• Nenhum resultado encontrado

4. Elementos da produção e do discurso

4.2. Elementos do discurso

4.2.3. A violência e o lúdico

Os programas radiofônicos, de modo geral, caracterizam-se pelo ritmo intenso e pela grande agilidade de produção, traduzindo-se em programas bem movimentados, ilustrados por músicas, por efeitos sonoros, por recursos de sonoplastia, por entrevistas etc., e comandados por locutores-apresentadores descontraídos, de locução empolgante.

Os programas policiais, mesmo considerando a sua especificidade (a reprodução simbólica da violência), mantêm essas características. Assim, a música, muitos efeitos sonoros e algumas brincadeiras e tiradas espirituosas vão responder pela descontração do programa, oferecendo um contra-ponto importante aos momentos de tensão predominantes.

A ludicidade e o humor, como elementos do discurso presentes nessa natureza de programa, apreendeu-se como relacionados à noção de ato comunicativo, entendido como um fenômeno que envolve sujeitos em interação. A finalidade desse ato, no caso em estudo, é a conquista da audiência, levando em conta a natureza psicológica e social dos envolvidos na referida interação (CASTRO, 1999).

Em ambos os programas analisados, há momentos de descontração. Essas situações são raras nos programas apresentados por Gino César (Plantão de Polícia e o Bandeira 2), restringindo-se a uma homenagem aos aniversariantes do dia, presenteados com a tradicional música “parabéns a você!”, a “bom dia” e cumprimentos a ouvintes nominalmente citados, em agradecimento pela audiência, e à leitura de algumas notas sociais (festinhas de aniversário, bailes populares etc.).

Por sua vez, Cardinot, em seu programa, parece cada vez mais preocupado em ampliar os espaços do lúdico, o que ocorre sempre com brincadeiras jocosas, por meio de personagens criados com essa finalidade, ou seja, para servirem de “escadas” do apresentador, a partir de notícias reais ou “produzidas” que tenham algo de risível,

[...] algo de imprevisto e de novo, além daquilo que esperamos atentos, porque o espírito suspenso e em dúvida pensa cuidadosamente no que advirá, e nas coisas

engraçadas comumente o fim é inteiramente outro do que imaginávamos, sendo disso que rimos (VERENA, 1999: 90). No entanto, o tipo de humor desenvolvido pelos seis personagens do Programa Cardinot exploram essencialmente a obscenidade. Nesse sentido, o objeto do riso está sempre ligado a algo “torpe, disforme, desonesto, indecente, indecoroso e pouco conveniente” (VERENA,1999:88), desde que não provoque compaixão ou lástima. Os tais personagens ancoram representações grosseiras e estereotipadas, o que é indisfarçavelmente revelado pelos nomes ou apelidos que recebem: “Rosquinha” é o gay “assumido”; Nêgo Manjuba é o “bem dotado”; Fuinha, a devassa tarada; Chico Fonfo, o fanho; Seu Babão é o bajulador, o “puxa-saco” do chefe Cardinot e, por último, Dr. Bronquinha que, ao contrário dos demais, não utiliza a temática sexual e trabalha a representação do “bocão”, aquele que tenta, no grito, à base do escândalo ao microfone e focalizando, simplificadamente, o problema, encaminhar as demandas populares recebidas à larga pela produção do programa.

O apelo ao erotismo e à pornografia, nesse gênero de programa, e sua boa aceitação pelo público mais uma vez deixa evidente a correspondência desse fenômeno com as nossas raízes sociais e culturais. Afinal, “em nenhum país nem em nenhuma língua os palavrões ostentam tamanha opulência” (FREYRE, 1963:302). Gilberto Freyre claramente identifica, com grande ênfase, a questão sexual como uma das formas de identificação que constituem o ser social, como a religiosa e a étnica, traços que marcaram a cultura nacional, como características essenciais do "povo brasileiro":

O erotismo grosso, plebeu, domina em Portugal todas as classes, considerando-se efeminado o homem que não faça uso dos gestos e dos palavrões obscenos. A mesma coisa do Brasil, onde esse erotismo lusitano só fez encontrar ambiente propício nas condições lúbricas de colonização. A maior delícia do brasileiro é conversar safadeza (FREYRE, 1963:302).

O recurso ao humor, usando o artifício de personagens, ainda se mostra útil, enquanto “veículo de um discurso proibido, subterrâneo, não oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas” (POSSENTI, 1998:26) como por intermédio do apresentador do programa que, assim, preserva a

imagem de uma certa “reserva moral”, o que é demonstrado, quando este, mesmo envolvendo-se nas brincadeiras, simula desaprovação à conduta dos personagens seus comandados. O humor veiculado dessa maneira acaba sendo extremamente reacionário, funcionando, efetivamente, como

[...] uma forma de manifestação de um discurso veiculador de preconceitos, caso em que acaba sendo contrário a costumes que são, de alguma forma, bons ou, pelo menos, razoáveis, civilizados, como os tendentes ao igualitarismo, sem dúvida melhores do que os contrários (POSSENTI, 1998: 49).

Esse fenômeno – a brincadeira em meio a notícias de crimes – busca a contradição, a transgressão, o deslocamento de algo, quase sempre de modo inesperado, a fim de possibilitar um outro efeito, muitas vezes oculto, que vai acarretar a comicidade ou o riso (CASTRO, 1999:05). As situações “engraçadas” do programa surgem sempre em resposta a uma situação estereotipada, em reação ao senso comum, aos problemas do dia-a-dia, o que é verificável até mesmo nas manchetes que anunciam as notícias destacadas no programa:

Cardinot:

- Mulher chama vizinha de ladra e vizinha diz que ela tem fama de cagona no bairro! (23)

- O caso das mulheres que são ex-lésbicas: a mãe de uma delas diz que o negoço dela é lambe-lambe! É lambe- lambe! É lambe-lambe!!. (24)

No desenrolar da narrativa desses casos ou durante as entrevistas com os envolvidos, esses elementos do risível estão sempre muito presentes. No exemplo seguinte, recolhido do programa Plantão de Polícia do dia 13 de setembro de 2002, o repórter Sérgio Dionízio se aproveita da desinibição pornográfica de uma entrevistada claramente para explorar o risível:

Repórter – ... tem uma história aí que o marido de sua mãe saiu com a Lela, que disse que ele recebe um cabôco “papa-chupa”,... como é essa história?...

Entrevistada – Eu não sei! Se é o cabôco chupa, papa-rôla, papa-tudo... Esse cabôco aí é ela que não pode ver um “negoço” em pé porque se joga logo em cima! (pausa...) Ele mesmo contou a minha mãe que não gostou de ter dormido com ela porque ela era muito fedorenta e era “toda fole”!...

Repórter (rindo-se, divertindo-se) – ... por que mesmo que ele não gosta de sair com ela?

Entrevistada – porque ela era muito fole, muito “folgada”, toda arreganhada, muito macho já tinha usado ela!

Apresentados dessa forma, esses casos compõem os momentos de descontração e de brincadeiras dos programas policiais e acabam tendo, além do efeito de projeção, o de identificação, ou seja, os personagens e suas histórias, oferecidos por esses programas aos ouvintes, podem catalisar modelos inimitáveis ou imitáveis, propiciando, assim, possível projeção ou identificação (SILVA, 1998: 09).