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3. OBSERVAÇÕES CRIMINOLÓGICAS SOBRE A SELETIVIDADE NO DIREITO

3.1 CRIMINOLOGIA: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES

3.1.2 A vitimização difusa nos crimes econômicos

Com a criminalidade econômica, em que pese não haver o problema do contato direto entre infrator e vítima, nem os problemas posteriores do contato entre a vítima e as instâncias de controle e a sociedade, ocorre um outro processo de vitimização, denominado vitimização difusa. Esta vitimização difusa pode ser definida como “capacidade de determinado delito causar, prejudicar um número de vítimas elevado, ou seja, são delitos que atingem a coletividade, tornando assim muito difícil ou impossível a determinação das vítimas”.167

Silva Sánchez atribui esta “nova” forma de legislar, essa criação de tipos penais que tutelam interesses difusos, interesses de toda uma classe à transformação social em sociedade do bem-estar em sociedade de classes passivas: pensionistas, desempregados, destinatários de prestações públicas educativas, sanitárias, pessoas ou entidades subvencionadas, ou seja, pessoas que são beneficiários da transferência de riquezas e que se convertem rapidamente em cidadãos, pois são eleitores em potencial.168

167

ABRÃO, Guilherme Rodrigues. O acordo de leniência no Direito Penal. Disponível em http://ibccrim.org.br/site/artigos/_imprime.php?jur_id=9724#_ftnref5, acesso em 18 de janeiro de 2015.

168

SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria. La Expansión Del Derecho Penal. Aspectos de la Política

criminal en las sociedades postindustriales. 2ª reimpresión. Montevideo-Buenos Aires: IBdeF,

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Demonstra, ainda, historicamente, uma verdadeira transição da sociedade de riscos para aquela em que a característica marcante é a restrição progressiva das esferas de atuação arriscada. Neste momento atual, a ponderação entre risco permitido e risco desaprovado abre espaço para, cada vez mais, a presença da ingerência. Somado a isso, Silva Sánchez ainda aponta uma característica social que acaba por ampliar esta noção de ingerência, que é a resistência psicológica da vítima, que não aceita explicações com base no caso fortuito ou na simples produção de dano por azar (fruto de algumas situações de risco inerentes à sociedade).169

Assim, a fim de evitar condutas arriscadas que possam lesionar um sem-número de vítimas, é exigida uma tipificação capaz de estabelecer uma barreira ou um campo de proteção antecipada no contexto de uma sociedade de risco, adotando-se, em várias legislações extracódigo, a figura do tipo penal de perigo.

Pierpaolo Cruz Bottini define o tipo penal de perigo (abstrato) como sendo fruto de uma técnica utilizada pelo legislador para criar condutas criminosas sem que haja resultado externo. “Trata-se de prescrição normativa cuja completude se restringe à ação, ao comportamento descrito no tipo, sem nenhuma referência aos efeitos exteriores do ato, ao contrário do que ocorre com os delitos de lesão ou de perigo concreto”.170

Na sociedade intolerante ao risco, estes tipos penais são bastante usuais, já que é “difícil e problemática [...] a tarefa de garantir segurança, vindo o mecanismo do perigo abstrato a apresentar um input em relação aos tipos delitivos que exigem a entrada de uma ofensa de dano/violação”171

.

Ocorre que, nos delitos contra a ordem econômica, de uma forma geral, mais um problema pode ser identificado em relação à vitima e à vitimização difusa: o grande público, que é vítima desta espécie de delinquência, não consegue enxergar nas atividades econômicas do sujeito de colarinho branco a potencialidade lesiva. Até mesmo porque, como gozam de certo prestígio que lhes confere a situação social e

169

Idem, ibidem, passim.

170

BOTTINI. Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato e princípio da precaução na sociedade

de risco. São Paulo Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 111.

171

CÂMARA. Guilherme Costa. Programa de política criminal orientado para a vítima do crime. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 120.

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econômica, encontram sempre portas abertas à exploração de prestígio, ao tráfico de influência e à própria corrupção do sistema, facilitando, assim a circulação de seus lucros no mercado.

Manoel Pedro Pimentel172 dá conta de reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo” em 1944! em que se comentava a facilidade de trânsito deste sujeitos pelo domínio econômico e a constante impunidade destas condutas. Escrevia Alípio Ferreira em sua reportagem, que os Estados Unidos do pós-guerra assistia ao crescimento de uma criminalidade perigosa, e que, quase nunca, ia para a cadeia. E, tece uma comparação: “se um criminoso vulgar arrombar o cofre de uma companhia e retirar 20 mil dólares, terá uma longa pena de prisão.” Já com relação a esta nova onde de criminalidade, “se incorporadores insecrupulosos organizarem uma holding company, que passe a sugar anualmente um milhão de dólares de salários incautos, [...] eles, quase na certa, ficarão impunes”.

Em verdade, Hassemer e Munõz Conde esclarecem que, na moderna legislação penal, há uma tendência a atenuar o contrate entre delinquente e vítima, como é o caso da legislação sobre o tráfico de drogas, criminalidade econômica ou proteção do meio ambiente. Nestas novas legislações, a tendência é criminalizar condutas “sem vítimas” ou com “vítimas difusas”, com a característica de afastar a vítima do Direito Penal material; há, ainda, uma forte tendência à substituição da provocação de um dano por apenas a colocação do bem jurídico em condição de perigo. Duas consequências podem ser extraídas dessa nova forma de legislar: o “dualismo entre delincuente y víctima cada vez ofrezca mayor dificultad para ser explicado por el Derecho penal” e, ainda, “que la Administración de Justicia penal, tradicional y cotidianamente experimentada como una institución para el castigo de las más graves lesiones de intereses entre individuos, tienda cada vez más a convertirse en instrumento conductor de finalidades políticas.”173

172

PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: Comentários à Lei 7.492, de 16.6.86. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 27.

173

CONDE, Francisco Muñoz. HASSEMER, Winfried. Introducción a Criminología y al Derecho

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3.2 O GRANDE PROTAGONISTA: O DELINQUENTE. DOS FATORES

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