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Face a estes quatro cenários, foram realizadas sessões em cada uma das 5 freguesias representativas dos 5 tipos de áreas periurbanas, onde os stakeholders foram chamados a equacionar qual o tipo de agricultura que se inscreve num futuro sustentável de acordo com tipologia de espaços periurbanos da AML (Figura 1).

Nos dois tipos de área periurbanas mais urbanizadas, a actividade agrícola não é percepcionada como o factor determinante. Pela escassa área de solo disponível para a agricultura (já no presente), veem-se como consumidores, reclamando a existência de acesso facilitado a produtos de proximidade por via de mercados locais ou de uma melhor rede de transportes públicos com acesso a áreas de produção local (Agualva - Sintra), ou dedicados a uma agricultura urbana, destacando o valor social dessa actividade (Vialonga – Vila Franca de Xira). Neste último caso precisam que instrumentos de gestão que possam proteger o solo agrícola dentro das áreas urbanas, o que desde 2015 deixou de estar assegurado por via do Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (artigo 10º).

Do outro lado do espectro, os stakeholders da freguesia do Poceirão (Palmela) não veem o futuro desligado da agricultura. Mas também não vêem o futuro noutro tipo de agricultura que não a convencional que já praticam na actualidade. Apesar de uma atitude conservadora face ao futuro, onde a agricultura se estrutura em torno de uma visão de competição à escala global. De facto, percepcionam que o seu futuro está centrado na sua vocação como exportadores de produtos agro-pecuários ligados a grandes empresas (por exemplo farmacêuticas), ou em termos nacionais, contribuindo para a auto-suficiência. Referem que um melhor futuro precisa uma melhor intervenção do Estado numa re-orientação mais produtivista da PAC (reforço do 1º pilar) e na criação de redes de comercialização. Ou seja, uma competição global protegida.

Na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada (Setúbal) vê-se o futuro da agricultura associado à área da Serra da Arrábida e ao seu valor ecológico. Prevê-se que no futuro se venham a valorizar mais os produtos de nicho, de origem protegida e de maior qualidade. Percepciona-se que é preciso investir em formação específica neste domínio para formar novos produtores habilitados a explorar modos de produção alternativos, como a agricultura biológica ou a apicultura, entre ouros. A produção local é destinada sobretudo a uma população global que antecipam querer vir viver e visitar esta área pela sua extraordinária beleza natural e cultural. Esta compatibilização almejada entre o turismo, a agricultura e a conservação da natureza, carece de uma articulação multissectorial e de múltiplos programas, como por exemplo Business & Biodiversity (ICNF46F

1) e medidas de

Desenvolvimento Rural que precisam de ser adequadamente integrados nos Planos de Ordenamento da Área Protegida e do PDM.

A aspiração a consumidores globais fica dependente da intervenção da administração central e local.

Por último, e porventura mais integrado no paradigma “Smart”, situa-se Sarilhos Grandes (Montijo), evidenciando uma grande abertura à inovação, aos métodos de produção alternativos, tanto relativo aos produtos como às formas de comercialização, e uma forte predisposição para a aprendizagem. Veem-se no futuro no centro da melhor investigação internacional, do domínio, por exemplo, dos frutos vermelhos e da floricultura ou geração

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de bio-energia. Para potenciar o espaço de inovação refletem sobre a necessidade da existência de polos tecnológicos ligado à produção, da criação de estruturas de apoio à comercialização, nomeadamente em redes acesso, e a consideração de áreas de logística e industriais no respetivo Plano Diretor Municipal.

Figura 1. Principais tipos de agricultura perspectivados pelos stakeholders nos vários tipos periurbanos como parte integrante de um futuro sustentável

4. Conclusão

A propósito do “sol na eira e a chuva no nabal”, com é sabido, é difícil ter ambos em simultâneo. Em relação aos futuros identificados como sustentáveis pelos stakeholders para as áreas periurbanas, estas apresentam conjugações de aspectos, nem sempre compatíveis. Por exemplo, quando se equaciona o benefício de uma multinacional a investir numa vasta área de monocultura de um OGM com mão-de-obra importada de países em vias de desenvolvimento albergada em alojamentos precários, é certamente difícil de compatibilizar com aspectos assentes no turismo rural numa casa de traça arquitectónica tradicional inserida num mosaico agrícola diversificado onde se vendem produtos biológicos e se pretende fazer “bird-watching”. Esta dualidade verifica-se menos ao nível dos interesses individuais vs. colectivos, eventualmente devido à matriz cultural presente e associada ao valor ético da alimentação em geral, mas encontra-se extremamente presente ao nível da discussão global vs. local. Não parecendo ser evidentes as implicações da globalização à escala local. Acordos comerciais

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abrem as fronteiras em ambas as direções, o que pode ter consequências “inesperadas” ao nível da paisagem e das vivências locais. Ou seja, se por exemplo, exporto vinho, também importo borrego, por exemplo da Nova Zelândia, a um custo muito inferior do borrego nacional, tornando a prazo a paisagem bucólica da pastagem com o rebanho uma memória do passado. Essa relação causa-efeito - ação global e impacto local - é eventualmente dissociada por três ordens de ideias: (1) os agentes não são necessariamente os mesmos; (2) podem estar distantes em termos geográficos, e (3) os processos não ocorrem em simultâneo.

Esta recolha de percepções assim permite entender quais as disponibilidades (enquanto conjugação de vontades e condições concretas) dos agentes para a atuação, e constatar que as percepções não são homogéneas no território da AML. No que respeita à produção agrícola também evidencia que é preciso uma articulação entre múltiplos sectores ao nível da prática territorial, das políticas e da legislação produzida.

Entre estes destaca-se a necessidade de criação de uma nova classe de espaço “periurbano” a par do rústico e do urbano, no sentido de poder responder ao potencial agrícola de cada tipo de espaço; a identificação de novas formas de regulamentação para a gestão do espaço agrícola nos Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) por forma a assegurar o uso agrícola do solo, nomeadamente em solos de maior potencial, independentemente da classe de espaço onde se insiram; a provisão na PAC de instrumentos dedicados a espaços periurbanos e urbanos; uma atuação junto da distribuição com mecanismos financeiros adequados, por forma a assegurar o acesso dos consumidores aos produtos e proximidade a preços competitivos face aos produtos importados; ou num processo de ordenamento “de facto” dos espaços agrícolas no contexto dos IGT com a participação ativa dos agentes locais.

Por fim, pode concluir-se que para além de qualquer outra medida, urge aprofundar a reflexão sobre o nosso posicionamento face às dinâmicas globais e locais, e sobre qual a via que melhor satisfaz a especificidade destes territórios.

Agradecimentos: Este estudo foi desenvolvido no contexto do projecto PERIURBAN (PT/AUR/AQI/117305/2010) financiado pela FCT entre 2012 e 2015. A autora agradece a toda equipa e aos stakeholders que acompanharam as várias fases do projecto.

Referências Bibliográficas

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McCann, P.; Ortega-Argilés, R. (2015) Smart specialization, regional growth and applications to European Union cohesion policy. Regional Studies, 49: 1291-1302.

Gonçalves, J.; Castilho-Gomes, M.; Ezequiel, S.; Moreira, F.; Loupa-Ramos, I. (2017) Differentiating peri-urban areas: A transdisciplinary approach towards a typology. Land Use Policy, 63:331-341.

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Práticas do etnodesenvolvimento no contexto urbano?

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