvolvimento da esfera pública foi impulsionado pela luta dos burgueses na transformação do estado absolutista em estado burguês. Estas mudanças saíram fortalecidas com o engajamento de instituições sociais, com destaque para partidos políticos e a imprensa (Barros, 2008:25).

O papel da imprensa periódica teve, pois, particular importância na emergência da esfera pública. Com o surgimento dos jornais de teor crítico nos finais do século XVII, abriu-se caminho para um novo espaço de debate público (Serrano,1998:2).

“Nesse contexto, os meios de difusão ou de publicidade assumiram o papel de mediação, possibilitando o diálogo entre a burguesia, as outras classes que foram surgindo e o Estado” (Barros, 2008:25). A luta entre classes passou a concretizar-se através de ações partidárias e, simultaneamente, as críticas ao estado passaram a ser veiculadas pela imprensa.

De uma forma geral, a esfera pública de Habermas pode ser encarada como um espaço onde os membros de uma sociedade discutem questões sociais, culturais e políticas na base de uma argumentação racional (Sá, 2006: 11). Como consequência, o espaço público é, segundo as teses habermasianas, “um espaço de discussão marcadamente comunicacional, onde a verdade resultaria da discussão racional entre os intervenientes e onde, por outro lado, a capacidade dos membros da sociedade de convencerem outros depende da racionalidade e responsabilidade partilhada dos seus argumentos” (Sá, 2006: 11). Seguindo esta linha de pensamento, a função da opinião pública passa, para Habermas, pela legitimação das decisões políticas através de um processo comunicativo “apoiado nos pressupostos de um consenso racionalmente motivado” (Sá, 2006: 11).

Em 1981, com a publicação da obra Théorie de l´Agir Communicationnel, o filósofo alemão vai mais longe na sua tipificação do espaço público burguês, apontando o advento da sociedade de massas como o despoletar da decomposição deste espaço público.

A obra de Habermas supracitada, que constitui uma visão sociológica da racionalidade ocidental, está assente sob uma premissa preponderante: a da “pragmática universal”, um conceito em estreita articulação com a “regulação ética” das condições de argumentação, “fundada numa moral do orador, que é obrigado a colocar-se no lugar do outro e submeter-se a um conjunto de condições, como, por exemplo, a sinceridade, quando toma a palavra” (Sá, 2006: 11).

Enquanto que, para Habermas, o espaço público assenta na racionalidade dos argumentos, as propostas de Hannah Arendt distanciam-se, em larga escala, deste pensamento. No seu modelo da

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esfera pública grega, Arendt coloca a ênfase na retórica e no domínio do confronto político, marcados pela mediação da linguagem- “A polis grega era, também por isso, o espaço da afirmação e reconhecimento de uma individualidade discursiva” (Sá, 2006: 12). Em oposição, o espaço privado grego é o lugar da família onde o chefe exerce sobre mulher, filhos e escravos o seu domínio autoritário, sem qualquer limitação, “impondo sobre eles o poder de vida e de morte” (Sá, 2006: 12). Desta forma, o poder público só será integralmente humano quanto se ultrapassar o domínio da esfera privada, pautada pela desigualdade e violência. “Daí que participar na esfera pública, caracterizada por valores totalmente opostos – igualdade, liberdade e o uso persuasivo da linguagem – constituísse uma espécie de libertação de uma outra condição humana mais de acordo com o espírito da polis” (Sá, 2006: 12).

Em suma, enquanto que Habermas insiste na ideia da “racionalidade argumentativa” como meio para obter a verdade, Arendt, que desconfia desta definição, opta pelas noções de opinião e persuasão” (Sá, 2006: 12).

2.1. Críticas e reformulações ao conceito habermasiano

O trabalho de Habermas, embora tenha influenciado várias investigações, foi também alvo de diversas críticas. Em “A produção de noticias e a esfera pública internacional” (2001), Sónia Serra evidenciou algumas dessas críticas ao trabalho habermasiano, tais como: a aplicação inadequada do conceito no contexto histórico; o facto de se subestimar que, embora idealmente universal, a esfera pública burguesa punha de parte as mulheres, os pobres, os analfabetos e as minorias étnicas; o não reconhecimento da importância das esferas públicas alternativas (formadas, por exemplo, pelos movimentos operários); o excessivo estreitamento do conceito, ao separar a esfera pública da esfera privada; e a atribuição, na fase do capitalismo tardio, de um papel demasiado negativo à imprensa e exageradamente passivo à audiência.

Em The Media and Modernity: A Social Theory of the Media (1995: 71), John Brookshire Thompson debruça-se sobre o desenvolvimento dos media, que veio alterar as noções de espaço e tempo da vida social e deu origem a renovadas formas de interação, formas essas que deixam de estar associadas a um lugar comum. No mesmo trabalho, o sociólogo inglês refere que Habermas desconsiderou a relação quase sempre conflituosa entre a esfera pública burguesa e os movimentos sociopopulares. O investigador acusa o filósofo de ter sido descuidado com as restantes atividades públicas que existiram, na Europa, nos séculos XVII, XVIII e XIX, e que ou não integraram a sociedade burguesa, ou a ela se opuseram ou dela foram excluídas (Thompson, 1995: 71). Thompson refere

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ainda que, do mesmo modo que a esfera pública burguesa emergente se definiu como oposição à autoridade tradicional do poder real, também se confrontou com a desordem dos movimentos populares que procurou englobar. O conceito habermasiano de esfera pública revela-se, portanto, como um conceito excludente, visto que diz respeito a um espaço, dito público, mas na verdade voltado para os interesses e valores de uma classe emergente na sociedade (Thompson, 1995: 71).

As críticas ao trabalho do filósofo alemão concentram-se, no fundo, na desigualdade de acesso à esfera pública. “Com isso, alguns autores reduziram o modelo habermasiano ao aspeto dialógico, com base na comunicação interpessoal, julgando-o ultrapassado pela complexidade da comunicação contemporânea. Outros propuseram a sua validade como padrão normativo ou crítico – um ideal” (Barros, 2008:26).

Pode ainda salientar-se a confusão criada pela adaptação do termo “esfera pública” para definir a atuação dos próprios meios de comunicação de massa. Ora, se é verdade que os media disponibilizam expressões, discursos ou imagens, também é verdade que o acesso aos conteúdos por eles veiculados e a sua seleção são controlados pelos meios que regulam o sistema. Não se trata, portanto, de um “espaço aberto, acessível à discussão” e não se pode, de igual modo, confundir a visibilidade criada pelos media com a noção de esfera pública (Barros, 2008:26). Neste entendimento, o espaço de visibilidade mediática deve ser encarado como o conteúdo disponibilizado pelos media para o conhecimento comum; por seu turno, a esfera pública deve funcionar como meio da argumentação. Manifesta-se, desta forma, a “complexidade e o potencial ambíguo” dos media ao gerarem uma esfera de debate inerente ao espaço de visibilidade, cujas funções vão para além de proporcionar um fórum. Os meios de comunicação assumem um papel vigilante junto das instituições sociais e estatais e, concomitantemente, o de mobilizador (Barros, 2008:26).

No seu trabalho, Ana Barros (2008:26) faz também referência aos contributos de Schudson (1992), para quem o conceito de esfera pública de Habermas deve ser rejeitado dado não se tratar “de um espaço mas de um conjunto de atividades que constituem a autorreflexão e o autogoverno numa sociedade democrática”. Um conceito que é distinto “na Europa do Leste dos anos 1980 e nas democracias liberais. Nestas últimas, a sociedade civil não é necessariamente oposta ao Estado” (Barros, 2008: 26). Esta oposição dá-se em situações específicas, sobretudo aquando das falhas das instâncias mediadoras, nas quais os membros da sociedade participam com a tomada de decisões. Na sociedade civil, entre o Estado e as pessoas privadas, existem “instituições intermediárias”, como a Igreja, os media, os partidos políticos ou as associações. O mesmo autor defende que o Estado deve ser inserido dentro da esfera pública, mas não como uma dimensão alheia da vida social. Se, no

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contexto europeu, os meios de comunicação podem ser classificados como uma “esfera de governo”, na realidade americana detêm um “grau maior de separação do governo, mas que mesmo assim é historicamente variável” (Barros, 2008: 26).

Numa entrevista à revista académica brasileira “Famecos” (2005:11), Dominique Wolton compara o seu ponto de vista com a visão habermasiana. Enquanto que Habermas atribui à comunicação a função de assegurar o consenso nas sociedades democráticas, Wolton encara-a como geradora de conflitos da sociedade moderna. Para o sociólogo francês, é esta a principal diferença nas definições de ambos:

“Para Habermas, sabe-se, esse é um modelo do século XVIII elitista, o espaço público é limitado, a comunicação é limitada às elites e, de facto, a sociedade era controlada pelo espaço público e pelas elites. Eu tenho uma visão muito mais da sociedade de massa, da abertura e então penso que o papel da comunicação é ainda mais importante porque ela é justamente o espaço que permite que os pontos de vista contraditórios se expliquem, se exponham claramente e, de uma certa maneira, pela violência das palavras se impede a violência dos golpes. Então, eu sou habermasiano, mas muito mais numa lógica de sociedade aberta e de democracia de massa com relação a ele que ficou muito mais restrito a uma democracia de elite. Eu acredito que a democracia de massa hoje não tem nada a ver, ou melhor, não tem grande coisa a ver com o contexto intelectual no qual estava inscrito Habermas. Habermas era um alemão fascinado pela violência do fascismo, enquanto eu sou um francês que faz parte de um outro mundo, apesar das guerras e dos conflitos”.

Críticas como estas provocaram a reflexão de Habermas e “contribuíram para a reelaboração de conceitos. O autor reapresentou a noção de esfera pública, considerando sua função normativa e defendendo sua validade empírica” (Barros, 2008:27).

Habermas reconheceu que a sua proposta inicial, que apresentava a esfera pública como um fórum para a formação da opinião pública, entrou em declínio devido a evolução das estratégias publicitária e de mercado (que vieram intensificar o carácter comercial dos media) e à amenização da dicotomia público-privado com o desenvolvimento das medidas de segurança social. Abandonando o modelo bipolar que opunha a sociedade civil e o Estado, Habermas passou a considerar “diversos públicos ou arenas discursivas espalhados pela sociedade. A esfera pública passou a ser o lugar de conflito entre diferentes grupos de interesse que procuram os media para manipular a audiência, ou o público. O termo “público” aqui pode ser empregado para referir-se a fenômenos distintos, como algo aberto e disponível a todos (visibilidade); algo potencialmente concernente a todos (de interesse comum) e como uma reunião de pessoas, ou audiência” (Barros, 2008: 28).

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Na revisão do conceito em 1997, Habermas caracteriza a esfera pública ou espaço público como um espaço de discussão, fundamentado na capacidade de confronto de argumentos racionais com opinião baseada na razão. “A soberania do povo, em sociedades complexas, passou a ser entendida como um processo prático de argumentação, fruto da intercetação e sobreposição de discursos” (Barros, 2008:28).

Em “Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy” (1990), Nancy Fraser defende que existem “públicos fortes” e “públicos fracos”: de um lado, os indivíduos com acesso direto ao sistema político e, de outro, os cidadãos que sustentam a opinião pública. Das permutas que entre esses públicos ocorrem, podem resultar mudanças nas tomadas de decisão. “Por meio desse modelo de circulação de poder político de mão dupla, Habermas procura demonstrar que o público deliberante pode interferir nas tomadas de decisão, particularmente em situações de crise” (Barros, 2008:28). Com a revisão do conceito, a esfera pública habermasiana passa a assemelhar-se a uma “rede para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões” (Barros, 2008:27). Nessa rede complexa, ramificada em “arenas” locais, regionais, nacionais ou internacionais, os públicos, “diferenciados e segmentados por temas, interesses e níveis de organização conseguem, em determinados momentos, dialogar por terem uma linguagem comum e por estarem integrados pelos meios de comunicação” (Barros, 2008:29).

Não é mais um conjunto de indivíduos que forma a esfera pública, mas sim um conjunto de grupos auto-organizados que, numa espécie de arena, expõem e discutem os problemas que necessitem de uma resolução. “Portanto, não é uma instituição, organização, ou sistema. Não regula, pois não tem uma estrutura normativa. Caracteriza-se pela sua abertura, por ser permeável e se deslocar, sendo um fenômeno social. Todos os assuntos são tidos como passíveis de debate na esfera pública, desde que ganhem status político de um tema de interesse geral” (Barros, 2008:29).

Na reformulação do conceito, Habermas identificou três tipos de esfera pública, sendo uma delas gerada pela imprensa: a “esfera pública abstrata”. Neste espaço, os media trabalham no sentido de conectar públicos diversos e isolados geograficamente. Habermas reconhece o poder de alguns “atores institucionais” que conduzem a agenda e conteúdos dos media, quase sempre inacessíveis a “atores coletivos” externos ao sistema político ou a grandes instituições. “No entanto, em situações de crises sociais, a esfera pública, ao tornar-se alvo dos atores da sociedade civil, pode desempenhar um papel mais crítico e ativo e, diante das dificuldades estruturais, transformar o fluxo de comunicação e poder” (Barros, 2008:30).

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Mais recentemente, em 2006, em Dresden, na Alemanha, Habermas estabeleceu a distinção entre três elementos das democracias modernas:

i. a autoridade privada dos cidadãos;

ii. a cidadania democrática, ou seja, a inclusão de cidadãos livres e democráticos numa mesma comunidade;

iii. a independência da esfera pública que opera como um sistema intermediário entre o Estado e a sociedade. Estes funcionam como pilares das democracias liberais (Midões, 2008:4).

Habermas acrescentou que “a Teoria Normativa serve de guia para a investigação em determinados aspetos da ciência política, pois explica a afinidade entre o liberalismo político e a teoria económica da democracia, bem como o republicanismo e as aproximações comunitárias. Por sua vez, o modelo deliberativo está mais interessado na função epistemológica do discurso e na negociação” (Midões, 2008:5).

O paradigma deliberativo procura, por isso, afirmar-se como um “ponto de referência no processo democrático, gerando legitimidade no processo de opinião” e possibilitando igual oportunidade de participação. “A maior parte das vezes, esta participação acontece através do voto, contudo, como prática democrática, a ação de votar deve, para Habermas, requerer que os votantes tenham em conta que ‘every vote counts’” (Midões, 2008:5).

No sentido de testar este poder deliberativo, Habermas colocou uma questão polémica acerca da homossexualidade a um grupo de indivíduos. Cinco semanas depois, esse grupo foi colocado em interação a fim de ser debatida a questão e as opiniões individuais. Cinco semanas depois, novamente em debate, os indivíduos voltaram a expressar o seu parecer. Como resultado, as opiniões finais que cada um apresentou revelaram ser bem diferentes das apresentadas inicialmente. E mais ainda: estavam melhoradas no que respeita ao conhecimento e informação do assunto debatido. “As deliberações em grupo resultaram numa mudança unidirecional e não na polarização de opiniões, ou seja, houve tendência para uma normalização das opiniões (Teoria Normativa) e não uma pluralidade de posições” (Midões, 2008:5).

Habermas considera que o espaço público político carece de comportamentos deliberativos e é dominado por uma comunicação mediada. Aponta ainda a ausência de quatro aspetos essenciais:

i. a interação “face-a-face” entre os participantes ativos deste espaço; ii. uma troca idêntica de opiniões;

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iv. e um uso estratégico do poder político e social para influenciar as agendas, estruturando os assuntos do público (Midões, 2008:5);

3. A PLURALIDADE DO ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO

“Há dois eixos que se cruzam na discussão contemporânea do espaço público: um, que distingue as noções de público e privado; e

um outro, que parte da separação problemática entre real e virtual”

Lopes et. al in“Espaço público e media: a quadratura do circo”

As evoluções social, cultural, política, económica e tecnológica, e a dinâmica a elas intrínseca, vieram redimensionar e requalificar a noção de espaço público (Guedes, 2010:1). “Tal cenário impõe à sociedade contemporânea a necessidade de repensar esse lugar de discussão e de refletir, à luz dos fatores que o impactam e o redefinem, sobre os modos como, nele, os atores sociais se organizam e atuam” (Guedes, 2010:1).

Se, no século XVII, o desenvolvimento da imprensa despoletou o aparecimento de uma esfera pública única – a esfera pública burguesa –, o advento da tecnologia e o fenómeno multimédia da segunda metade do século XX motivaram a pluralização do espaço público como o conhecemos hoje (Guedes, 2010:7). “As inúmeras formas de comunicação e de informação que o atravessam e o sustentam permitem a compreensão de um mundo que vai além das experiências pessoais e o transformam num campo de muitas vozes, numa arena de interesses convergentes e divergentes. O espaço comunicacional mudou e, hoje, é expandido pela tecnologia, que pode gerar espaços públicos parciais” (Guedes, 2010:7).

Para uma melhor compreensão do espaço público contemporâneo, Bernard Miège, em “O espaço público: perpetuado, ampliado e fragmentado” (2004), invoca os modelos comunicacionais em vigor nas sociedades democráticas, e que contribuíram para a reorganização deste espaço. São eles:

i. a imprensa comercial, direcionada para o lucro e camuflada na forma e a difusão de informações, a partir dos meados do século XIX;

ii. os media audiovisuais de massa, designadamente a televisão, cujo

desenvolvimento aconteceu em paralelo com desenvolvimento da publicidade comercial e com a ascensão das técnicas de marketing;

iii. as relações públicas generalizadas, com uso de técnicas e estratégias de sedução, da parte das grandes organizações, dos partidos políticos dominantes e dos Estados. Nuria Cunill Grau (1997) debruçou-se sobre as novas formas de representação democrática, como estruturas ampliadoras da esfera pública. Em Repensando lo publico a través de la sociedad, e

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tendo como ponto de partida o trabalho de Habermas, a investigadora chilena do ramo das ciências sociais discute a falácia de se circunscrever o público à esfera estatal, traçando uma análise histórica dos processos de deslocação do público para o social. Para a autora, o alargamento do espaço público é uma consequência da consolidação da sociedade, a partir da renovação dos sistemas de intermediação, representação e participação social – todos eles determinantes para a perda do monopólio do poder político. Segundo Grau, a sociedade civil impõe a existência de um “setor intermediário” – que diz respeito à representação, negociação e interlocução social – e um “setor terciário” – referente à satisfação das necessidades públicas pelos cidadãos. É a partir daqui que se desencadeiam os processos de expansão e revitalização do espaço público, onde a participação dos cidadãos assume um papel de preponderância, designadamente no controlo do Estado.

Para Maria João Silveirinha (2004: 206, citada por Guedes, 2010:8), há espaço público “sempre que todos os afetados em geral pelas regras de ação sociais e políticas se envolvem em discurso prático para testar sua validade”. Verifica-se a existência de múltiplos públicos, de diversas dimensões aos quais, consequentemente, equivale a quantidade de redes de que se formam em redor de interesses específicos e especializados, e que se afastam de um discurso comum.

Ronaldo Nunes Linhares (1999: 36) entende que, se na sociedade moderna, “onde o espaço público era o lugar de busca de consenso, que padronizava e categorizava os desejos privados tornando-os públicos e descentrando-os para a sustentação e justificação do poder, atualmente a sociedade não procura o consenso pelo igual, absoluto e universalizante. Nesse sentido, desenvolve-se o esforço de conviver e aceitar o diferente, (...) o género, a etnia, a diversidade”. O renovado espaço público é, desta forma, construído a partir “das novas formas de comunicação e do estabelecimento de convivências com o novo e o diverso, impulsionados pela revolução tecnológica” (Linhares, 1999:36).

A este propósito, Silveirinha refere que a pluralidade de espaços públicos retrata a “realidade social, em que classes e setores sociais diversos vivem e se relacionam” (Guedes, 2010:8-9). Keane (2001:194-195), também referido por Guedes (2010:9), afirma que o espaço público contemporâneo demonstra pluralidade e fragmentação, perante múltiplos espaços comunicativos ligados em rede, não mais limitados à territorialidade e que “por isso rodeiam e fragmentam irreversivelmente qualquer coisa que anteriormente se assemelhasse a uma única esfera pública espacialmente integrada”.

De facto, as novas tecnologias da informação e comunicação vieram fazer o que, em tese, o espaço público da interação face-a-face jamais poderia conseguir. “Vivemos, hoje, numa época de relações mediadas, que vieram substituir as relações diretas. Essa mediação, representada

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especialmente pela Internet e as plataformas online, multiplica as relações sociais” (Thompson, 1995).

Em trabalhos mais recentes, Habermas apresenta a sociedade contemporânea como um conjunto de arenas, interatuantes e especializadas. Do sistema político fazem parte instituições como o parlamento, os tribunais e o governo e, a cada uma, corresponde uma função específica, seja política, legislativa ou administrativa (Midões, 2008:6). “Mas, este sistema político é apenas um dos vetores sociais que influencia a formação da opinião pública, porque a sociedade, ou melhor, a esfera pública está enraizada num conjunto de mensagens, notícias, comentários, imagens com um conteúdo informacional, que podem vir dos mais variados agentes sociais (…) O mais interessante é que estes atores/agentes sociais são, na grande parte das vezes, selecionados, tal como as mensagens, pelos profissionais dos meios de comunicação de massa” (Midões, 2008:6).

Esta conceção acaba por chocar com o paradigma deliberativo de Habermas de que falamos anteriormente, até porque a deliberação (enquanto elemento fundamental da democracia) deve exercer três funções:

i. a de mobilizar e conciliar diferenças relevantes, requerendo informação e especificando as interpretações;

ii. a de processar cada uma das informações fluentemente, tendo em conta os argumentos a favor e contra;

iii. a de originar atitudes motivadas que possibilitem uma correta decisão (Midões, 2008:6).

Assim, resumidamente, o modelo deliberativo de Habermas “espera que a esfera pública assegure a formação de opiniões variadas, o que seria um modelo com legitimidade democrática, numa interação completa entre o Estado e o meio social envolvente. Mas, nesta mesma sociedade, mediando comunicações entre Estado e Sociedade Civil estão os meios de comunicação e os seus profissionais que, segundo Habermas, produzem um discurso de elite e, ainda para cúmulo, mal alimentado por aqueles que lutam para influenciar os media” (Midões, 2008:6).

Os media são, na verdade, como que influenciados por aqueles que dominam os grandes grupos políticos e económicos. Fernando Correia defende que “o facto de praticamente todos os grandes órgãos de informação, quer se trate da imprensa, da rádio, da televisão e do online, pertencerem a grandes grupos económicos, define uma realidade que decisivamente condiciona as funções sociais dos media e os próprios contornos do panorama mediático nacional” (Correia, 2006:

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86). Esta conceção de Correia leva-nos a encarar os media como elementos condicionados e que não proporcionam da melhor forma o modelo deliberativo habermasiano.

Mas, no entendimento do filósofo alemão, sendo o espaço público composto por vários elementos, cada um desses elementos detém além dos poderes e influências a capacidade de seleção e contribuição na discussão de assuntos relevantes. “Habermas considera que cada indivíduo tem uma capacidade crítica e que não se deve limitar à agenda e à mensagem definidas pelos meios de comunicação de massa, que têm como base uma ideologia política, económica ou social” (Midões, 2008:8).

Lopes et. al (2011:223), em “Espaço público e media: a quadratura do circo”, referem a existência de dois eixos que se cruzam na discussão do espaço público contemporâneo:

i. o que distingue as noções de público e privado;

ii. e o que parte da complexa separação entre real e virtual.

De acordo com os investigadores, “há dificuldades em encontrar uma definição para este conceito. Poucos serão os que ainda arriscam delimitar o que só pertence ao público e o que é exclusivamente privado. Igualmente, não será tarefa fácil a dos que se queiram debater com a questão da realização e reificação do espaço público na contemporaneidade mediática, sejam os que o tomam já como mero simulacro, sejam os que preferem a sua concretização substitutiva como espaço público mediatizado, o que leva a que outros, ainda, partindo de uma analítica dos media como quarto poder, identifiquem na presente crise uma situação ameaçadora e um verdadeiro perigo para o próprio Espaço Público” (Lopes et. al, 2011:223).

O facto de não se reduzir o espaço público à dicotomia público-privado, nem tampouco à mediação entre Estado e sociedade civil, está, segundo os autores, relacionado com o desenvolvimento tecnológico dos espaços de controlo da mediação, onde os meios de comunicação de massa assumiram um papel preponderante. Os media levaram ao extremo noção de “desenvolvimento de métodos de planeamento racional (que) mais não visaram do que controlar diretamente o acontecimento, produzindo-o” (Lopes et. al, 2011:224).

É precisamente a substituição do espaço público pelos seus “correlatos mediáticos e mediatizados”, por outras palavras, a substituição do acontecimento pela notícia, a principal discussão da complexa separação entre o real e o virtual. Para os autores, trata-se, contudo, de uma fusão destes dois eixos. “Um dos modos de analisar esta fusão é a partir do conceito no seio do qual se fundem igualmente as noções de público e privado: o espectador. Ao atingirem com uma força inaudita a vida privada, os media tecnológicos vêm reforçando o surgimento de um espectador

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paradoxal que, contrariamente ao que sucedia na época clássica, já não aparece na ágora da polis. Se existe, para este telespectador contemporâneo, uma ágora, esta só poderá desenhar-se sobre uma inversão que opera a partir do seu próprio espaço de intimidade, o que nos remete para o acima referido processo de diluição da fronteira entre o público e o privado” (Lopes et. al, 2011:224).

3.1. A TV na redefinição do espaço público contemporâneo

Se a esfera pública de Habermas, alicerçada nos meios impressos de pequena dimensão e na interação interpessoal, estava assente discurso racional, como funcionará esta mesma esfera nesta nova era, das sociedades de messa e dos novos media? (Santos, 1998: 13). “Há espaço para a renovação das discussões democráticas? Ou os novos media atrofiam esses espaços de discussão, dado que instituições tradicionais como os cafés e os salões desapareceram?” (Santos, 1998: 13).

Os trabalhos académicos em torno dos meios de comunicação de massa partem, inicialmente, do pressuposto que estes são muito poderosos no que à influência das suas mensagens diz respeito, “com causa de efeitos diretos, imediatos e totais sobre audiências dispersas”. Estes conceitos levam à elaboração da teoria da agulha hipodérmica (Santos, 1998:142). A primeira revista sobre comunicação de massa surge em 1937, dez anos depois da publicação de Propaganda techniques in the world war, de Harold Lasswell. Paulatinamente, em especial depois da Segunda Guerra Mundial, o pensamento desvia-se para a sociologia quantitativa, a que se associa Paul Lazarsfeld, que forjará o termo “pesquisa administrativa”. Nasce a corrente empírico-funcionalista dos meios de massa, que atinge a época áurea na década de 50 no estudo do papel da comunicação de massa nos processos decisivos: votar, comprar, ir ao cinema, mudar de opinião” (Santos, 1998:143).

É também nesta década que surge a teoria “two step flow of communication”, de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld, como rectificação da teoria da agulha hipodérmica. Esta nova teoria traça dois níveis de influência das mensagens mediáticas – as informações veiculadas pelos media são enfraquecidas, alteradas ou transformadas pelos líderes de opinião local, amigos ou familiares dos recetores – e torna a análise do comportamento dos meios mais complexa. “Um outro momento das teorias das audiências questiona as características anteriores e aponta para o reforço da capacidade de influência dos meios, nomeadamente a televisão. Esta torna-se dominante: a partir dos anos 70, estabelece-se como meio de informação para a maioria das pessoas” (Santos, 1998:143).

Em Politics and television (1968), o casal Lang analisa a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento eleitoral da população americana, onde a televisão contribui para a construção e desconstrução do clima político e da imagem dos candidatos e partidos. Em Television in

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politics, Blumler e McQuail avaliam o papel da televisão nas eleições gerais britânicas de 1964 e analisam os seus efeitos a partir das motivações dos telespectadores e das exposições perante este meio. “A televisão forma a imagem dos líderes políticos e sociais e retrata os indivíduos influentes da esfera cultural” (Santos, 1998:143).

A partir dos anos 50 do século XX, com a fácil aquisição dos equipamentos, a televisão consegue chegar junto de indivíduos pertencentes a categorias sociais menos favorecidas. E, na década de 1960, alcança camadas de maiores rendimentos e próximas da cultura escrita, até então hostis a este meio. Num primeiro momento, há a ideia de “grande público”, conceito indiferenciado do telespectador. “Ver televisão confere representação à realidade, o que conduz à análise de comportamentos e reações dos indivíduos e dos grupos perante a televisão. Cada vez mais, os meios de comunicação - em especial a televisão - constituem as principais fontes de informação para o público” (Santos, 1998:144).

Conforme os meios de comunicação vão entrando no centro da vida social e política, vão-se alterando as práticas jornalísticas e as ligações com as forças governamentais. Esta mudança acarreta uma maior publicidade e exposição dos projetos políticos e das figuras públicas, ampliando também a exposição da vida privada das referidas figuras (Santos, 1998:144).

Os profissionais dos media, regendo-se pelas leis do público (que vê ou ouve as emissões), procuram tornar agradáveis as notícias; estas passam a incluir ingredientes dramáticos, destacando acontecimentos ao invés de problemáticas, reduzindo as questões a personalidades conhecidas mas aceitando também a inclusão de populares que conferem maior “realismo” ao produto informativo. “A noção de soundbite, da informação ligeira e digerível, ganha crescentes apoios, pois se considera que assim se consegue prender a atenção das audiências. A construção das grelhas televisivas reflete tal espírito de leveza e popularidade que tem em conta a presença da audiência nos resultados comerciais” (Santos, 1998:144).

Influenciado as decisões dos atores políticos, os media passam a assumir parte do controlo dos acontecimentos. A televisão, além de adquirir o papel de transcrição dos debates, torna-se também o lugar onde estes se desenrolam; “de instância de publicidade dos debates, a televisão ocupa o espaço discursivo prioritário. Como instrumento da palavra, das ideias e dos debates, a televisão alcança o estatuto de ágora ou fórum público do nosso tempo, torna-se lugar da confrontação social, com os jornalistas a terem o poder de gerar acesso” (Santos, 1998:145).

O poder passa a exercer-se a montante, estando a cobertura mediática reservada a determinadas pessoas, categorias sociais ou ideias, com os jornalistas a selecionarem os que

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possuem ou não o direito de acesso à palavra e a legitimarem discursos ou práticas sociais diárias. Os candidatos fazem-se conhecer através dos media, em especial da televisão, esperando que as suas principais declarações sejam noticiadas. “Isto conduz a que as elites se adaptem ao estilo audiovisual e procurem conselheiros em comunicação ou publicitários, acompanhem as tendências das sondagens para adequarem posturas, seguindo estágios de simulação antes de passar às emissões políticas televisivas, onde adaptam o seu discurso com um léxico combinando capacidades de memorização e compreensão das audiências” (Santos, 1998:145).

O espaço público, anteriormente representado pelo foro parlamentar, pela praça pública e outros locais de encontro e debate, é agora substituído pelo espaço eletrónico, onde cidadãos se encontram unidos a partir do espaço individual e privado das suas casas, através da televisão (Santos, 1998:146).

“À passagem do espaço público clássico para a ágora virtual, acresce-se a capacidade de deslocalização: se o espaço grego, ou mesmo medieval, era localizado e concreto, o espaço público virtual e hertziano não se fixa a um local ou espaço, mas atravessa comunidades e culturas e agrega a espectacularização permanente. Se o espaço público se reduz com as sondagens, os diretos televisivos, a programação média da televisão, o ideal habermasiano de discussão das ideias, da cultura e da arte precisa de um grande esforço em congregação de vontades para se refazer nos nossos dias” (Santos, 1998:146).

Com a expansão dos media e a criação de estudos de opinião e sondagens, introduziram-se profundas alterações nas instituições governantes, designadamente o parlamento. A democracia parlamentar clássica dá lugar a uma democracia mediatizada. Estas perspetivas acentuam-se ao longo do século XX, com a subordinação da opinião pública aos partidos e organizações. A democracia participativa transforma-se numa democracia aclamativa (Santos, 1998:147).

Se o espaço público clássico diz respeito a todo o espaço público existente, o espaço público contemporâneo, suportado pelos meios de comunicação e pelas redes de telecomunicações, vê tecnologizadas as suas formas de mediação, transformando-o num simulacro. “Por seu turno, a esfera pública torna-se indissociável da atividade da comunicação social, a partir do trabalho de vários atores de comunicação política: homens políticos, jornalistas, forças sociais ou grupos de interesses, e intelectuais” (Santos, 1998:147).

A comunicação política que acontece no espaço público procura avaliar o conjunto de meios onde as mensagens oriundas dos agentes e centros de decisão política circulam. Esta comunicação abrange diversas formas de expressão, desde as políticas (campanhas eleitorais, tomada de posse dos

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governantes, manifestações de rua, comícios) às mediadas pelos jornalistas (programação televisiva e radiofónica, publicidade e relações públicas) (Santos, 1998:148).

Dominique Wolton, em Pensar a Comunicação (1999: 374), oferece uma proposta otimista sobre o espaço público. Wolton parte da definição de Habermas e considera, ao invés deste, não ter havido uma feudalização do espaço público, mas sim uma expansão do seu espaço simbólico. Não se trata de um espaço imposto, como o das eleições, mas simboliza a atividade da democracia, com terminologias e valores comuns, bem como um reconhecimento mútuo de legitimidades, expresso e mantido por diferentes atores sociais, políticos, religiosos ou culturais, continuamente em contradição.

Para Lopes et. al (2011: 230), uma qualquer observação do espaço público contemporâneo nunca será completa se nela não incluirmos uma análise do meio televisivo, designadamente do campo jornalístico. “Ao fazer da publicitação das relações humanas o vetor contínuo da sua atuação, a informação televisiva assume-se como mecanismo privilegiado na transformação dos factos privados e sociais em factos públicos, operando nas sociedades atuais as maiores mudanças qualitativas do mapa social” (Lopes et. al, 2011:230). Apesar disto, os autores referem que há ainda quem procure retirar à informação televisiva a capacidade de promover um “debate que problematize questões atuais, que interesse a todos, sem ser voyeurista naquilo que procura saber, nem excessivamente intimista nas perguntas formuladas aos respetivos interlocutores” (Lopes et. al, 2011:230).

De facto, a televisão vê-se frequentemente envolvida em pressões do foro económico, o que faz com que muitas vezes ceda em favor dos gostos dos mais mediáticos, dos mais populares, ou dos mais poderosos. Victoria Camps (2004: 45) refere que, por essa razão, a televisão não deve assumir “o cenário idóneo para que se converta na ágora deliberativa no nosso tempo” (Lopes et. al, 2011:231) Para Lopes et. al (2011:231), a visão da filósofa não estará, de todo, inadequada mas, ainda assim, e como a própria filósofa também reconhece, não será eficiente uma postura demonizadora perante o meio audiovisual.

Em “Um ecrã informativo saturado pelas elites da capital – Análise dos plateaux dos canais generalistas e temáticos de informação, Felisbela Lopes e Luís Miguel Loureiro (2012:7) referem que é através do pequeno ecrã que temos acesso ao que de mais importante se passa no mundo; mas, simultaneamente, a construção mediática da realidade também reconstrói a perceção que temos do mundo. “Chamando a si o papel de “aduaneiro”, o jornalista seleciona temas, instituições e pessoas que serão expostas à luz pública, passando-os, deste modo, para o centro da comunicação pública” (Lopes & Loureiro, 2012:7).

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José Luis Dader (1992: 152, citado por Lopes & Loureiro, 2012: 8) encara os media como um “novo rei Midas, capaz de converter, não em ouro, mas em ‘público’ tudo aquilo em que toca”. Neste mapa social reconfigurado, os jornalistas que trabalham em televisão têm uma influência ainda mais notória. Para Charo Lacalle (2001: 21-23, referido por Lopes & Loureiro, 2012: 8), esta nova realidade construída pela televisão pode ser encarada como sendo uma “cartografia virtual do espaço de representação” que, embora apresente um desenho diferente da “geografia do mundo”, acaba por reunir uma força de representação tal que ultrapassa o mundo empírico.

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CAPÍTULO II

A INFORMAÇÃO EM

TELEVISÃO

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Para a generalidade da população, independentemente da localização geográfica, a história e, sobretudo, a afirmação da televisão enquanto meio de comunicação estarão relacionadas com o facto de se tratar de um meio privilegiado de informação e de entretenimento. A televisão possui uma história como objeto de produção material e de consumo, além da reputação de ser uma plataforma de produção de sentido (Miller, 2009: 10).

Efetivamente, a televisão é o medium por excelência, “preferido pelos cidadãos de todas as partes do Mundo para ocuparem, diariamente grande parte do seu tempo livre com os programas mais do seu agrado” (Missika & Wolton; 2005:1). Hoje, a maioria do público encontra na televisão a principal fonte de informação sobre o país e o mundo. Qualquer pessoa, “a partir da sua cozinha, ou da sala de jantar, pode dar a volta ao mundo várias vezes por dia, com a televisão” (Wolton, 1999: 102). Esta afirmação acarreta “uma recusa das hierarquias, dos códigos e das regras impostas pelas múltiplas instituições que são a família, a escola, o exército, a Igreja” (Wolton, 1999:102).

A “caixa mágica”4 é o principal contacto das pessoas com acontecimentos distantes e

realidades desconhecidas, mas também com as estórias próximas que lhe dizem respeito e que sem ela não teriam disso conhecimento. Importa, por isso, traçar um perfil evolutivo deste meio, desde a sua criação até à atualidade, para que melhor se consiga interpretar a proeminência que, ainda hoje, detém nas sociedades democráticas.

1. O MEIO TELEVISIVO: DESENVOLVIMENTO E AFIRMAÇÃO

“A televisão é o objeto mais democrático das sociedades democráticas”

Jean-Louis Missika e Dominique Wolton

O advento da televisão remonta à segunda metade do século XIX, período em que surgem as primeiras fotografias com Daguerre e é inventado o mecanismo que, mais tarde, dará origem ao cinemascópio. É nesta altura que três descobertas científicas tornam possível a propagação das imagens elétricas:

i. a fotoeletricidade, ou por outras palavras, a transformação da luz em energia elétrica, uma descoberta que data de 1873 e pertence a Christian May, um jovem telegrafista irlandês;

ii. a decomposição da imagem em pontos claros e escuros e sua recomposição, graças aos contributos de Paul Nipkow em 1884, com o seu disco perfurado em espiral que, ao girar, realizava a análise completa de uma imagem, linha a linha;

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Tabela 1 - Categorização temática adotada
Tabela 2 - Distribuição geral dos conteúdos informativas
Tabela 3 - Contabilização dos géneros jornalísticos utilizados em função das temáticas abordadas
Tabela 4 - Ligação dos comentadores ao noticiário
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Referências

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