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CAPÍTULO 2 VÍTIMA

2.6 A vítima e a ação penal em juízo

2.6.2. A vítima e a ação penal pública de iniciativa pública

Apesar da limitação da vítima para ingressar com ações penais, ela atua de outras formas relevantes no âmbito da ação penal pública como, por exemplo: colaborando com o órgão público que tem a função de acusar; ingressando com ações penais em caso de inércia do titular da ação penal pública; e sendo titular do direito de representação, que é a manifestação de vontade imprescindível para que o Ministério Público possa exercer a sua titularidade em determinada ação pública.

Além disso, o ofendido também tem a possibilidade de ingressar com ações civis decorrentes da violação da norma penal, objetivando a reparação do dano de índole material e moral.

O condicionamento do ajuizamento da ação penal pública, pelo Ministério Público, à manifestação da vítima apresenta como justificativa: a preocupação com a proteção da esfera privada da vítima; a subordinação da produção da prova ao auxílio do ofendido; a preponderância do interesse no ressarcimento do dano civil em relação à aplicação da pena; e a intenção de impedir o agravamento do conflito entre a vítima e o ofensor, entre os quais, muitas das vezes, há uma relação muito próxima.

Tourinho Filho48 explica que, na ação penal pública condicionada, o interesse particular é atingido imediatamente e mediatamente o interesse público.

O Código Penal estabelece a necessidade de representação após a tipificação do delito. Além das hipóteses previstas no Código Penal, há previsão também em legislação penal especial, como a Lei n. 9.099/95.

No Brasil, existe movimento para aumento dos casos em que se exige a representação para a propositura da ação penal, como nos delitos de furto, apropriação indébita e estelionato, tendência que foi adotada no Projeto de Lei 232/201249 do Senado Federal, Projeto de Novo Código Penal.

48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1. p. 293. 49

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012. Antetrojeto do Código Penal. Diário do Senado Federal, Brasília, DF, 10 jul. 2012. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/ atividade/materia/getPDF.asp?t=111516&tp=1>. Acesso em: 22 jul. 2013.

A representação está prevista no art. 39 do Código de Processo Penal e “[...] consiste em declaração de vontade da vítima ou de seu representante legal ou ainda, de sucessores no caso de morte ou ausência do ofendido, que condiciona a persecução penal pública”.50

Ela é imprescindível tanto para que a autoridade policial possa instaurar o inquérito policial, como para que o Ministério Público possa ajuizar a ação penal e representa, ao mesmo tempo, provocação e autorização para a instalação da ação penal.

No caso de a vítima ser incapaz, quem terá a incumbência de ofertar a representação será a pessoa que tiver qualidade de representá-la, consoante dispõe o art. 24 do Código de Processo Penal.

Vale destacar que, na ausência de representante legal ou no conflito entre os interesses deste e os da vítima incapaz, deverá ser nomeado curador especial pelo juiz para que ele exerça a representação em prol do ofendido (art. 33, CPP).

Podem ser representantes legais os pais ou a pessoa que exerça alguma forma legítima de autoridade sobre a vítima, destacando que, havendo divergência entre os genitores a respeito do oferecimento ou não da representação, prevalece a vontade daquele que queira representar.

A legislação criminal vigente não pode ser interpretada de forma a restringir, além das hipóteses previstas em lei, os direitos da vítima no processo criminal, e interpretação contrária vai de encontro à atual tendência da sua valorização na esfera da persecução penal.

O Código de Processo Penal prevê, nos arts. 268 a 273, a possibilidade de assistentes atuarem nas ações penais públicas, sendo necessária a devida representação em juízo por intermédio de defensor público ou advogado particular.

O companheiro ou companheira também pode ser assistente, em consonância com o disposto no art. 226, § 3º da Constituição Federal, devendo-se adotar uma interpretação mais favorável à vítima.

O art. 271 do Código de Processo Penal enumera os poderes dos assistentes de acusação que poderão colaborar com o Ministério Público na produção da prova, propondo meios para a sua realização e requerendo perguntas às testemunhas, além de participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público e por ele próprio.

O assistente de acusação pode interpor recurso de apelação contra decisão de impronúncia (art. 416 do CPP) e contra as decisões de competência do Tribunal do Júri ou do

juiz singular (arts. 271 e 598 do Código de Processo Penal), e ainda interpor recurso em sentido estrito contra a decisão que decreta a extinção da punibilidade (arts. 584, § 1º, e 271 do Código de Processo Penal).

O poder de recorrer do assistente é supletivo, e ele somente poderá fazê-lo quando o Ministério Público deixar de recorrer ou o tenha feito de forma parcial, conforme dispõe o art. 598 do Código de Processo Penal.

Também é admissível, por extensão, ao assistente, ingressar com recurso em sentido estrito quando denegada a apelação ou esta for julgada deserta (art. 581, inc. XV, do CPP), carta testemunhável da decisão que denegar recurso em sentido estrito por ele interposto, ou da que, admitindo o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo

ad quem (arts. 639, incs. I e II, do CPP), recurso extraordinário, recurso especial, agravo de

instrumento em caso de denegação de recurso extraordinário ou especial e embargos de declaração51.

Em razão do posicionamento, no sentido da existência de interesse não apenas patrimonial da vítima no âmbito do processo penal, Scarance Fernandes52 entende que o assistente pode recorrer da sentença condenatória com o intuito do agravamento da pena.

Gustavo Badaró53 esclarece:

Se o interesse do assistente da acusação fosse apenas patrimonial, visando a obter uma reparação do dano, não seria admissível assistência em crime tentado ou crime de que não resultasse prejuízo material. Mais do que isso, acaso a demanda cível já tivesse sido proposta e o ofendido já obtido a condenação civil transitada em julgado, a assistência não deveria ser admitida. Tais situações, contudo, não se verificam na prática.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 71453-GO, da relatoria do ex-ministro Paulo Brossard, reconheceu a legitimidade do assistente para a interposição de recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia que determinou o afastamento de qualificadoras no delito de homicídio, e utilizou como um dos fundamentos para essa decisão a amplitude do interesse da vítima no processo penal:

A atuação do assistente do Ministério Público encontra suporte nos direitos e garantias fundamentais, previstos no art. 5º, da Constituição Federal, incs. LV e LIX.

Suas prerrogativas são decorrência do princípio que assegura a ação penal privada nos crimes de ação pública, se não intentada esta no prazo legal, inc.

51

FERNANDES, Antônio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 146.

52 Ibid., p. 147.

LIX. Agindo embora de forma subsidiária, não pode ter sua atividade processual restringida pela exegese literal da norma ordinária, que não se compraz com a amplitude democrática preconizada pela Constituição.

Nem é por outra razão que a Carta Federal garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, inc. LV.

[...]

Essa legitimidade decorre, sobretudo, do entendimento de que o assistente não tem sua atuação pautada não só pelo interesse pecuniário, civil, visa também à exata aplicação da justiça penal [...].54

O assistente de acusação também poderá formular quesitos e indicar assistente técnico (art. 159, § 3º, do CPP), propor o desaforamento no procedimento do Tribunal do Júri (art. 427, caput, do CPP) e buscar a indisponibilidade patrimonial do réu, por meio das medidas assecuratórias previstas nos arts. 125 e seguintes do CPP.

O ofendido tem garantido o direito de formular quesitos e indicar assistente técnico.

Segundo Scarance Fernandes55, na ação penal privada subsidiária da pública é possível que a vítima continue na ação na condição de assistente, caso o Ministério Público retome a posição de parte principal no processo.

É cabível a impetração de mandado de segurança contra a decisão que indefere pedido de habilitação como assistente de acusação.

O Projeto de Lei 8045/2010 faz referência ao assistente nos arts. 77 a 80, destacando que nele são previstas algumas inovações como a possibilidade de ele requerer medidas cautelares reais e formular quesitos no exame pericial.

O assistente de acusação poderá, também, interferir na definição do valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, que deverá ser fixado pelo juiz na sentença condenatória, conforme prevê o disposto no art. 387, inc. IV, do CPP.

O assistente de acusação terá a possibilidade de fazer prova no processo do quantum do prejuízo sofrido pela vítima em decorrência do delito, o que dará ao magistrado maiores subsídios para a fixação de um valor indenizatório mínimo que satisfaça o seu interesse.