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CAPÍTULO 3 A DEFENSORIA PÚBLICA

3.6 Funções institucionais da Defensoria Pública

3.6.1 Noções gerais

Conforme se infere do disposto nos arts. 134 e 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal, a Defensoria Pública possui a função primordial de prestar assistência jurídica gratuita aos hipossuficientes.

Essa hipossuficiência não se restringe somente a uma questão econômica, podendo decorrer ainda da vulnerabilidade jurídica que resulta da presunção de hipossuficiência de determinada parte na relação processual, como no caso do réu sem advogado na área criminal e na atuação da curadoria especial na área cível.

Ada Pellegrini Grinover100 cita a existência também dos carentes organizacionais que são aquelas pessoas em condição de particular vulnerabilidade, pois isoladamente frágeis em relação à grupos poderosos do ponto de vista econômico, social, cultural ou organizativo, com os quais se relacionam. Os consumidores seriam exemplos de carentes organizacionais.

Quando a Defensoria Pública atua em favor dos vulneráveis não econômicos, ela realiza uma função atípica.

Segundo José Augusto Garcia de Sousa101, após as alterações promovidas pela Lei Complementar n. 32/209102 na Lei Complementar n. 80/94, a identificação das funções em típicas e atípicas é insuficiente para abarcar todo o rol de atribuições atuais da Defensoria Pública.

Sugere o autor que essas funções poderiam ser classificadas em tradicionais (ou tendencialmente individualistas) e não tradicionais (tendencialmente solidaristas).

As funções tradicionais são atinentes à atuação da Defensoria Pública em prol da pessoa desprovida de recursos financeiros.

Já as funções não tradicionais decorrem do solidarismo jurídico e podem acontecer de diversas formas.

A primeira delas é a ação da Defensoria Pública buscando proteger de maneira concomitante, pessoas carentes e não carentes, como ocorre, por exemplo, nas ações civis públicas que são propostas para a tutela de direitos difusos.

Uma segunda atribuição seria aquela em que a atuação dos defensores é em prol de uma pessoa financeiramente carente, mas também gera efeitos positivos para pessoas não necessariamente hipossuficientes como, por exemplo, no caso da adoção de uma criança internada por casal abastado.

Uma terceira função seria a atuação em favor de sujeitos com carência não econômica, mas considerados em situação de vulnerabilidade pela sua própria condição, podendo-se mencionar as pessoas com necessidades especiais, idosos, crianças e adolescentes, mulheres vítimas de violência doméstica.

Outra função seria aquela que tem como foco a defesa de valores importantes do ordenamento jurídico como é o caso da atuação na curadoria especial na área cível.

Vale destacar a classificação das atribuições institucionais da Defensoria Pública de acordo com os obstáculos ao acesso à Justiça, elaborada por Júlio Grostein103.

Afirma o autor que todas as funções institucionais da Defensoria Pública são típicas, pois representam instrumentos de superação dos entraves ao acesso à Justiça.

101

SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição? In: SOUZA, José Augusto Garcia de. (Coord.). Uma nova defensoria pública pede passagem: reflexões sobre a Lei Complementar 132/09. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 32.

102

BRASIL. Lei Complementar n. 132, de 7 de outubro de 2009. Altera dispositivos da Lei Complementar n. 80, de janeiro de 1994 que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e da Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jan. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp80.htm>. Acesso em: 29 mar. 2014.

103 GROSTEIN, Júlio. Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo: comentários à Lei

Segundo ele, uma primeira espécie de atribuições da Defensoria Pública seria atinente ao obstáculo de cunho econômico de acesso à Justiça ligado à primeira onda renovatória.

A superação dos entraves de caráter econômico é concernente à finalidade precípua da Defensoria Pública, já que ela foi criada, notadamente, para dar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas desprovidas de recursos financeiros, especialmente, para atuar em juízo em favor dos mais desfavorecidos economicamente.

A segunda espécie de atribuições da Defensoria Pública seria concerne a obstáculo organizacional ao acesso à Justiça, englobando a sua atuação em favor das pessoas em situação de vulnerabilidade organizacional.

Considerando a dificuldade de organização das pessoas em grupo, tendo em conta as complexas relações sociojurídicas da atual sociedade de massa, é de grande relevância a atuação da Defensoria Pública na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Porém, um alerta é importante: a atuação da Defensoria Pública em prol do vulnerável organizacional não se limita apenas ao âmbito coletivo, já que a sua atribuição ainda abarca a defesa das pessoas individualmente que se encontram em uma situação de vulnerabilidade presumida por lei, como, por exemplo, a criança e o adolescente, o idoso, a mulher vítima de violência doméstica, as pessoas com necessidades especiais, etc.

Além dessas duas, uma terceira espécie de atribuição da Defensoria Pública seria aquela relativa ao obstáculo processual atinente à terceira onda renovatória de acesso à Justiça.

Muitas vezes o acesso ao Poder Judiciário não redunda no acesso à ordem jurídica justa, isto é, no alcance da paz social.

Por essa razão, se realça a importância da atuação da Defensoria Pública nos meios extrajudiciais de resolução de conflitos como, por exemplo, mediação e conciliação, e também no atendimento multidisciplinar e na educação em direitos.

Cabe esclarecer que, em relação às vítimas de crimes, a Defensoria Pública pode atuar em favor das hipossuficientes financeiramente e ainda em favor das vulneráveis por sua própria condição como pessoas com necessidades especiais, idosos, crianças e adolescentes e mulheres vítimas de violência doméstica.