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4 REVISÃO DE LITERATURA

4.5 Magnitude da violência contra a criança

4.5.6 Violência sexual

A violência sexual exerce grande impacto sobre a saúde. As consequências biopsicossociais produzidas por esse tipo de violência são mais difíceis de mensurar, embora afetem a maioria das vítimas e suas famílias. Na esfera emocional, a violência sexual produz efeitos intensos e devastadores, sendo na maioria das vezes irreparáveis. Nas crianças, o impacto pode produzir uma importante condição futura de vulnerabilidade, facilitando novos episódios de abuso sexual na adolescência ou na vida adulta (DREZETT, 2000).

Para Seabra (1997), a violência sexual ocorre quando a vítima, criança ou adolescente, tem desenvolvimento psicossocial inferior ao do agressor, que a expõe aos estímulos sexuais impróprios para sua idade ou a utiliza para sua satisfação sexual ou de outra pessoa.

Azevedo e Guerra (1989, p. 42) definem violência sexual:

É todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.

Para Gabel (1997), a violência sexual supõe uma disfunção em três níveis: o poder exercido por quem é mais forte sobre o pequeno que é mais fraco; a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande (protetor) e o uso de forma delinquente da sexualidade, ou seja, o atentado ao direito que todo indivíduo tem em relação ao seu próprio corpo.

A violência sexual, conforme Faleiros e Faleiros (2006) é classificada como abuso sexual e exploração sexual comercial, sendo que o abuso sexual pode ser intra e extrafamiliar, enquanto a exploração sexual consiste na prostituição, pornografia, turismo sexual e no tráfico de pessoas para fins sexuais, principalmente quando envolve crianças e adolescentes.

A violência sexual pode acontecer de várias formas: por contato físico, ou seja, carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal, com pênis ou objetos, masturbação forçada, dentre outras; e sem contato físico, por exposição obrigatória

a material pornográfico, exibicionismo e uso de linguagem erotizada em situação inadequada (SANTORO, 2002).

Na situação de violência sexual, a criança ou adolescente é usada para gratificação de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder, incluindo desde manipulação da genitália, mama ou ânus, exploração sexual, voyeurismo, pornografia e exibicionismo até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência (ABRAPIA, 1992).

A violência sexual contra crianças e adolescentes, além de ilegal, é inaceitável. Ela fere a ética e transgride os tabus e as regras sociais e familiares de convivência mútua e de responsabilidade dos adultos para com as crianças. Essa violência fere os direitos humanos conquistados pela civilização e aceitos em todo o mundo.

A violência é presumida sempre que a vítima for menor de 14 anos de idade. A pedofilia se traduz pelo desvio da conduta sexual em que o adulto tem atração sexual por crianças. A atração pode ser hétero ou homossexual (neste último caso, chama-se pederastia). O incesto se caracteriza pela relação sexual entre um adulto e uma criança com laços de parentesco (SANTORO, 1997).

O fenômeno da violência contra crianças e adolescentes no Brasil foi incluído na agenda da sociedade civil como questão relacionada à luta nacional e internacional pelos direitos humanos de crianças e adolescentes, conforme preconizado na Constituição Federal Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

A realidade do Brasil mostra que, dentre as situações mais graves de exclusão (risco social e vulnerabilidade) em que estão envolvidos crianças e adolescentes, encontram-se as situações de exploração sexual comercial e de abuso sexual.

Em junho de 2000, foi elaborado no Brasil, após ampla mobilização da sociedade e do Estado brasileiro, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Nesse ano, também foi implantado o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR) em algumas capitais. Atualmente o PAIR está implantado, no Ceará. Além da Capital, está presente nos municípios de Sobral, Caucaia e Aracati.

Segundo Kassar et al (2006), o PAIR tem como objetivo integrar políticas para a elaboração de uma agenda de trabalho envolvendo governos, sociedade civil e organismos internacionais, visando ao desenvolvimento de ações de prevenção e

atendimento a crianças e adolescentes em situação de riscos e de vulnerabilidades, como também vítimas de exploração sexual e de tráfico para outros fins.

No Município de Fortaleza, o PAIR foi implantado em 2005. Esse programa vem sendo secretariado atualmente pelo Comdica, pela resolução nº 20/2008. Encontra-se, no momento, em reorganização e revisão do plano municipal com o objetivo de elaborar indicadores voltados para o acompanhamento e monitoramento das ações previstas, uma vez que não foram contemplados quando de sua elaboração.

Nos últimos anos, o País alcançou muitos avanços em relação ao combate à exploração e à violência sexual. Verifica-se que, mesmo com esses avanços, tornam-se necessários maior implementação e um acompanhamento das ações, como a realização de campanhas permanentes, principalmente junto às redes de hotéis, taxistas e aeroportos. Essas ações devem envolver as Secretarias de Educação, Saúde, Turismo, Transporte, Cultura, Lazer, entre outras, bem como a sociedade civil, no intuito de sensibilizar e divulgar a real situação em que se encontram as crianças e adolescentes “vitimizadas” por essa forma de violência tão danosa para suas vidas.

Percebe-se que ainda é muito pouco divulgado na mídia o problema da exploração sexual no Brasil. As campanhas estão mais presentes nos meses de fevereiro e maio, por ocasião do carnaval e no dia 18 de maio, data em que se comemora o dia nacional de combate à violência e exploração sexual de criança e adolescente. Na realidade, deveria ser o ano todo e de forma bem mais intensificada e permanente, envolvendo todo o governo e a sociedade. Quando se trata das demais violências, essas é que não são referendadas, portanto, não sensibilizando a sociedade, como um todo, acerca da magnitude do fenômeno.

No contexto da violência sexual, encontra-se o incesto, considerado como a violência sexual de maior complexidade, pois envolve, além das questões inerentes à própria violência, as que são próprias do contexto familiar, como cumplicidade, silêncio, vergonha, medo, entre outras.

Consoante Santoro (1997), estudos revelam que 75% dos casos de incesto ocorrem entre pai e filha. A violência sexual por estranhos não é tão comum. A pornografia infantil consiste na utilização de crianças em filmes, vídeos, fotografias eróticas e outros, enquanto a exploração sexual infantil ocorre quando a criança é explorada no comércio do sexo.

Drezett et al (2001) informam que os principais agressores são os seus responsáveis, os quais deveriam proteger essa criança. Segundo o autor, os pais biológicos, padrastos, tios, avôs e outros parentes encabeçam a relação dos principais perpetradores em toda parte do mundo.

O silêncio da criança é a maior arma que o agressor tem para garantir a continuidade do ato abusivo e a sua não responsabilização (BRASIL, 2002).

Segundo Ramalho e Amaral (2006), existe um aspecto a ser levado em consideração: quando o abuso é em crianças, muitas vezes não é admitido que sua palavra tenha a mesma credibilidade da do agressor. Os relatos das crianças tendem a ser considerados fantasiosos e achá-los incapazes de diferenciar o lúdico do real, protegendo, incompreensivelmente, o perpetrador.

Na avaliação do National Center for Abbused and Negleted Child, cerca de 200 mil novos casos de abuso sexual ocorram entre crianças estadunidenses, a cada ano (MRAZEK, 1980).

Para Pfeiffer e Salvagni (2005), esse tipo de violência tem um impacto muito grande na saúde física e mental da criança e do adolescente, deixando marcas em seu desenvolvimento, com danos que podem persistir por toda a vida. Para as autoras, muitas dessas vítimas, se abandonadas à sua sorte, vão levar essa criança ferida dentro de si e todas as suas dores e seqüelas para toda a vida.

Ribeiro, Ferriani e Reis (2004) explicam que “a violência sexual adquiriu um caráter endêmico, convertendo-se num complexo problema de saúde pública, cujo enfrentamento torna-se um grande desafio para a sociedade”. Percebe-se, portanto, que, além das lesões físicas sofridas, as vítimas tornam-se mais vulneráveis a distúrbios sexuais, uso de álcool e ou de outras drogas, exploração sexual, depressão e suicídio, assim como maior risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez indesejada, decorrente de estupro.

De acordo com o Código Penal, Artigo 213, legislação em vigor, considera-se estupro toda relação sexual vaginal em que ocorra penetração pênis/vagina, com uso de violência ou grave ameaça com ou sem ruptura himeral, com ou sem emissão de sêmen ou presença de gravidez (OLIVEIRA, 1995).

A vítima deve ser sempre do sexo feminino e o perpetrador sempre do sexo masculino, porém, quanto ao atentado violento ao pudor, tanto a vítima quanto o perpetrador podem ser do sexo feminino ou masculino e são considerados os atos libidinosos, como: carícias íntimas, masturbação, sexo oral e anal e uso de objetos. É definido como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,

a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Pena: reclusão de 6 a 10 anos”, conforme código penal, Artigo 219 (BRASIL, 1940).

A única maneira que a criança e ou o adolescente tem para que realmente se rompa o ciclo da violência é contar a alguém de confiança o que está acontecendo, uma vez que essa pessoa pode dar conhecimento do fato aos órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, além de poder encaminhar a vítima para um acompanhamento psicológico, pois a maioria delas precisa de algum tipo de apoio especializado.

Vale salientar que o rompimento do pacto de silêncio proporciona um ganho mensurável na história de vida da criança, além da quebra da impunidade tão pretendida por todos que participam da rede de proteção à criança e adolescente.

Para Vecina et al (2002), independentemente de sua forma de expressão, toda e qualquer forma de violência traz indignação e solicita medidas de intervenção. Deverá ser encarada como um sintoma produzido por gerador de momentos de grande tensão, mostrando uma estrutura social e/ou familiar insatisfatória, decorrente, em grande parte, da perda de referências e valores estruturais.

Em maio de 2008, a Câmara aprovou punição mais rigorosa para crimes sexuais, por meio do projeto de lei n°4.850/05, de autoria da comissão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). A proposta seguiu para o Senado, onde altera o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos para tipificar e ampliar a definição de crimes como estupro, tráfico de pessoas, prostituição e outras formas de exploração sexual. Além disso, o projeto prevê penas mais rigorosas para quem comete ou facilita a violência sexual infantil. As mudanças representam um avanço no sentido de coibir a pedofilia. Esta Lei, portanto, estará mais clara para proteger as pessoas e punir quem comete esse tipo de ilícito.

Analisando situações concretas, verifica-se que as diferentes formas de violências não são excludentes, mas sim cumulativas. Como exemplo, tem-se a violência sexual como elemento que envolve a violência física e psicológica; portanto, a violência física, sempre é também psicológica. A exploração sexual comercial contempla a exploração econômica, a violência estrutural, física, psicológica, moral e social. Dessa forma, a violência simbólica estimula todas as formas de violência (FALEIROS; FALEIROS, 2006).

O fenômeno violência sexual voltou a ser palco de discussões, com maior intensidade, no III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de

Crianças e Adolescentes, realizado na cidade do Rio de Janeiro (25 a 28/11/2008). O evento, ocorrido pela primeira vez em um país em desenvolvimento, foi organizado pela Secretaria de Direitos Humanos, com a participação de 114 países.

A presença do protagonismo juvenil foi representativa e muito importante, uma vez que, participaram do evento 282 delegados (de 12 a 17 anos), os quais se integraram em todas as atividades realizadas. Destes, 150 eram brasileiros e 132 representantes de outros 96 países.

Na abertura do Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou projeto de lei que considera crime o armazenamento de material pornográfico (envolvendo crianças e adolescente) em computadores, pois atualmente representa um dos maiores desafios das autoridades no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.

Conforme o Presidente, o Brasil efetivou um acordo com os países do Mercosul (Uruguai, Paraguai e Argentina) para intensificar o combate nas chamadas "cidades gêmeas", próximas a fronteiras desses países. A expectativa é a de que, cada vez mais, os países, em especial o Brasil, consigam enfrentar esse problema tão sério e frequente na população infanto-juvenil do mundo.