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4 REVISÃO DE LITERATURA

4.5 Magnitude da violência contra a criança

4.5.2 Violência física

A violência física é o uso da força física de forma intencional, não acidental, cometida por pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou adolescente, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente, podendo ou não deixar marcas evidentes (DESLANDES, 1994).

Zamataro (2001) refere que o local mais atingido na violência física é a pele, podendo apresentar lesões específicas. Normalmente o agressor utiliza: cinto, mão, beliscão, mordida humana, entre outras. Quanto às lesões inespecíficas, têm- se as queimaduras por respingamento, imersão ou contato.

Para a autora, o segundo local mais frequente ocorre nos ossos: por impacto de grande intensidade, por torções ou por encurvamento. Seguem-se as lesões do sistema nervoso central, principal causa de morte em crianças vítimas de violência. As lesões abdominais aparecem como causa de morte nas crianças “vitimizadas”, sendo a alta mortalidade vinculada ao não-reconhecimento do trauma fechado.

Safiotti (1989) diferencia a criança “vitimizada” da criança vitimada. As crianças “vitimadas” são as que vivem em situação de riscos, tendo uma probabilidade maior de serem violados os seus direitos humanos, como, por exemplo, aquelas que vivem em situação de exclusão, sem escola, lazer, segurança, exposição contínua de doenças, fome, moradia ausente ou precária, entre tantas outras situações agravantes para a vida de um ser humano, principalmente em fase de desenvolvimento. Quanto à “vitimização”, apresenta-se de forma mais concreta, em que os autores são conhecidos, como é o caso da mãe que maltrata seu filho ou o abandona, e do pai que abusa sexualmente das filhas.

Para Azevedo e Guerra (1989), as situações de “vitimização” física de crianças assumem as formas de violência física (as distintas modalidades de castigos físicos, os cruéis e pouco usuais), exemplo do cárcere privado e também das punições que deixam lesões muito grandes, como os ferimentos provocados por objetos contundentes.

Esse problema não leva em consideração as fronteiras econômicas e as classes sociais, sendo necessário desconstruir a associação entre violência, pobreza, criminalidade e violação dos direitos.

Segundo Bazon et al (2003), o fenômeno “vitimização” é compreendido numa perspectiva “psicopatologizante”, buscando-se estabelecer uma associação linear entre o ato da violência e uma problemática nos pais. Para os autores, é interessante encarar as famílias de um modo mais integrado, levando-se em conta também seus recursos.

Para muitos autores, violência física é acompanhada pelo medo, pavor, terror, pela submissão, pelo espanto, pelo sofrimento psíquico, constituindo-se ao mesmo tempo violência psicológica.

A violência física é acobertada pelo silêncio, por negação ou mentiras, e, nos casos de referência a serviços de saúde, suas marcas são muitas vezes justificadas como se tivessem sido causadas por acidentes.

Diante dessa situação, torna-se necessária maior investigação, pois muitas vezes a criança que é atendida em um serviço de saúde com problemas em razão de suposta queda relatada pelos pais ou acompanhante, pode, na realidade, ter sido vítima de violência física.

Para Ferreira e Schramm (2000), a questão moralmente relevante é se a agressão física contra a criança, mesmo nos casos em que foi utilizada “para o seu bem”, não deva ser considerada como uma violência moralmente reprovável, por vir carregada da intenção do adulto em causar dor e sofrimento. Muitas vezes, o aspecto é levantado pelo profissional, porém, a família não recorre como um problema.

A violência física praticada contra crianças e adolescentes é uma violação dos direitos humanos universais e dos direitos peculiares à pessoa em desenvolvimento, assegurados na Constituição Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Normativa Internacional. O Código Penal, em seu Artigo 129, prevê como crimes as lesões corporais dolosas e culposas (BRASIL, 1940).

Esse tipo de violência tem sido encontrado no âmbito da violência familiar ou em outros ambientes comunitários e sociais. A expressão violência física é usada na descrição de atos que produzem dores e danos ao corpo por pais ou responsáveis, educadores e policiais. Esse termo se vincula ao conceito de agressividade, noção que tem origem no enfoque biológico e comportamental dos seres humanos e animais (ASSIS; DESLANDES, 2006).

Estudo realizado por Pascolat e colaboradores, na cidade de Curitiba, indicou meninos com idades entre cinco e onze anos como as principais vítimas de violência física, tendo a mãe como principal agressora. O instrumento mais usado foi a mão, seguida do cinto. A lesão mais encontrada foi o hematoma, e o motivo referido para a violência física era o de educar e colocar limites (PASCOLAT et al, 2001).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a violência física, psíquica ou sexual atinge crianças de todas as faixas etárias e condições socioeconômicas. São cometidas por pais biológicos, substitutos, adotivos e outros membros da família. Esclarece ainda que, como os padrões que determinam o comportamento de pais e cuidadores variam segundo fatores culturais, o que caracteriza a violência infantil em determinada população pode ser considerado aceitável em outra (OMS, 2002).

A violência física é um método educativo frequentemente utilizado em várias regiões do mundo, com sérias consequências na saúde mental das crianças, conforme Gershoff (2002); Mosby (2003); WHO (2002), apud Bordin; Paula; Fernandes (2001).

Weinberg (2006), referindo-se a uma pesquisa nacional conduzida pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri), da Universidade de São Paulo, relata que pela primeira vez um velho problema brasileiro foi dimensionado: o da violência praticada contra criança no ambiente domiciliar. Segundo a autora, o estudo referiu que 60% dos brasileiros afirmaram ter sido vítimas de violência física na infância, de punições leves a surras, que levaram a sequelas físicas de natureza grave. São dois os argumentos mais usados pelos pais brasileiros para justificar o hábito de bater nos filhos. O primeiro é o de que a violência física “tem função educativa”. O segundo sugere que ela é uma forma de castigo “merecida” em situações na qual a criança ultrapassa os limites estipulados em casa.

No ano de 1995, a deputada Maria do Rosário (PT/RS) apresentou no Congresso Nacional o projeto de Lei da Palmada (n° 2.654/2003), que tinha como objetivo proibir qualquer tipo de castigo contra criança e adolescente. O referido

projeto ainda tramita no Senado. A repercussão de modo geral não foi tão bem aceita pela sociedade e pelos meios de comunicação, que questionaram os direitos dos pais de educarem seus filhos.

Verifica-se que a mobilização e a sensibilização da sociedade não foram intensificadas nem suficientes. Não foi realizada ainda, na mídia, campanha sistematizada sobre os prejuízos causados ao desenvolvimento da criança pela aplicação da violência como método educativo. Uma campanha dessas ajudaria a sensibilizar os pais e a sociedade sobre aspectos importantes que devem ser levados em consideração na educação dos filhos, como: amor, carinho, diálogo, entre outros.

Dessa forma, é necessário maior envolvimento do Estado e da sociedade civil, em especial das que estão diretamente ligadas à defesa da criança, na realização de programas educativos e campanhas permanentes, enfatizando a importância do diálogo, da melhoria da relação entre pais e filhos, o que contribuirá para a redução da violência na família.

Pinheiro (2007a) refere que os governos têm a obrigação pedagógica de proteger as crianças e ensinar os pais a tratarem os filhos de maneira respeitosa.

Vários países alteraram sua legislação, tendo em vista o respeito pelos direitos da criança e a abolição dos castigos corporais.

Atualmente, 19 países têm legislação que permite a proteção total das crianças contra os castigos corporais, incluindo os que ocorrem na própria família, o que representa 2,3 por cento da população infantil mundial (PINHEIRO, 2007a).

O autor informa que o primeiro país a tomar esta iniciativa foi a Suécia, em 1979, e que Portugal, Nova Zelândia e Holanda foram os últimos a incluir, em suas legislações, artigos que punem claramente os castigos corporais em casa, seguindo-se a Grécia, no ano de 2006.

Verifica-se que existe uma ignorância generalizada sobre essa questão, pois os pais acham que, como foram criados dessa forma e estão “vivos” e sem nenhum “problema”, essa é a melhor forma de educar. Nesse sentido, ainda acreditam que os filhos, em especial as crianças, são de sua propriedade, podendo fazer o que quiserem e que ninguém tem que dar palpites.

Os estudos relatam que as consequências da palmada são desastrosas tanto psicológica quanto fisicamente, uma vez que normalmente se começa com uma palmada e depois é difícil parar.

Para Weber, Viezzer e Brandenburg (2004), se o comportamento físico de punir é reforçador tanto para os pais quanto para os filhos, forma-se um círculo vicioso. Este círculo perpetua-se pela falta de conhecimento dos efeitos deste método e de outros que possam substituir a punição corporal, como também dos próprios efeitos que reforçam o comportamento de quem pune e, portanto, ajudam a manter tal comportamento. Para muitos pais, bater é considerada a melhor forma de disciplinar os filhos.

A violência física, segundo Bordin, Paula e Fernandes (2001), é classificada como grave e não grave. Conforme as autoras, a grave violência física é definida como chutar, esganar, colocando as mãos/outra coisa em volta do pescoço, sufocar com as mãos ou com o travesseiro, bater nas nádegas com objeto, queimar com fogo, cigarro, água quente ou objeto quente e/ou espancar.

A Secretaria de Estado da Saúde do Ceará refere que as formas mais leves ou moderadas (dar tapas e beliscões, torcer a orelha, puxar o cabelo ou sacudir a criança) é social e legalmente aceita em vários países, sendo que em muitos é um evento frequente também em escolas. Apesar desta aceitação, este comportamento é danoso e deve ser repudiado, uma vez que a cultura da punição favorece a manutenção da violência (CEARÁ, 2004).

Segundo concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também se considera violência física (BRASIL, 2002).

No Brasil, a utilização da força física como medida disciplinar é parte integrante dos costumes pedagógicos, transmitidos nas famílias e repassadas nas gerações. O limite entre disciplina e violência é definido pelos padrões da comunidade de tolerância ao uso da força física contra crianças (DAVOLI et al, 1994).

O debate sobre o enfrentamento da violência física intrafamiliar no Brasil tem avançado, notando-se uma tendência de responsabilização da família ante a violência, em detrimento da mera culpabilização.

O questionamento e a inquietação sobre a naturalização pela cultura da violência física também vem evoluindo, colocando-se em xeque a prática de “bater” como forma justificada de disciplina. Nesse sentido, o Laboratório de Estudos da Criança do Hospital das Clínicas da USP (Lacri) desenvolveu importante campanha nacional, intitulada “palmada deseduca”, colocando na pauta pública o debate sobre o assunto.

Para Guerra (2001), a mania de bater em crianças é arraigada na família brasileira. Segundo a autora, é possível discernir, embora com nuanças tão sutis, a noção de disciplina e castigo. A primeira está relacionada ao uso da agressão física por parte de pais ou responsáveis com o intuito de ensinar, existindo, portanto, uma concepção preventiva a novos erros; a segunda tem como origem a ideia de punição por erros e falhas cometidas.

Para Pinheiro (2007b), as crianças estão cansadas de apanhar, não aguentam mais ficar apanhando de adulto. As crianças vivem mal essas contradições, elas são o amor de seus pais, mas apanham muito deles. Essa contradição tem que acabar no século XXI.

Pinheiro (2007b) cita ainda que em todas as consultas regionais para o estudo mundial sobre violência contra criança, a questão do castigo corporal emergiu fortemente, embora existam outras coisas, como a discriminação, o desprezo, o silêncio por parte dos pais e situações de abuso sexual nas famílias.

O estudo mundial mostra ainda que a violência familiar é um problema de importantes dimensões, já que 41% dos pais e mães batem em seus filhos como castigo para corrigi-los. Algumas das causas que explicam este problema são: o autoritarismo familiar, o predomínio de imposição e a falta de diálogo, assim como a falta de consciência das necessidades de respeito e consideração aos filhos.