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A utilização de argumentos consequencialistas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

No documento Coleção Jovem Jurista 2016 (páginas 59-72)

INCONSTITUCIONALIDADE NOS JULGAMENTOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

3. A utilização de argumentos consequencialistas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Dos 31 acórdãos analisados, em 25 constatou-se a utilização de argumentos

consequencialistas52 (APÊNDICE B). Embora referências genéricas aos efei-

diferenciação estrutural entre essas espécies normativas conforme a visão de cada autor foge ao escopo do presente projeto, sendo suficiente falar que se adota os conceitos do professor Humberto Ávila.

51 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. p. 102.

52 Eurico de Santi, ao analisar a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos casos relativos à instituição de novos tributos, chega à conclusão de que a repercussão econômica nunca é critério suficiente para determinar a modulação. Segundo o profes- sor, “o STF sempre se pautou por razões de lacuna normativa, alteração de entendimento jurisprudencial e, em última instância, de insegurança no sistema jurídico”. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. A Modulação no Controle de Constitucionalidade de Novos Tributos. Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 10 de julho, 2014. Disponível em: <http:// www.conjur.com.br/2014-jul-10/eurico-santi-modulacao-supremo-criacao-tributo>. Aces- so em: 18/09/2015. A afirmação do professor deve ser lida nos exatos termos em que foi proposta. Primeiramente, ela diz respeito a um tipo específico de casos, qual seja, relativo à instituição de novos tributos. Em segundo lugar, embora a repercussão econômica não seja critério suficiente para determinar a modulação, isso não significa necessariamente que ela não seja considerada pelos ministros. O presente trabalho adota um conceito mais amplo de consequencialismo judicial, conforme descrito na metodologia, de forma que neste ca- pítulo são analisados os diversos argumentos consequencialistas presentes nas decisões relativas à modulação, independente do peso que cada um deles exerceu para determinar a decisão.

tos da decisão sejam recorrentes — no RE 377457, por exemplo, a ministra Cármen Lúcia disse considerar a questão discutida “realmente, gravíssima (...) até pelas consequências que daqui derivam”, enquanto o ministro Menezes Direito destacou a “repercussão” do caso e o “efeito danoso” a “pequenos contribuintes” — é notável a capacidade de os ministros elaborarem cadeias de consequências que, em última instância, culminariam não só no desestí- mulo “[a]os cidadãos em geral a respeitarem o arcabouço normativo cons- titucional em vigor” (ADI 4481), como também à instituição, pelo Supremo Tribunal do Federal, do “capitalismo sem as incertezas inerentes às decisões de produção e de investimento, o capitalismo sem riscos, sem o salto no es- curo” (RE 353657).

Neste capítulo, pretende-se responder ao problema formulado nas con- siderações introdutórias, qual seja, se os juízos prognósticos inerentes à argu- mentação com base em consequências, quando realizados pelos ministros do STF, são acompanhados de documentos, estudos ou dados capazes de lhes servir de suporte. Uma vez verificada a confirmação da hipótese, analisa-se criticamente a utilização de argumentos consequencialistas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e se questiona se os ministros possuem capaci- dades epistêmicas para justificarem racionalmente as suas decisões com base em consequências. A partir dessas considerações, defende-se, no capítulo 4, que se os ministros pretendem, em um contexto dinâmico, adotar uma postura

maximizante (maximizing),53 então eles não deveriam investir em uma abor-

dagem localmente maximizante, na qual consideram todas as consequências

decorrentes das suas decisões.54

3.1. Respostas aos problemas de pesquisa (ou a falta de evidências empíricas para a elaboração de prognoses)

A tabela abaixo demonstra se argumentos consequencialistas foram ou não considerados em cada um dos julgamentos analisados e, em casos afirmativos, se as prognoses foram acompanhadas de estudos, documentos ou dados que lhes servissem de suporte.

53 Esta definição será trabalhada no capítulo 4.

54 VERMEULE, Adrian. Three Strategies of Interpretation. San Diego Law Review, nº 42, 2005. p. 607-628.

Tabela 1

Caso Tema

Há argumento consequencialista?

A prognose é acompanhada, no voto dos ministros, de documen- tos, estudos ou dados, capazes de lhe servir de suporte?

01 ADI 4171 ICMS Sim Não

02 QO na ADI 4425 Precatório Sim Em parte*

03 ADI 4481 ICMS Sim Não

04 ED no RE 595838 CSLL Sim Em parte* 05 ED no RE 569056 Execução fiscal pela Justiça do Trabalho Sim Em parte*

06 RE 590809 IPI Sim Não

07 RE 477323 ICMS Não ---

08 RE 635688 ICMS Não ---

09 ED no RE 559937

ICMS Sim Não

10 ADI 4628 ICMS Sim Não

11 RE 680089 ICMS Sim Não

12 ADI 429 ICMS Sim Não

13 AgR na Rcl 12692 Contribui- ção social previden- ciária do produtor rural Não ---

14 ADI 2669 ICMS Sim Não

15 RE 630733 Concurso público Sim Não 16 RE 559937 PIS/CO- FINS Sim Não 17 RE 405579 Imposto sobre im- portação Sim Não

Caso Tema

Há argumento consequencialista?

A prognose é acompanhada, no voto dos ministros, de documen- tos, estudos ou dados, capazes de lhe servir de suporte?

18 RE 596177 Contribui- ção social previden- ciária do produtor rural Não --- 19 ADI 3462 Remissão e anistia Sim Não 20 ADI 875 Fundo de Participa- ção dos Estados Sim Não 21 RE 363852 Contribui- ção social previden- ciária do produtor rural Sim Não 22 RG no RE 592321 IPTU Não ---

23 RE 377457 COFINS Sim Não

24 RE 556664 Prescrição e decadên- cia Sim Não 25 RE 560626 Prescrição e decadên- cia Sim Não 26 RE 559943 Prescrição e decadên- cia Sim Não

27 RE 353657 IPI Sim Em parte*

28 RE 370682 IPI Sim Em parte*

29 MC em ADI 3090 Comer- cialização de energia elétrica Sim Não

Caso Tema

Há argumento consequencialista?

A prognose é acompanhada, no voto dos ministros, de documen- tos, estudos ou dados, capazes de lhe servir de suporte? 30 ED nos ED no RE 256588 Taxa de serviço de limpeza e de coleta de lixo Sim Não 31 MC em ADI 2251 Medida Provisória Não ---

* Nem todas as prognoses foram acompanhadas, no voto dos ministros, de documentos, estudos ou dados.

Antes de analisar a tabela, duas considerações são pertinentes. A primeira delas é referente a uma possível crítica que poderia ser endereçada à pesquisa, e a segunda, relativa ao preenchimento das variáveis presentes na tabela.

De início, deve-se afastar a possibilidade teórica de que uma eventual con- sequência alegada por um ministro, embora não encontrasse suporte em seu voto, estivesse amparada em estudos, documentos ou dados trazidos pelas par- tes ao longo do processo. Isto porque, ainda que assim o fosse, simplesmente se identificaria um novo problema, já que dado o dever de os juízes fundamenta- rem suas decisões (art. 93, IX, Constituição Federal de 1988), indicando as razões do seu convencimento (art. 131 do Código de Processo Civil e art. 371 do Novo Código de Processo Civil), não poderiam os ministros alegar genericamente as consequências advindas das suas decisões sem fazer constar expressamente os estudos que lhes permitiram concluir pela possibilidade de que os resultados descritos não passassem de meras intuições e especulações das partes.

Quanto às variáveis da tabela, partindo-se da conceituação do capítulo 2, verificou-se a presença ou ausência de argumentos consequencialistas no voto dos ministros. No tocante a documentos, estudos ou dados que pudessem servir de suporte para as prognoses, era necessário que os ministros indicassem (i) um documento/estudo/dado (ii) específico sobre o caso (iii) produzido por terceiro alheio ao processo, ainda que a requerimento das partes ou em razão de deter- minação judicial. Assim, a citação de livro genérico, por exemplo, sobre análise econômica do direito — no RE 405579, o ministro Gilmar Mendes cita o manual de Law and Economics de Cooter e Ulen para corroborar com a sua tese de que a oferta de produtos poderia impactar no equilíbrio de mercado e na inflação — não foi considerada suficiente para embasar uma prognose. Em sentido oposto, reportagens de jornais que indicassem potenciais efeitos da decisão — no RE

353657, o ministro Marco Aurélio destaca um artigo de Miriam Leitão no qual a autora afirma que “decidir contra o recurso pode causar uma sangria absurda nos cofres públicos” — foram considerados suportes suficientes para a prognose.

Feitos estes esclarecimentos, dos 25 casos em que houve a utilização de argumentos consequencialistas, somente em cinco fez-se referência a algum estudo, dado ou documento que pudesse embasar a prognose.

Portanto, a pesquisa mostra que, em 80% dos casos nos quais os ministros argumentaram pelas consequências, não houve qualquer prova que justificasse que a prognose fosse (i) possível, no sentido de ser uma decorrência da alter- nativa de decisão escolhida, ou (ii) provável, no sentido de que se escolhida a alternativa, haveria chances de a prognose ser realizada no mundo real.

Dessa forma, a hipótese de pesquisa é confirmada — a maior parte dos juízos prognósticos não é acompanhada de documentos, estudos ou dados capazes de lhes servir de suporte. Isto evidencia que grande parte das conse- quências que os ministros atribuem como sendo efeitos de suas decisões não passam de meras intuições e suposições cuja concretização, no mundo real, talvez não seja certa ou mesmo possível.

Ainda que, em hard cases, a mera menção às fontes do direito não seja

suficiente para a aceitação racional da decisão pela comunidade jurídica,55 não

se pode conceder aos ministros uma carta branca para que, buscando os me- lhores efeitos de suas decisões, eles se eximam do seu dever de justificação racional. Dessa forma, a mera referência ao artigo 27, da Lei 9.868/1999, não é motivação suficiente para justificar a modulação dos efeitos da decisão com base nas possíveis consequências positivas advindas da adoção de tal postura. Os ministros deveriam tornar explícitas as razões que lhe permitiram concluir pela adoção de uma determinada alternativa decisória.

Nesse sentido, a confirmação da hipótese é problemática porque coloca em dúvida até que ponto as decisões proferidas pelos ministros são racional- mente fundamentadas, decorrendo do ordenamento jurídico e não constituin- do meras arbitrariedades do aplicador da lei. Ao que tudo indica, nos julga- mentos tributários nos quais se discutiu a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a argumentação com base em consequências parece dever ser rechaçada, já que, da forma como é operacionalizada pelos ministros, conduz a mais arbitrariedades do que propriamente a uma motivação racional preocupada com os efeitos da decisão no mundo prático.

Antes de se passar à análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vale a pena olhar mais a fundo os cinco casos em que as prognoses dos ministros não parecem ter sido fruto de meras intuições.

Neste momento, é pertinente a introdução da Tabela 2, na qual se consta- tam quais argumentos consequencialistas foram mais utilizados nas decisões envolvendo a modulação em julgamentos de Direito Tributário.

Tabela 2*

Número Casos Qual argumento consequencialista?

12 ADI 4171, QO na ADI 4425, ED no RE 595838, ED no RE 569056, ED no RE 559937, RE 680089, ADI 4628, ADI 429, ADI 2669, RE 559937, RE 353657, RE 370682 Arrecadação/finanças 2 RE 559943, RE 370682 Enriquecimento ilícito

7 ADI 4171, QO na ADI 4425, ADI 4481, RE 630733, RE 363852, RE 353657, ED nos ED no RE 256588

Ação oportunística/ incentivo à adoção de comportamentos

4 QO na ADI 4425, ADI 429, RE 377457, RE 370682

Impacto no exercício de direito de terceiros

3 QO na ADI 4425, ADI 875, MC em ADI 3090

Promoção/preocupação com o diálogo institucional 12 RE 590809, ED no RE 569056, ED no RE 559937, RE 680089, ADI 4628, RE 630733, RE 559937, ADI 875, RE 363852, RE 559943, RE 353657, RE 370682

Aumento/existência de múltiplos litígios e morosidade do Judiciário

3 ADI 2669, RE 630733, RE 405579 Tratamento isonômico dos contribuintes/ proteção da concorrência

2 RE 405579, RE 353657 Equilíbrio de mercado, consumo interno e

inflação/efeitos sobre o capitalismo * A preponderância de tipos específicos de argumentos consequencialistas não significa que outros não tenham sido utilizados.

Da leitura das Tabelas 1 e 2, percebe-se que nos cinco julgamentos nos quais as prognoses foram acompanhadas de documentos, os principais argumentos consequencialistas diziam respeito à arrecadação ou às finanças do Estado. Des- ses, em quatro buscava-se demonstrar a perda de arrecadação do Fisco caso se optasse pela decretação da nulidade ex tunc (ED no RE 595838, ED no RE 569056, RE 353657 e RE 370682), sendo que em três os dados foram retirados da própria argumentação da Fazenda Nacional (ED no RE 595838, ED no RE 569056 e RE 370682). A modulação foi afastada nos dois embargos de declara-

ção sob o argumento de que “[a] mera alegação de perda de arrecadação não é

suficiente para comprovar a presença do excepcional interesse social”.56

Analisando cada caso de maneira isolada, talvez não se vislumbre nenhum problema. As incongruências são reveladas quando se tenta compatibilizar as diferentes decisões do Supremo Tribunal Federal. Se a alegação de perda de arrecadação não é suficiente para modular a declaração da inconstitucionalida- de quando se sabe claramente o prejuízo financeiro do Estado, seria de se ima- ginar que menores razões tivesse o tribunal para optar pela modulação quando os prejuízos fossem incertos e a prognose fosse descrita em termos meramen-

te genéricos. No entanto, na ADI 4171, o tribunal decidiu, por maioria,57 vencido

o ministro Marco Aurélio, pela modulação, já que a decisão “implicar[ia] sérias repercussões aos contribuintes e aos Estados-sedes das distribuidoras de com- bustíveis, que ter[iam] suas arrecadações diminuídas abruptamente”.

Dos cinco julgamentos mencionados linhas acima, em que foram apresen- tadas provas referentes às prognoses elaboradas pelos ministros, em apenas um (QO na ADI 4425) o argumento consequencialista preponderante era rela- tivo às finanças do Estado.

O objeto da QO na ADI 4425 era a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Emenda Constitucional (EC) nº 62/09 a qual alterou a sistemática dos precatórios, concedendo um prazo de 15 anos para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios realizassem os pagamentos. Um dos principais pontos de debate entre os ministros foi por quanto tempo dever-se-ia prolongar os efeitos da norma, dada a impossibilida- de de os Estados cumprirem imediatamente a decisão judicial que declarara a inconstitucionalidade do regime.

O ministro Luís Roberto Barroso, em particular, ressaltou o fato de que mesmo se tratando de uma emenda inconstitucional, seriam inegáveis os avan- ços por ela promovidos, já que “pela primeira vez, desde o início da vigência da Constituição de 88”, Estados e Municípios haviam sido retirados da “inércia cômoda”, na qual de maneira reiterada descumpriam o pagamento de precató- rios. O ministro ainda se demonstrou preocupado com a possibilidade de que, se não fossem mantidos os efeitos da norma inconstitucional por um período no tempo, os Estados passariam novamente a descumprir os precatórios. Daí a afirmação de Barroso:

o pior serviço que o Supremo Tribunal Federal poderia pres- tar ao País seria entregar de volta à sociedade, ou entregar de

56 Trecho retirado do voto do Ministro Dias Toffoli nos ED no RE 595838.

57 O ministro Dias Toffoli, relator do ED no RE 595838 e ED no RE 569056, estava ausente no julgamento da ADI 4171.

volta aos credores, uma situação de fato pior do que aquela que eles tinham com a Emenda Constitucional nº 62.

Se o Supremo já havia reconhecido que a moratória de 15 anos prevista na EC nº 62/09 era inconstitucional, mas igualmente a declaração de nulida- de ex tunc poderia levar a uma inobservância ainda maior do ordenamento jurídico, questão de mais difícil resolução entre os ministros era por quantos anos os efeitos da norma deveriam ser estendidos. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes:

[h]á uma grande responsabilidade na fixação apenas desse prazo, se é o caso, porque, se fosse de um ano ou de cinco anos, significa que, no próximo orçamento, o Estado terá de arcar com os custos normais dos precatórios mais o estoque para liquidá-los de uma só vez.

O cerne do problema poderia ser formulado nos seguintes termos: por quantos anos deveriam ser estendidos os efeitos da norma inconstitucional para que os Estados pudessem cumprir com os precatórios?

Aqui, evidenciam-se dois problemas distintos da argumentação com base em consequências.

O primeiro se evidencia no voto do ministro Gilmar Mendes. No começo do julgamento, o ministro apresentou um estudo realizado pelo professor José Roberto Afonso, um dos responsáveis pela criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, e por Gabriel Leal de Barros, ambos do Grupo de Gestores de Finanças Estaduais. O estudo apontava que 62% dos Estados teriam capacidade de pa- gar os precatórios em 15 anos, prazo estipulado na EC nº 62/09. Dos 38% res- tantes, porém, alguns sequer teriam condições de se adaptar ao novo regime instituído pela emenda. De início, essa informação demonstra que, mesmo que a inconstitucionalidade da norma não houvesse sido declarada, ainda assim, no mundo fático, vários estados não conseguiriam arcar com os seus débitos. Isto já é suficiente para pôr em dúvidas se o resultado esperado pela modulação, qual seja, o pagamento dos precatórios, teria como de fato ser alcançado.

O segundo problema pode ser percebido no voto do ministro Luís Roberto Barroso. No caso analisado, o ministro Luís Roberto Barroso pareceu incorpo- rar, em alguma medida, o estudo apresentado por Gilmar Mendes, ao entender que a mera redução do prazo de moratória não seria suficiente para estimular o pagamento dos precatórios. O ministro deu um passo seguinte, concluindo pela necessidade de adoção de outras medidas que pudessem viabilizar o pa- gamento dos precatórios por parte dos Estados.

Uma das principais propostas do ministro, nesse contexto, foi o aumento do grau de comprometimento da receita corrente líquida dos Estados, a ser feita com base na “percepção geral” de que “o máximo de vinculação possível é 3%”. Da impossibilidade de pagamento dos precatórios em 15 anos, eviden- ciada na pesquisa do Grupo de Gestores de Finanças Estaduais (GEFIN), Barro- so concluiu pela necessidade de mecanismos alternativos, sendo que inexiste qualquer informação no sentido de que o comprometimento forçado de 3% da receita corrente líquida dos Estados incentivará os Estados a arcarem com as suas dívidas. A decisão do ministro é problemática porque (i) não encontra su- porte no estudo do GEFIN, (ii) a “percepção geral” pode ser equivocada e (iii) o fato de o Município de São Paulo, “o principal devedor do país”, dizer “que os 3% são compatíveis com a sua receita corrente líquida e com as suas ou- tras obrigações” não significa necessariamente a compatibilidade dessa mes- ma porcentagem com a receita corrente líquida de todos os outros Estados e Municípios do país e do Distrito Federal. Assim, de forma abstrata, poder-se-ia descrever o problema da argumentação do ministro como um relativo à utiliza- ção deturpada de provas, na qual um estudo inicialmente feito para a prognose P é utilizado para a criação e sustentação de uma prognose P’.

Todos os cinco julgamentos em que se verificou a existência de dados embasando as prognoses elaboradas pelos ministros revelam, em certa medi- da, as incongruências de argumentações com base em consequências quando realizadas no Supremo Tribunal Federal. Na resolução de um caso específico, como na QO na ADI 4425, o estudo apresentado, se levado a sério, colocaria em xeque não só os efeitos esperados da modulação, como também a quali-

dade da regra criada pelo STF.58 Em uma perspectiva dinâmica, vê-se que o

Tribunal não fornece critérios mínimos que permitam determinar quais conse- quências serão levadas em consideração. A existência de pesquisa, dados e estudos, os quais teoricamente serviriam de suporte para prognoses indican- do a probabilidade de elas de fato virem a se materializar, parece ser irrelevan- te, já que o STF não modulou casos em que havia fortes indícios corroborando os efeitos de suas decisões e modulou outros em que as consequências eram incertas e duvidosas.

58 O ministro Marco Aurélio votou vencido contra a modulação, criticando o posicionamento dos demais por atuarem, na sua visão, como legisladores positivos. “Vossa Excelência me permite? A meu ver, com a devida vênia, há dois aspectos que consubstanciam, sob minha óptica, obstáculo intransponível: o primeiro é que não podemos atuar como legisladores positivos, muito menos para alterar a Carta da República. O segundo é que precatório está jungido a orçamento, e, portanto, deve ser liquidado conforme a força do orçamento, e não de depósitos judiciais que estão fora da esfera do Estado, propriamente dito, em termos de disponibilidade, já que são feitos e vinculados a certa relação jurídica processual.” (trecho da manifestação do ministro Marco Aurélio na QO na ADI 4425, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/03/2015, DJe 03/08/2015).

3.2. Análise crítica (ou críticas epistêmicas à capacidade de os ministros argumentarem com consequências)

Nesta seção, analisa-se criticamente a utilização de argumentos consequen- cialistas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A partir da descrição

No documento Coleção Jovem Jurista 2016 (páginas 59-72)