• Nenhum resultado encontrado

4 REVISÃO DE LITERATURA

4.1 A violência como problema de Saúde Pública

A magnitude do problema que a violência representa e as possíveis consequências desfavoráveis para a saúde do ser humano fazem com que o combate à violência seja considerado, pela Organização Mundial de Saúde, questão prioritária. Como muitos outros problemas de saúde, a violência também apresenta diferenças de acordo com o sexo e a faixa etária (OMS, 2002).

Para Chauí (2006), as várias culturas e sociedade não definiram nem definem a violência da mesma forma. Ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e lugares. Sendo assim, o que uma sociedade ou cultura julga violenta pode não ser avaliada por outra da mesma forma. A autora refere que a violência é percebida como exercício da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser, ou contra a sua própria vontade.

O fenômeno violência vem sendo uma preocupação da humanidade, procurando-se a sua essência, a natureza, origens e meios apropriados, com o objetivo de preveni-la e eliminá-la da convivência social.

Desde a década de 1980, a área de saúde pública desempenha importante e crescente papel para combater esse fenômeno, principalmente em tentar compreender as raízes da violência e a sua prevenção (DAHLBERG; KRUG, 2007).

Sua inclusão como problema de saúde ocorreu em virtude de as mortes e traumas virem aumentando, conforme vários estudos realizados e, mais recentemente, a necessidade de um maior envolvimento da Atenção Básica, por meio da Estratégia Saúde da Família, em razão de sua importância no desenvolvimento de ações de promoção e prevenção, fundamentais no combate à violência, em especial na família.

Para Schaiber, D`Oliveira e Couto (2006), a violência é reconhecida, no plano internacional e nacional, como questão social e de saúde pública. É considerada mundialmente como violação de direitos, embora com expressões diferentes nos diversos contextos.

As autoras apontam a relevância do movimento de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), com a publicação do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. O movimento torna público e mundial o problema da violência, ampliando o debate e permitindo a construção de referências para as diversas regiões, envolvendo um grande número de agentes importantes nessa discussão, ampliando, além das desigualdades socioeconômicas, outras iniquidades.

A violência não é um problema específico da saúde, no entanto, ela traz sérias consequências para a saúde. Segundo Agudelo (1990) apud Minayo (1994, p. 9), “ela representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz enfermidade e provoca a morte como realidade ou possibilidade próxima”.

A área da saúde aumenta seus esforços para atender as vítimas de violência; embora muito mais presente na área hospitalar e nos serviços especializados, sendo necessário maior investimento na Atenção Primária, uma vez que nesse nível de atendimento a pessoa, em situação de violência, será atendida no seu território, onde pode ser realizado um maior acompanhamento do problema, não somente da pessoa “vitimizada”, mas também em relação à família e ao agressor, com atuação principalmente no campo da prevenção.

Países como os Estados Unidos e o Canadá, há uma década, estão atuando nesta direção, levados pelo reconhecimento de que, na região das Américas, a violência é hoje a principal causa de mortes prematuras, lesões, traumas e incapacitações, com altos custos financeiros e sociais (OPAS, 2004).

Na perspectiva de Minayo e Souza (1993) e Minayo (1994), as causas da violência estão associadas às extremas desigualdades sociais, que se aprofundaram ainda mais na década de 1980, à existência de um Estado omisso e ineficiente em relação às políticas públicas básicas e à ausência de um projeto nacional capaz de integrar os grupos de risco.

Discordando dessa afirmação, Azevedo e Guerra (1989) e Muza (1994) referem que a violência contra a criança costuma ser equivocadamente associada à pobreza, uma vez que se trata de um fenômeno presente, invariavelmente, em todas as classes sociais.

As autoras referem que, nos segmentos mais pobres, a própria configuração física do ambiente familiar (favelas, cortiços e aglomerados familiares)

facilita a exposição e a denúncia de violência contra a criança, uma vez que as fronteiras entre o público e o privado são bem mais diluídas. Já nas classes sociais mais elevadas, as “fronteiras da intimidade” são muito demarcadas e o acesso às mazelas familiares torna-se restrito, controlado e silenciado.

Vale ressaltar que o segmento mais pobre é a clientela que mais frequenta os serviços públicos, como escolas, unidades de saúde, hospitais, conselho tutelar e outros, onde ocorrem essas notificações. Percebe-se que muitos serviços de saúde do setor privado não conhecem a rede de enfrentamento ou desconhecem as questões legais relacionadas à obrigatoriedade da notificação.

Outros estudiosos do tema, onde se incluem Roberto da Matta (1993) e Gilberto Velho (1987), citados pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, entendem que é necessário compreender a violência em seus aspectos universais e singulares, sem dissociá-los, porquanto somente esse exercício permite análise das suas formas particulares de expressão, como podem ser descritas as relações opressivas e cruéis entre adultos e crianças (CEDECA; EMAÚS, 2001).

A violência, diante de sua complexidade, exige maior integração de esforços, ações intersetoriais, interdisciplinares e multidisciplinares, com organização da sociedade civil, envolvendo efetivamente as comunidades que militam por direitos, cidadania e atendimento dos serviços de saúde, com atenção integral à criança de forma humanizada, na perspectiva da clínica ampliada, principalmente por meio de um projeto terapêutico singular.

Entende-se clínica ampliada, conforme a Política Nacional de Humanização (PNH), como um de seus dispositivos que tem um compromisso radical com o sujeito doente, verificando sua singularidade, assumindo uma responsabilização com o sujeito, buscando a intersetoriaridade e a multidisciplinaridade (BRASIL, 2007).

Percebe-se, portanto, a sua importância, principalmente com relação ao fenômeno violência, uma vez que não necessariamente a busca do serviço de saúde ocorre por esse problema diretamente e sim por consequência dele. O problema oculto é detectado pelo serviço de saúde com outra visão diferenciada dos profissionais, pois muitas vezes a família ou a criança, quando chega aos serviços de saúde, não relata esse problema, embora clamem por socorro.

Para que se possa detectar a situação de violência que a criança possa estar vivenciando, torna-se necessário um acolhimento com uma escuta qualificada, bem como atentar para a subjetividade e a singularidade de cada caso. Dessa

forma, evita-se que seja utilizado somente um atendimento voltado para a queixa, pois a criança é frequentemente levada ao atendimento, agendado ou não, em razão de problemas quanto ao seu desenvolvimento, desnutrição, outros problemas agudos ou crônicos, em que podem ser detectados sinais ou situações de violência, se melhor investigado.