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CAPÍTULO 2 VÍTIMA

2.6 A vítima e a ação penal em juízo

2.6.1 A vítima e a ação penal de iniciativa privada

A vítima, na ação penal privada, é o titular do direito de ação, agindo como substituto processual, já que o direito de punir é do Estado que lhe outorgou o jus

accusationis.

No sistema penal brasileiro, são restritos os casos de ação penal de iniciativa privada, justificando-se a sua existência quando: for pequena a ofensa ao interesse público

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BRASIL. Lei n. 9807, de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 14 jul. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9807.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014.

causada pelo crime; a publicidade do processo for mais prejudicial ao interesse da vítima do que a ausência de punição ao ofensor; e a prova do delito depender quase exclusivamente da palavra do ofendido.

Também é restrita a utilização da ação penal de iniciativa privada em razão da necessidade de capacidade postulatória para poder atuar em juízo (art. 44, do CPP).

Para a efetivação do pleno acesso à justiça pelas vítimas pobres é necessária a criação e organização de um sistema de assistência jurídica eficiente, o que somente ocorrerá com a estruturação, nos estados, das Defensorias Públicas, em cumprimento ao disposto no art. 134 da Constituição Federal.

Um outro fator que restringe a propositura de ações penais privadas é a exigência de preparo da ação que consiste no pagamento das taxas e custas do processo, conforme previsão dos arts. 805 e 806 do Código de Processo Penal, destacando que no estado de São Paulo, o preparo da ação é regulado pela Lei Estadual n. 11.608/2003.

A substituição processual da vítima cessa, deixando ela de ter função a cumprir nos autos, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, quando o jus puniendi se transforma em jus punitionis.

A vítima, denominada querelante, quando propõe a ação penal privada, tem os seguintes direitos: direito de ser cientificada de todos os atos praticados no curso do processo para que se manifeste, dando efetividade ao princípio do contraditório; direito de propor e produzir provas; direito de propor medidas assecuratórias, para garantia de ressarcimento dos danos sofridos com a infração, como o sequestro de bens móveis (art. 125, CPP) e móveis (art. 132 do Código de Processo Penal), arresto de bem imóvel (art. 136, CPP) e hipoteca legal (arts. 134 e 135, CPP); direito a ter um valor mínimo de reparação dos danos causados pela infração, fixado pelo juiz na sentença penal condenatória (art. 387, inc. IV, CPP).

O querelante é legitimado para interpor recurso contra decisão proferida no processo, caso tenha interesse na reforma ou modificação da decisão.

Hoje, existe tendência de restrição das ações penais privadas, podendo-se citar, como exemplo, a Lei 12.015/09, que alterou o Código Penal no tocante aos crimes contra os costumes, passando a tratar dos crimes contra a dignidade sexual, e estabeleceu, como regra, a ação penal condicionada à representação nesses crimes.

Ademais, também existe uma perspectiva de extinção das ações penais privadas no sistema penal brasileiro. O Projeto de Lei n. 8.045/2010 não prevê esse tipo de ação, salvo a subsidiária da pública, que é aquela ajuizada pela vítima em caso de inércia do Ministério Público.

A ação penal privada subsidiária da pública atribui uma forma de controle, ao ofendido ou seu representante legal, da atuação do Ministério Público quanto à promoção da persecução penal em juízo, e as formalidades atinentes a esse tipo de ação estão previstas nos arts. 29 e 38 do Código de Processo Penal e art. 103 do Código Penal.

Essa ação está prevista no art. 5º, inc. LIX, da Constituição Federal, arts. 102, § 3º, e 103, parte final do Código Penal, e arts. 29 e 38 do Código de Processo Penal.

A queixa subsidiária é cabível quando a ação penal pública não for proposta, pelo Ministério Público, no prazo legal, ocorrendo decadência se ela não for oferecida em seis meses, contados do dia em que se esgotou o prazo para o oferecimento da denúncia.

No mesmo sentido, quando o membro do Ministério Público omite na denúncia algum fato delituoso ou não inclui algum agente, também é cabível a queixa subsidiária.

No entanto, em caso de arquivamento do inquérito policial, prevalece o entendimento de que não cabe oferecimento de queixa-crime subsidiária, posição consolidada pela Súmula 52446 do Supremo Tribunal Federal (“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”).

Ajuizada a queixa subsidiária, ela continua tendo natureza pública e por essa razão, conforme dispõe o art. 29 do Código de Processo Penal, é permitido ao órgão do Ministério Público ampla participação na ação, podendo inclusive “[...] aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, [...] e, a qualquer tempo, em caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.

No Projeto de Lei n. 8.045/2010, o art. 48 e seus parágrafos preveem a ação privada subsidiária adotando as regras da atual legislação. Acrescenta, porém, a regra de que, não tendo a vítima condições para constituir advogado, o juiz nomeará um para promover a ação penal (§ 3º, parte final).

Importante dispositivo que merece ser mencionado é o art. 80 do Código de Defesa do Consumidor47, que prevê a possibilidade do ajuizamento de queixa subsidiária, caso a denúncia não seja oferecida no prazo legal, por entidades ou órgãos da administração pública e instituições particulares, nos delitos que envolvam relações de consumo.

46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência: Súmulas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/

portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em: 22 jul. 2013.

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Id. Lei n. 8078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1990. supl. p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 22 jul. 2013.

Visando a uma maior valorização da vítima na persecução penal, poder-se-ia ampliar o rol dos entes legitimados a ingressarem com a queixa subsidiária, consolidando tendência iniciada com o referido dispositivo consumerista.