• Nenhum resultado encontrado

2.2 VISÕES ALTERNATIVAS RELACIONADAS À PROPOSIÇÃO DE VALOR

2.2.1 A Visão da Service-dominant Logic (S-D Logic)

Lusch, Vargo e Wessels (2008) afirmam que avanços no campo de estudos dos serviços requerem uma fundamentação conceitual centrada especificamente em serviço. Com este propósito, Vargo e Lusch (2004a; 2004b) sugeriram que uma lógica emergente de criação de valor e de trocas, chamada Service-dominant Logic (S-D Logic) seria um quadro de referência mais robusto para a área do que a tradicional Goods-dominant Logic (G-D Logic) fundamentada na troca de unidades tangíveis de output (produtos ou mercadorias). Segundo os autores, no momento em que os serviços emergem como uma disciplina, requerem o desenvolvimento de um quadro conceitual próprio, uma vez que, no contexto da G-D Logic o

serviço (frequentemente referido como “serviços”) era relegado a um papel secundário, de mero suporte aos processos de manufatura (serviços agregados aos produtos). Esta nova perspectiva, com um modelo de criação de valor erigido sobre a provisão de serviços e não na produção de bens desafia e potencialmente transforma o pensamento e as práticas de marketing convencionais. Esta nova lógica se tornou conhecida como S-D Logic, em oposição a mais tradicional, e por muito tempo predominante, G-D Logic (LUSCH; VARGO; WESSELS, 2008).

Segundo a perspectiva preconizada pela S-D Logic, as empresas não podem criar valor, mas unicamente estabelecer proposições de valor (VARGO; LUSCH, 2004a). Esta tese reascendeu a longa discussão existente entre os pesquisadores sobre a natureza do valor em serviços. Empresas de serviços não preenchem aquilo que vendem com valor intrínseco, como as empresas industriais usualmente imaginavam a respeito de seus produtos. Elas fariam, ao invés disso, proposições de valor aos seus clientes, proposições estas que poderiam ou não ser realizadas (CORVELLEC; HULTMAN, 2014). A este respeito, Vargo e Lusch (2008a), salientam que os clientes detêm o poder de aceitar ou não as proposições de valor, e que a aquisição de uma oferta é um indicativo explícito da aceitação de uma proposição de valor. Ela sinaliza que o valor de uso antecipado ao menos corresponde às expectativas de que os sacrifícios financeiros e não financeiros incorridos na aquisição da oferta serão compensadores, da perspectiva do cliente.

Em acréscimo, como o processo de derivação de valor das ofertas, no caso dos serviços especialmente, requer a integração de recursos dos clientes, a proposição de valor está invariavelmente relacionada a mais recursos do cliente do que a uma única oferta especificamente. Deste modo, uma proposição de valor inclui uma oferta específica bem como uma sugestão, explícita ou implícita, de como integrar essa oferta a outros recursos dos clientes em suas práticas cotidianas (HOLTINEN, 2014). De acordo com Vargo e Lusch (2008b), os clientes experimentam e avaliam as proposições de valor de maneira idiossincrática, quer dizer, subjetivamente em cada contexto específico de integração de recursos. É o contexto que dá forma à integração de recursos, sendo estes mais valiosos em determinados contextos do que em outros (CHANDLER; VARGO, 2011). Como em determinados contextos os clientes poderão necessitar de novos conhecimentos e habilidades para efetivamente integrar novas ofertas aos seus recursos, é papel dos prestadores de serviço fornecer suporte à aprendizagem dos clientes, de modo que estes se tornem capazes de materializar o valor desejado (ARNOULD; THOMPSON, 2005; PAYNE; STORBACKA; FROW, 2008).

Originalmente, Vargo e Lusch (2004a; 2006) desenvolveram nove premissas para descrever as principais características da S-D Logic. Mais tarde, algumas dessas premissas foram modificadas e mais uma foi acrescentada (VARGO; LUSCH, 2008a), conforme mostra a Figura 1:

Figura 1 – Modificações e acréscimo às premissas fundadoras da S-D Logic

PFs Premissas Fundadoras Originais Premissas Fundadoras Novas/Modificadas Comentário PF1 A aplicação de habilidades e conhecimentos especializados é a unidade fundamental de troca

Serviço é a base fundamental da troca

A aplicação de recursos operantes (conhecimento e habilidades), serviço, como definido na S-D Logic, é a base para toda a troca. Serviço é trocado por serviço

PF2 A troca indireta encobre a unidade

fundamental de troca

A troca indireta encobre a base fundamental de troca

Porque o serviço é entregue por meio de combinações complexas de bens, dinheiro e instituições, a base de troca de serviços nem sempre é aparente.

PF3

Os bens são um mecanismo de distribuição para a entrega do serviço

Os bens são um mecanismo de distribuição para a entrega do serviço

Os bens (tanto os duráveis quanto os não-duráveis) derivam seu valor do uso do serviço que entregam

PF4 Conhecimento fundamental de é a vantagem fonte

competitiva

Recursos operantes são a fonte fundamental de vantagem competitiva

A capacidade comparativa de provocar a mudança desejada direciona a competição

PF5 Todas as economias são

economias de serviços

Todas as economias são economias de serviço

Serviço (singular) só agora está se tornando mais evidente com o aumento da especialização e terceirização

PF6 O cliente é sempre um coprodutor O cliente é sempre um cocriador de valor Implica que a criação de valor é interacional

PF7

A empresa somente pode fazer proposições de valor

A empresa não pode entregar valor, mas unicamente fazer proposições de valor

As empresas podem oferecer a sua aplicação de recursos para a criação de valor e, de forma colaborativa (interativa) criar valor na sequência da aceitação de proposições de valor, mas não pode criar e / ou agregar valor de forma independente

PF8

Uma visão centrada em serviço é orientada para o cliente e relacional

Uma visão centrada em serviço é inerentemente orientada para o cliente e relacional

Porque o serviço é definido em termos de benefícios determinados pelo cliente e cocriado é inerentemente orientado para o cliente e relacional

PF9

Organizações existem para integrar e transformar competências microespecializadas em serviços complexos que são demandados pelo mercado

Todos os atores econômicos e sociais são integradores de recursos

Implica que o contexto de criação de valor são redes de redes (integradores de recursos)

PF10 Valor é sempre unicamente e fenomenologicamente

determinado pelo beneficiário

Valor é idiossincrático, experiencial, contextual e carregado de significado Fonte: Vargo e Lusch (2008a, p. 7).

Inicialmente, a ideia de que o serviço poderia promover um acréscimo na construção de uma possível fonte de vantagem competitiva foi desenvolvida sob a lógica fundamentada em bens tangíveis, uma vez que era considerado, simultaneamente, como um tipo de produto (sob a denominação “serviços”) e algo como uma espécie de quinto “P” do marketing – outro elemento para maximizar o valor de outros produtos. Em oposição, a S-D Logic realizou progressos no sentido de compreender o “serviço” como uma variável independente, bem como o seu papel como o foco primário das trocas. Obviamente, existem exceções a este tratamento subalterno do serviço na literatura, representadas, sobretudo, pelas contribuições da Escola Nórdica (LUSCH; VARGO; O’BRIEN, 2007). Na perspectiva da S-D Logic, serviço é definido como a aplicação de competências especializadas por meio de ações, processos e desempenhos em benefício de outra entidade ou da própria entidade (VARGO; LUSCH, 2008c).

No entendimento da S-D Logic, um papel fundamental das empresas reside em oferecer proposições de valor, as quais, após terem sido aprovadas pelos clientes, permitem a cocriação mútua de valor (SKALÉN et al., 2015). Segundo os autores, a falta de pesquisas sobre a proposição de valor implica em que a inovação em serviços – que para a S-D Logic é a criação de novas proposições de valor ou o desenvolvimento das existentes – permanece pouco pesquisada e, consequentemente, pouco compreendida. De modo semelhante, Lusch, Vargo e O’Brien (2007) definem a proposição de valor como uma promessa feita pelo fornecedor ou provedor de serviços de que o valor de troca estará relacionado ao valor de uso. Na revisão da literatura realizada por Skalén et al. (2015), foram observados dois aspectos principais no conceito de proposição de valor segundo uma perspectiva de serviços: o foco na cocriação e a importância da integração de recursos.

Consoante isso, Heinonen, Strandvik e Voima (2013) concluem que é evidente uma perspectiva dominante no âmbito do provedor de serviços nas investigações anteriores sobre o valor, em especial na literatura tradicional atinente à gestão de serviços. Mesmo nas recentes discussões relacionadas à S-D Logic com foco em interações e na cocriação de valor, os recursos das empresas e suas ofertas são o ponto de partida quando se consideram as experiências de valor dos clientes. A formação de valor e o sistema de serviços, a partir de uma perspectiva do cliente, não foram temas suficientemente explorados. O ponto de vista recentemente introduzido, que se concentra na perspectiva do cliente representa, portanto, uma perspectiva contrastante que pode ter implicações profícuas para a área.

De acordo com Edvardsson, Gustafsson e Roos (2005, p. 118), “serviço é uma perspectiva sobre a criação de valor, ao invés de uma categoria de ofertas de mercado”. Para

Grönroos (2008), em suas proposições originais a respeito da S-D Logic, Lusch e Vargo viam os clientes como coprodutores mas, mais recentemente, alteraram essa visão para clientes como cocriadores de valor. A visão por muito tempo predominante de que o valor para os clientes está embutido em produtos que são o resultado dos processos de manufatura das empresas – valor de troca – tem sido desafiada por uma visão alternativa, qual seja, a de que o valor emerge na esfera dos clientes na forma de valor de uso, em seus processos de geração de valor. Esclarecendo este ponto, enquanto a G-D Logic considera o valor para o cliente como uma criação corporativa e gerencial incorporada aos produtos ou serviços, a S-D Logic estabelece que o valor é uma função complexa do processo de cocriação do cliente, materializada por meio das interações entre provedor e cliente (ANKER et al., 2015).