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4. Elementos da produção e do discurso

4.1. Elementos da produção

4.1.3. Perfil dos locutores-apresentadores

4.1.3.2. O perfil de Cardinot

Josley Cardinot, apresentador do Programa Cardinot, na Rádio Clube, guarda muitas semelhanças com o perfil de seu principal adversário na disputa por audiência, o Gino Cesar, embora haja singularidades importantes que o distinguem.

Cardinot começou a trabalhar, em rádio, praticamente, na adolescência, no estado do Rio de Janeiro, tendo chegado ao Recife ainda muito jovem, na década de 80, para trabalhar na Rádio Globo, pertencente, à época, ao Sistema Globo de Rádio. Depois de uma breve passagem pelo radiojornalismo, Cardinot logo assumiu as reportagens policiais e a apresentação de um programa chamado Combate, a versão local de um programa criado e exibido pela Rádio Globo do Rio de Janeiro, dedicado a notícias sobre violência.

O formato original desse programa era muito limitado e pouco se diferenciava do Bandeira 2, principal concorrente, a não ser quanto a

características pessoais do apresentador, especialmente em termos de voz e locução, aí sim, muito próprias de cada um.

Vieram as alterações no Combate e Cardinot participou ativamente desse processo. As transformações começaram pelo nome do programa que passou a chamar-se A cidade contra o crime. As inovações foram logo sentidas, como um volume maior de reportagens ampliando a pauta para a cobertura de assaltos a bancos, seqüestros, homicídios, suicídios, incêndios, acidentes de trânsito e eventos ocorridos nas 24 horas do dia e não apenas durante a noite/madrugada.

No entanto, a modificação que iria causar maior impacto refere às entrevistas realizadas com criminosos ou suspeitos detidos pela polícia, uma prática já adotada em rádios de outras regiões do país. Em formato de interrogatório policial, o repórter inquire os presos, chamando-os de assassinos, bandidos, traficantes, sem nenhuma dúvida quanto à culpabilidade dos mesmos, impondo-lhes uma condenação antes mesmo do julgamento pela justiça.

A esse modelo, Cardinot incorporou a agressividade no tom das perguntas, a humilhação aos presos através de ofensas morais diretas ou extensivas a familiares, com o uso de um vocabulário chulo e de muitos palavrões (imbecil, idiota, safado, doido, tarado, maconheiro, filho d’uma égua etc.), havendo situações em que o acusado era coagido a repetir frases ditadas pelo repórter, como “eu sou filho de uma égua!” ou “minha mãe está na zona!” ou ainda “eu sou um maconheiro safado”.

Ressalve-se, na ocorrência de todo esse expediente, a cumplicidade da autoridade policial, significando a legitimação indireta do abuso de poder do Estado, congruente ao ethos coletivo dominante, tendo ainda o evento diversos outros significados simbólicos, a serem abordados mais adiante.

Além disso, Cardinot abriu o estúdio da rádio, os microfones e telefones ao público, escancarando, dessa forma, a participação popular, introduzindo também, a partir daí, práticas assistencialistas, como a doação de cestas básicas a ouvintes muito pobres.

Essas modificações levaram Cardinot a subir no Ibope e a, praticamente, dividir a audiência com o seu colega Gino César, ameaçando-lhe seriamente o primeiro lugar na preferência do público.

Valorizado pelo sucesso, Cardinot se transfere para outras emissoras, mudando também o nome do programa para Programa Cardinot, mas conservando a obstinação da procura pela notícia sobre violência em delegacias, hospitais, consultando livros com registros de testemunhas dos fatos, de familiares das vítimas ou acusados, num trabalho de investigação que, por vezes, se antecipa ao da polícia, aspecto que é, oportunamente, capitalizado pelo radialista.

Em momentos como esse, o apresentador encarna o paladino da justiça, defendendo os mais fracos, dando-lhes vez e voz e ajudando a polícia a prender os bandidos e a desbaratar quadrilhas, papel de um autêntico xerife.

Cardinot constroi, assim, uma imagem simbolicamente poderosa, decorada com fortes elementos da tradição cultural brasileira, como o patriarcalismo, cujos princípios estão assentados no autoritarismo, no racismo, na vigilância, na punição e nos estereótipos da mulher, do negro e do pobre, como seres sem caráter, inferiores, carentes de direção e comando.

O radialista, além de repórter, é o apresentador do programa que leva o seu próprio nome (Programa Cardinot) e, nessa função, ele exibe também suas marcas identitárias, quais sejam: voz gutural, parecendo espremida na garganta, dando a sensação de um certo esforço para falar; o timbre predominante durante a locução é uma combinação de médios e agudos, ficando os tons graves minimizados em função do modo “gritado” de falar, com a intenção de produzir um sentido de indignação e revolta, revelando, ainda, expressão de seriedade, macheza, destemor e valentia ou brabeza – expressão talvez mais apropriada e sobejamente demonstrada, durante o programa, por meio de gestos agressivos como murros na mesa (nitidamente percebidos pelo ouvinte), principalmente, no final do programa, seguidos da frase, em tom raivoso, “acabou esta porcaria!”; os comentários opinativos sobre qualquer tema, política, religião, esportes, cultura, comportamento etc., além de segurança, feitos de improviso, também são típicos do comunicador, servindo- se, constantemente, de expressões chulas, de palavrões e de uma linguagem pontuada por ironias, deboches e galhofas que, auxiliada por músicas , caracteriza os momentos de descontração do programa, momentos da mais exacerbada violência simbólica, conforme será demonstrado melhor mais adiante.

Josley Cardinot, além do seu programa na Rádio Clube, chegou a assinar por dezoito meses uma coluna policial no jornal Folha de Pernambuco (conhecido por priorizar a cobertura de notícias sobre violência, com farta ilustração fotográfica) e, atualmente, apresenta na TV Guararapes do Recife, canal 9, os programas Pernambuco Urgente – a versão televisiva do seu programa policial radiofônico, exibido de segunda à sexta-feira no início da tarde, e o S.O.S. Cardinot, apresentado aos sábados pela manhã com um resumo dos “melhores momentos” da semana do Pernambuco Urgente.