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3. OBSERVAÇÕES CRIMINOLÓGICAS SOBRE A SELETIVIDADE NO DIREITO

3.4. CRIMINOLOGIA CRÍTICA OU RADICAL: A NOVA CRIMINOLOGIA

Nessa trilha de raciocínio, com o avanço científico da Criminologia, chega-se à chamada Criminologia Crítica. Merece destaque, nesse contexto, uma das vertentes desta corrente, chamada Criminologia radical, pois a partir dela o fenômeno da

237 “Estudos feitos demonstram que as for<;as policiais concentram as suas atenções e suas

atividades de prevenção e de repressão sobre certos grupos que foram anteriormente identificados por meio de etiquetas. (A folha de antecedentes policiais e penais representa aqui um importante papel) Isto cria ressentimentos e hostilidade nas pessoas, que estarão ainda menos dispostas a prestar a sua cooperação aos agentes de controle social e ao pr6prio grupo. Este comportamento, por seu lado, intensifica a reação social e aglutina e solidifica como consequência uma conduta que será cada vez mais desviante.” 237

ANYIAR DE CASTRO, Lola. Ob. cit. p. 105.

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SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia e Política. in Criminologia no Século XXI. Coordenação Walter Barbosa Bittar. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 111.

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criminalidade começou a ser associado aos miseráveis sociais, marginalizados, excluídos pela classe econômica dominante.

Lola Aniyar de Castro demonstra que esta Nova Criminologia, como costuma ser designada, inaugura uma ideologia do conflito. Pelas ideologias marxistas, percebe- se que a formação do Estado é uma formação de sociedade de classes. Neste contexto, exatamente porque existe uma classe dominante e o proletariado, as leis penais não podem ser vistas como um consenso, mas como um conflito e uma imposição de ideologia visto que “a sociedade não tem os mesmo valores: é plural”. Uma Criminologia que parte desse pressuposto, não pode considerar o criminoso como um anormal, que deve ser castigado, melhorado e readaptado: A Criminologia deve se libertar dos conceitos unicamente (e unilateralmente) trazidos nos códigos penais e passar a ter liberdade em seu objeto de estudo. 239

Nesta visão, o crime deriva da luta de classes, da situação de miserabilidade social que se impõe a alguns em detrimento de uma minoria. É baseada em doutrina marxista, e tece duras críticas ao ordenamento da sociedade capitalista, fazendo uma análise do ponto de vista da classe trabalhadora, criticando a própria lei, por ser esta, instrumento da classe dominante e trazendo subsídios importantes para uma nova política criminal.240

Juarez Cirino dos Santos acentua, nesse sentido, ao comentar a obra Vigiar e Punir, de Michel de Focault, que "o objeto real mais geral do sistema de Justiça criminal (além da aparência ideológica e da consciência honesta de seus agentes) é a moralização da classe trabalhadora, através da incultacão de uma ‘legalidade de base’: o aprendizado das regras de propriedade, a disciplina no trabalho produtivo, a estabilidade no emprego, na família etc".241

Por sua vez, indica Gacía-Pablos de Molina que “a Criminologia, por seu turno, deve contemplar o delito não só como comportamento individual, mas, sobretudo, como problema social e comunitário, entendendo esta categoria refletida nas ciências

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ANIYAR DE CASTRO, Lola. A Evolução da e Avaliação de Teoria Criminológica Seu Estado Atual. tradução Eliane Junqueira. In: Revista de direito penal e criminologia. vol. 1 nº 1. Rio de Janeiro: Forense: Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro, 1971.

240

SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia Radical. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2008. p. 97

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sociais de acordo com sua acepção original, com toda sua carga de enigma e relativismo” 242

Passou-se, a partir de então, a associar o fenômeno da criminalidade àquelas pessoas que não estavam adaptadas socialmente, é dizer, que estavam à margem da sociedade, justificando muito do comportamento criminoso por esta exclusão no processo de detenção dos meios de produção.

Nesse sentido, Zaffaroni arremata que “há décadas é conhecida a tendência da seleção criminalizante a exercer-se de acordo com estereótipos e a recair sobre a criminalidade grosseira, praticada por pessoas das classes subalternas, carentes de treinamento para condutas mais sofisticadas ou mais dificilmente captáveis pelo sistema penal.” Essa afirmação conduz à conclusão que a grande maioria dos criminalizados não são considerados como tal somente em razão do conteúdo ilícito do injusto cometido, mas pela forma grosseira deste (“obra tosca”, nos dizeres de Zaffaroni) e pelas características estereotípicas do agente, que o colocam sob a mira do sistema penal.” 243

Assim, a Criminologia na América Latina, dado aos números alarmantes de violência que se está diante, não pode ‘dar-se ao luxo’ de buscar um único marco teórico, perdendo tempo ao encontrar e aperfeiçoar esses marcos. Tampouco pode se limitar a ter um horizonte de projeção determinado e limitado. Ao contrário: deve se comportar como uma espécie de “columna vertebral a la que se van prendiendo todos los conocimientos que son necesarios para disminuir el nivel de violencia con que opera el sistema penal”.244

A Criminologia precisa ser crítica! Isso porque “lo contrario sería convertirse en discurso legitimante de una realidad genocida.” Outra razão pela qual não se pode evitar o caráter crítico da Criminologia é o compromisso do discurso criminológico “con nuestra propia supervivencia como comunidad nacional, gravemente

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GARCÍA-PABLOS DE MOLINA. Antonio. GOMES, Luiz Flávio. Ob. cit. p. 320

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Culpabilidade por vulnerabilidade. in Revista Discursos Sediociosos n. 14. Tradução: Fernanda Freixinho e Daniel Raizman. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p. 12

244

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derechos Humanos y Sistemas Penales en América Latina. in VARIOS AUTORES, Criminología Crítica y Control Social I. El Poder Punitivo del Estado, Argentina: Editorial Juris, 1993.

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amenazada por la disolución comunitaria que viene provocando el paulatino pero incesante carácter represivo del sistema penal”. Isso quer dizer que a orden ‘disciplinadora militarizada vertical’ do modo coorporativo da sociedade ameaca a própria constituição a sociedade. “No le bastará, pues, ser "crítica", sino que también deberá ser "aplicada", o mejor dicho, no tendrá sentido quedarse en el nivel de mero discurso de crítica teórica.”245

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