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CAPÍTULO 2 USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

2.4. A visão das populações ribeirinhas dos impactos

2.4.2. A visão dos ribeirinhos da RESEX do Iriri

Os dados utilizados nesta parte são oriundos do segundo campo de pesquisa, quando foram realizadas quarenta (40) entrevistas semiestruturadas com os moradores da RESEX do Iriri na Terra do Meio. Além das cinco categorias dos entrevistados conta- bilizados, três outros padrões de respostas existem e devem ser mencionadas, apesar de terem tido pouca representatividade - “(i) não sei; (ii) melhorou; e (iii) nada mudou”. Estas outras três variáveis não foram incluídas no gráfico porque não apresentaram nenhuma dimensão de impacto negativo: apenas cinco (5) ribeirinhos en- trevistados apresentaram uma visão de que houve melhoras após Belo Monte e, para essas pessoas essas mudanças foram consequências sociais de a usina ter estimulado a geração de emprego e a construção de escolas e hospitais em Altamira. “Depois de Belo Monte, agora na cidade tem mais escola e hospital, melhorou um pouco”.

Apenas uma pessoa entrevistada relaciona esta melhoria com o aumento da venda de farinha e peixe e faz uma relação direta com o aumento populacional na cidade de Altamira. Um único outro entrevistado não soube responder às perguntas da entrevista e se mostrou confuso(a) e com certo receio de emitir uma opinião pessoal a um(a) pesqui- sador (a). Uma outra pessoa entrevistada afirmou que nada mudou após a construção da usina.

O software Atlas Ti (Campbell et al., 2013) foi utilizado tanto para auxiliar a codificação das entrevistas, como para criar as categorias temáticas mais amplas e iden- tificar suas respectivas variáveis e subtemas. Dessa forma, diferentes dimensões da visão dos ribeirinhos foram analisadas, o que possibilitou melhor entendimento sobre as escalas geográficas em questão que se entrelaçam através da complexa territorialidade dessas populações.

Conforme pode ser verificado no gráfico abaixo, as dimensões que apareceram no campo exploratório se repetiram no segundo levantamento e a maioria dos entrevistados (29%) apresentou uma visão associada à dimensão econômica de impactos da usina que, junto com a dimensão social (18%), aponta para transformações em relação ao modo de vida ribeirinho associadas especificamente às transformações na cidade de Altamira. A dimensão cultural teve 21%, a ecológica 20% e a política 12%, e, claro, é importante salientar o quanto tais dimensões

estão entrelaçadas

A quantidade e a variedade de impactos sociais negativos notados pelos ri- beirinhos das RESEXs entrevistados, reforça a forte relação dos ribeirinhos das RESEX com a cidade de Altamira e a área diretamente afetada (ADA) pela usina ao redor da Volta Grande do Xingu, o grande meandro onde a barragem foi construída. Justamente através de relatos sobre fragmentação e/ou ruptura de relações sociais e afetivas, e acerca da maior dificuldade no acesso a serviços e mercadorias, que os ribeirinhos das RESEXs mais sentem os efeitos de Belo Monte em suas vidas. Dessa forma, cabe destacar que dentro dessa escala de impactos “cidade de Altamira” é que se situa a dimensão social e econômica da perspectiva dos ribeirinhos acerca dos impactos negativos da usina.

A degradação da qualidade de vida é relacionada principalmente ao serviço de saúde na cidade (mais filas, mais tempo esperando para ser atendido, ribeirinhos ressaltam localização do hospital agora longe do “beiradão”) e o aumento da violência na cidade, muitos deles afirmam terem mais medo pelo aumento da criminalidade50 na cidade de Altamira após a

50 De fato, a cidade se tornou a mais violenta do Brasil, segundo ranking do Instituto de Pesquisas Aplicadas

(IPEA) divulgado em 2017.

DIMENSÕES DA PERSPECTIVA

RESEX DO IRIRI - CAMPO II - 40 ENTREVISTADOS

Política 12% 19% 29% Social 18% Ecológica 20%

construção de Belo Monte. “A cidade de Altamira mudou muito, muita bandidagem, nem sentimos vontade de ir. Não tem casa de parente pra ficar.”

A remoção compulsória realizada no “beiradão” do rio Xingu em Altamira afetou os ribeirinhos moradores das RESEXs, já que muitos familiares que habitavam as margens do rio tiveram que se mudar para os reassentamentos urbanos coletivos (RUCs) afastados do Xingu, ou – em alguns casos - os próprios moradores das RESEXs mantinham uma “casa de apoio” própria ou utilizavam a da associação em Altamira:

Meu pai morava quase no beiradão e agora tá no Jatobá e dá trinta reais de táxi até o RUC, e as minhas irmãs também estão lá. Não gosto da casa de apoio (da associação) porque é muita gente, prefiro ficar na casa da minha irmã mesmo.

Neste sentido, para os ribeirinhos da RESEX do Iriri, os impactos de Belo Monte ocorreram, principalmente, em duas escalas geográficas que estão intimamente articuladas pela dinâmica territorial da Terra do Meio e pelo complexo modo de vidadas populações tradicionais que ali habitam.

Uma escala envolve a visão ribeirinha que sinaliza mudanças dentro do mosaico de APs da Terra do Meio – considerada AAR - e a outra envolve mais diretamente as mudanças sociais e econômicas associadas à cidade de Altamira - concebida como ADA e AID da usina. Desta forma, os impactos apontados pelos ribeirinhos na Terra do Meio estão associados às dimensões política, ecológica e cultural do território, com destaque para a questão étnica que envolve a comparação com as populações indígenas. Já na escala Altamira, os impactos ressaltados pelos ribeirinhos do Iriri têm relação direta com os aspectos socioeconômicos, tendo destaque, em particular, a perda do poder de compra dessas populações em Altamira.

Considerações finais

As experiências vividas e relatadas nas entrevistas realizadas com os moradores das RESEXs da Terra do Meio indicam que impactos da UHE Belo Monte foram sentidos e percebidos de diferentes formas por ribeirinhos que habitam as RESEX do mosaico. Em relação aos “territórios de impacto da barragem” delimitado, a Terra do Meio integra a chamada área de abrangência regional (AAR)51 de impactos da usina, ou seja, estão fora da área de impacto direto ou indireto identificado pelo EIA-RIMA de Belo Monte. No entanto, os impactos relatados na cidade de Altamira expressam como a questão de distância é relativa quando se trata de impactos de usinas hidrelétricas em populações tradicionais.

Sem considerar a territorialidade dos ribeirinhos, não há como se estudar e avaliar impactos de grandes usinas hidrelétricas, já que estas populações abarcam outras lógicas, outras perspectivas, articulam escalas geográficas de outra forma e tem um modo de vida baseado em um sitema complexo de atividades e dinâmicas.

As RESEXs do Xingu, do Iriri e do Riozinho do Anfrísio foram incluídas oficialmente apenas na condicionante 2.24 da Licença de Operação (LO) de Belo Monte 1317/2015, o que indica que a NESA, apesar de não concordar que exista uma relação direta entre a construção de Belo Monte e a diminuição dos recursos pesqueiros nas RESEXs, desenvolverá um projeto de “Assistência à Pesca Sustentável”nas UCs. Este projeto ainda está em discussão entre a empresa, o ICMBio e as associações das RESEXs.

A leitura de cartas relacionadas a esse projeto mostra que as associações contam com apoio fundamental de stakeholders nesta questão, o que permite que ampliem suas articulações políticas (como, por exemplo, foi a articulação do ISA com o MPF do Pará para exigir a redestinação dos recursos de CA).

Destaca-se que os ribeirinhos entrevistados não possuíam informação sobre a polêmica destinação dos recursos de compensação ambiental (CA52) de Belo Monte entre UCs de uso sustentável e de proteção integral na Terra do Meio. Fato que se torna contraditório, a partir da leitura de documentos53 assinados pelas associações reivindicando veementemente seus direitos em relação à CA da UHE.

Abaixo, um trecho da “Moção de discordância com a proposta de distribuição de recursos de compensação ambiental da UHE Belo Monte”, entregue ao ICMBio em agosto de 2017 e assinadas pelos conselhos do Iriri e Riozinho do Anfrisio.

O licenciamento ambiental da usina de Belo Monte foi marcado por um processo de distribuição injusta dos recursos da compensação ambiental e incondizentes com os impactos previstos no EIA-Rima e reconhecidos nas UCs da Terra do Meio.

Desta forma, o acompanhamento presencial em reuniões do conselho deliberativo das RESEXs tanto com o ICMBio, como com o ISA, indica que as informações sobre CA de Belo Monte ainda não chegam aos moradores das RESEXs de maneira clara. Tal fato foi constatado em campo nas reuniões e entrevistas e indica a forte influência dos stakeholders ISA e ICMBio - na politização do tema. A linguagem utilizada nos documentos assinados pelas

52 Ver mapa sobre CA de Belo Monte no capitulo anterior.

associações das RESEXs expressa também a influência desses outsiders na discussão e mostra que a capacidade de articulação política dos moradores das RESEXs é fortemente mediada por esses dois órgãos atuantes na área.

Embora muitos dos impactos destacados neste estudo estejam apenas começando, é extremamente importante que exista um processo de documentação das transformações apontadas pelos ribeirinhos entrevistados desde já, assim como o devido acompanhamento dos impactos relatados, já que se faz necessário compreender como as mudanças estão se desenvolvendo em diferentes escalas. Este pode ser um material fundamental para encontrar soluções e medidas coerentes com a realidade dessas populações em projetos futuros de construção de grandes usinas hidrelétricas na Amazônia.

Dentre as mudanças destacadas pelos ribeirinhos entrevistados na pesquisa, seria importante aprofundar a investigação com devido acompanhamento a respeito de alterações na cadeia produtiva do pescado para que o projeto de assistência à pesca - que ainda está em discussão - possa ser coerente com a realidade dos ribeirinhos que habitam as RESEXs da Terra do Meio.