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A violência doméstica, na maioria das vezes, é classificada juridicamente como lesão corporal leve, sendo, por isso, encaminhada ao chamado Juizados Especiais Criminais Referem Sallete, (2005) e Milher (1999) que esses juizados, também conhecidos como juizados de pequenas causas, priorizam os procedimentos mais rápidos e simplificados visando com isso evitar que os casos simples, sejam resolvidos por meio da conciliação evitando o procedimento ordinário que levam anos até serem julgados. Verifica-se, então, que há uma preocupação em tornar a resposta do judiciário mais célere e eficiente para os chamados crimes de menor potencial ofensivo, também conhecido como crime anão por serem crimes considerados de menor gravidade. Daí porque dizer que no Juizado Especial Criminal vigoram os princípios da informalidade, da simplicidade do processo e da celeridade.

Miller (1999), da mesma forma, ensina que o maior número de mulheres, vitima de violência domestica, ao noticiarem o fato criminoso à autoridade policial é encaminhado a esse Juizo. Argumenta que isso acontece porque, na maioria das vezes, a lesão corporal praticada contra a mulher é tida como crime de menor potencial ofensivo cuja pena máxima prevista não excede a um ano de reclusão ou detenção.

Em consonância com esses entendimentos, Koener et al (2002) afirmam que o processo tradicional, além da exigência de se observar a sequência de uma série de fases, estas impediam, por exemplo, que as partes fizessem acordos, a decretação da suspensão do processo ou a efetivação da transação. Enfatizam que as negociações até poderiam ocorrer, porém elas eram colocadas à margem da legalidade. Desse modo, os juizados especiais criminais abrem espaço para haver esse tipo de negociação e evita que o acusado da prática de determinado delito entre no sistema de Justiça criminal, que tem como ponto final a penitenciária.

Nesse mesmo sentido, Milher (1999), esclarece que a Justiça Especial Criminal possibilita aos implicados comportarem um acordo, abrangendo a indenização por eventuais danos materiais ou morais sofridos pelo ofendido, bem como pode o Ministério Público fazer uma proposta de pena a ser cumprida pelo autor do delito. Ensina, ainda, que o fim social a que se destina o Juizado é justamente permitir à população maior acesso à justiça para resolver o litígio de maneira mais célere, bem como pelo fato das penas aplicadas ao ofendido

não terem o caráter coercitivo e sim, ao contrário, buscam um meio de reeducar o indivíduo.

2.1 REFLEXÕES DA APLICAÇÃO DA LEI 9.099/1995 NAS QUESTÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.

Antes da mudança da legislação penal, existiam as funções desenvolvidas pela autoridade policial, que exerciam intimidações e resolviam os conflitos seguindo os padrões culturais que são ate compartilhados entre a polícia e a população. Seguindo esse raciocínio, Korner et al (2002), mencionam que se uma questão da violência doméstica fosse levada à polícia, haveria desestímulo, evidenciando um ponto negativo a ser evitado. Hoje, esta questão é dirimida segundo as normas do Juizado Especial Criminal, onde está acontecendo a mesma coisa. Essa banalização revela a grande necessidade e preocupação no sentido de repensar o que vem a ser realmente a conciliação, o que é esse processamento informal dos conflitos, qual é o perfil das pessoas e do espaço no qual ele é feito.

Em outras palavras, o que é preciso fazer é solucionar esses dilemas, tentando buscar delinear o perfil do mediador, que no entender de Korner et al (2002), pode ser a pessoa do padre, pode ser “sua excelência, o comissário, ou outros”.

Assim, embora tenham a aparência de serem suficientes para atenderem grande parcela de casos concretos, muito se questiona acerca da adequação dos juizados especiais criminais diante da violência doméstica a que se expõe um grande número de mulheres.

Esclarece Sallete (2005) que um dos motivos diz respeito ao fato de que mesmo quando a lesão corporal é leve, ela costuma ser recorrente e que raramente a mulher agredida leva o seu caso ao conhecimento do judiciário assim que ocorre na primeira vez, pois os fatores emocionais e sociais costumam conter esse tipo de iniciativa. Outro motivo está relacionado à natureza da convivência existente entre o agressor e a vítima, eis que esta pressupõe certo grau de confiança e afetividade, ou seja, o lado emocional do relacionamento.

É por esta razão que a violência doméstica, ainda quando produz lesões consideradas leves, merece ser classificada de forma diferenciada tendo em vista a violação do vínculo que une a vítima e o agressor, ou seja, quando o marido ou o companheiro agride sua mulher, esta agressão não deve ser juridicamente classificada da mesma forma que uma agressão praticada por um estranho. Bater na esposa ou na companheira deve ser classificado como algo mais grave do que bater em um estranho, ainda que a lesão provocada seja semelhante, pois o tipo de relação entre os cônjuges deve funcionar como elemento agravante.

Alem dessa questão técnica é também muito criticado pelo movimento feminista o entendimento jurisprudencial predominante nos casos de violência doméstica. Sendo encaminhados aos juizados especiais, esses são submetidos, primeiramente a fase de conciliação, na qual vítima e agressor tentam chegar a um acordo mediado pelo conciliador que procura conduzir as partes a um entendimento equilibrado.

Nesse sentido, enfatiza Araujo (2003) que na prática da Lei nº 9.099/1995 há indícios de ineficácia social, assim, explica que o artigo 69, caput, determina o encaminhamento das partes e do registro do fato, formalizado através do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), imediatamente ao Juizado Especial Criminal, para que ali seja realizada a audiência preliminar. Entretanto, contata-se a quase impossibilidade de se dar efetividade a esta previsão legal, isto porque o artigo 70 estabelece que depois de formalizado o TCO, deve a vítima retornar para o local onde o agressor se encontra para juntos comparecerem à Delegacia a fim de formalizar o compromisso de comparecimento ao Juizado Especial Criminal, saindo dali com a data da audiência previamente marcada.

Desse modo, observa-se que a Lei nº 9.099/1995 em alguns aspectos revela efeitos prejudiciais porque neste caso a vítima volta, logo após o registro do fato na Delegacia de policia, em contato com o agressor, o qual encara esse registro na Delegacia como um ato de agressão, quando não um comportamento de insubordinação por parte da vítima. O registro do fato torna-se, assim, um novo motivo de conflito, a ensejar nova violência. Durante este lapso temporal situado entre o registro da ocorrência e a audiência preliminar no Juizado Especial Criminal, a vítima fica totalmente desprotegida e refém do agressor.

Comenta Araujo (2003) que esta postergação da audiência preliminar pode não ser prejudicial à solução judicial de crimes de menor potencial ofensivo que não caracterizem violência contra a mulher, mas neste campo seus efeitos são nefastos, em virtude das especificidades deste tipo de violência, que se vêm se destacando freqüentemente. Ao explicar que estas práticas têm efeitos malignos, diz que a distância temporal entre o registro do fato na Delegacia e a audiência de conciliação faz com que a vítima reconsidere seu posicionamento, o que é normalmente tido como ato de coragem, ao considerar como parâmetro de análise sua relação afetiva ou sua dependência econômica, ou ainda ao ser submetida a diversos tipos de pressões, sobretudo da família do agressor, ou deste próprio, quando não de uma ameaça criminosa.

Assim, essa vítima tende a desistir do procedimento policial instaurado, muitas vezes comparecendo na delegacia no dia seguinte ao registro do fato, para a desistência, ou procurando o Juizado Especial Criminal para o mesmo fim. Não sendo possível a desistência

antes da primeira audiência, a vítima opta por não comparecer à audiência ou por aceitar um acordo com seu agressor, e não sua punição, como normalmente pretendia no início, ao procurar a intervenção policial, no calor dos fatos.

Evidenciando outro ângulo negativo, descreve Sallete (2005), que a solução da conciliação em muitos casos tem sido o pagamento de uma cesta básica à mulher. Embora na lei não haja nenhuma menção a esse tipo de pena, essa solução se espalhou por todo o Brasil, e com ela as suas críticas, que destacaram dois problemas sociais que fundamentam esse tipo de acordo. O primeiro diz respeito à banalização e tolerância velada à violência doméstica. Importante salientar que tolerância não significa aprovação, mas já é o suficiente para reduzir a gravidade do crime. Em segundo lugar, estão o posicionamento geralmente conservador do direito brasileiro e dos costumes arraigados na sociedade, que consagram o casamento como um bem público a ser preservado a todo custo, fazendo com que a família muitas vezes seja considerada algo mais valioso que a própria integridade física e psicológica da mulher.

O quadro descrito até aqui é bastante pessimista. No entanto, isso não deve levar à paralisação das mobilizações e movimentos de mulheres e homens para transformações socioculturais e jurídicas. Muitas mudanças foram conquistadas em contextos ainda mais conservadores e outras estão a caminho. No que diz respeito à violência doméstica, há um projeto de lei que pretende implementar transformações profundas da legislação, retirando os casos de violência doméstica dos juizados especiais; além disso, relata Sallete (2005) que há o projeto de reforma do Código Penal que pretende alterar a classificação dos crimes sexuais e retirar expressões discriminatórias da legislação, como por exemplo, o de mulher honesta. Há ainda conquistas recentes em razão da aprovação do novo código civil e, antes disso, transformações estruturais trazidas pela constituição de 1988, que positivou a igualdade formal entre homens e mulheres.

O acúmulo de vitórias é um estímulo para novas mobilizações, mas, por outro lado, uma visão realista é imprescindível para que não mascarem as discriminações que ainda persistem. É com a conscientização de todos que o processo tenso e difícil de transformação da sociedade em prol da igualdade de gênero surtirá os efeitos benéficos esperados pela lei e é com a eliminação de uma das expressões mais graves da discriminação contra a mulher, a violência doméstica, que se fará a diferença para uma sociedade mais justa e equitativa.

3 DA CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇAO DE TODAS AS FORMAS DE

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