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A vizinhança de antigamente

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5. Praça de Dois Irmãos Práticas Políticas e Associativas Práticas Culturais e de Lazer

3.3 A relação de vizinhança

3.3.1 A vizinhança de antigamente

A perspectiva da relação em comunidade e as interações sociais decorrentes do processo de vizinhança são o grande elemento fomentador das relações sociais. Uma dimensão de modo de vida de base comunitária, como falado na fundamentação teórica, trata de relações mais próximas entre as pessoas, menos fria e analíticas como nas sociedades mais urbanizadas.

Esse tópico pretende abarcar essa dimensão, dividido em como era antigamente, depois um tópico específico para as festas tradicionais e suas comemorações e por fim, como se manifestam as relações entre os vizinhos nos dias de hoje. Evidentemente que os tópicos se misturam e tratam de um tema em

89 comum que são as interações entre os vizinhos, a divisão foi mais pra facilitar a divisão das falas.

Discutimos sobre as relações de vizinhança na fundamentação teórica, como é um processo imprescindível para estabelecimento de boas relações entre os moradores/as que habitam um pedaço. Por vezes, dependendo da época, do contexto social, das prioridades, teremos comportamentos de uma forma e em outras épocas as mudanças podem trazer abordagens bem diferentes, mostrando que o certo e o errado são mutáveis e os códigos de boas relação acabam que são construídos tempo a tempo a partir de contextos sociais mais amplos, mas pretendendo preservar raízes que são importantes para cada pedaço.

Escolhi começar com Dona Luzinete, que na sua fala lembra de vivências de 70 anos atrás, ou seja, um tempo que a maioria dos entrevistados não alcançou. Ela traz um aspecto interessante da vida cotidiana entre as mulheres, de um apoio mútuo imprescindível para criação dos filhos.

“Quando a gente era criança tinha muitas árvores, frutas, por aqui. Hoje em dia, as crianças não ligam muito pra isso não. Mas a gente comia de tudo, né? Não tinha esse negócio... Ia no quintal do vizinho, tirava, não tinha esse negócio ah, entrou no meu quintal. Não tinha essa coisa naquela época. Era assim muito vizinho, muito amigo, de ajudar o outro. Hoje em dia as pessoas são mais afastadas. Ah, eu acho que é da própria vida, tudo muda. Mas naquele tempo era assim, aquela coisa, vizinho quando tava precisando, todo mundo ajudava. Essa minha vizinha mesmo, que todo ano tinha um filho, eles eram do interior, moravam aqui, ele trabalhava no saneamento. Então quando ela tinha neném todo mundo ajudava. Nesse caso, era minha mãe e a mãe de Marlene. Aí iam pra lá, faziam comida, dava banho no neném, ajeitava ela, cozinhava pras outras crianças, limpava a casa, lavava a roupa, fazia tudo isso. Ajudava até ela passar aquele período que ela pudesse voltar às atividades dela. Entendeu? É muito diferente, né, do tempo hoje. Aí você vê que a coisa é bem... Isso é uma coisa de quantos anos? 70 anos atrás. Quer dizer, eu tinha 10 anos na época. Hoje as pessoas não querem muito ninguém nas suas casas porque acha que vai observar... entendeu? Cada um na sua. Aí você vê que hoje as coisas, o tempo mudou, o povo se fechou. Tinha uma coisa muito engraçada. Ali na COMPESA, onde tem essa parte de cá, tinha uma um ferro, uma pilastra de ferro, só que era ferro mesmo, maciço, dessa altura, que era pendurada pra bater e chamar o povo pra trabalhar. Dia de pagamento, o contador vinha lá da cidade, aí tocava a sineta e o pessoal largava do serviço e vinha receber o dinheiro. Então, a gente usava essa sineta quando era época do Ano Novo pra bater. Os postes como era antigamente de ferro, né, foram todos trocados, então a gente se juntava ali onde tem o departamento, ali tinha uma casa, que morava uns 10 filhos, aí a gente era tudo muito amigo. São

90 João a gente brincava lá, que a mãe dos meninos e o pai gostava muito. Então se juntava todo mundo, a gente ia ajudar a fazer as comidas, que ela cozinhava muito bem. Aí era fogos, era fogueira, um fogueirão enorme no quintal, pra assar milho, aí todo mundo comia, brincava, dançava. E o pessoal dessa casa mesmo sempre fazia bolo, uma delícia, então preparava e mandava pra gente, e ia pra festa também. Aí tinha muita brincadeira, era muito bom.” Dona

Luzinete

Trazendo mais a perspectiva das datas comemorativas, Dona Marlene lembra do São João, do Natal e especificamente de um fato que se lembra do Ano Novo. Por ser de uma geração mais antiga, chegando 75 anos atrás, suas lembranças se coincidem com a de Dona Luzinete, que também falou da brincadeira de fazer barulho no ferro durante o romper do ano.

“Antigamente todo mundo tinha uma fogueira no São João. Natal, todo mundo fazia sua reunião em casa, convidava o outro. Quer dizer, a comunicação era mais fácil porque as pessoas estavam mais disponíveis. Eu acho que não há uma indiferença, eu acho que as pessoas hoje são mais ocupadas. Porque saía daqui, passava meia- noite, aí vinha um pessoal aqui, aí gente ia na casa de outro. Uma coisa muito interessante. Uma vez um rapaz que morou aqui me disse que tinha saudade do tempo quando rompia o ano aqui e os meninos eram tudo batendo nos postes, aí fazia uma zoada imensa, não tinha fogos, aí ia bater nos postes de ferro. Era uma zoada, era tradicional. Meia-noite a molecada ia toda bater nos postes.” Dona

Marlene

Lembrando-se de um maior contato entre as pessoas, o Sr. Varsil destaca que antes o pessoal era mais unido, inclusive citando a perspectiva das festas comemorativas com as pessoas indo nas casas das outras. Ele enfatiza que hoje em dia a ajuda ainda existe entre os vizinhos, mas de certa forma, ficou restrita a situações mais pontuais, talvez de emergência, inclusive.

“Rapaz, infelizmente, antes eu achava que o pessoal era mais unido, com relação a parte social. Já chegou época aqui de a gente organizar quadrilha, mas depois a nova geração, não sei se é questão de ocupação. Você não tem mais aquele contato mesmo que a gente tinha, de ir na casa do outro. Foi todo mundo botando muro e se isolando, botando muro e se isolando. Infelizmente, acontece isso. Isso aí é perceptível. Antigamente, chegava festas, ano novo, a gente ia nas casas todinhas, ano novo todo mundo ia nas casas dos outros, hoje praticamente é cada um na sua. Infelizmente. Agora uma ajuda, uma emergência, o pessoal aqui é solidário. A hora que precisar. Como eu sempre digo, meu carro tá aí 24h, na hora que precisar, pode me acordar. Quanto a isso aí o

91 pessoal é solidário.” Sr. Varsil

Já de algumas gerações depois de Dona Luzinete e também mais nova que o Sr. Varsil, a Sra. Deda se lembra das brincadeiras quando criança e das comemorações de São João e Carnaval e enfatiza que hoje mudou, as pessoas são mais reservadas.

“Antigamente aqui, quando eu era pequena, comemorava São João, Carnaval, fazia quadrilha aqui e tudo. Antes na Vila tinha quadrilha, aqui na rua. Todo mundo se reunia, cada um trazia um prato, botava e brincava a noite todinha. Na época das festas tinha uma integração boa, São João, Carnaval. Natal às vezes tinha, mas a gente ficava cada um na sua, mas tinha, o povo vinha fazer visita, ficava um tempinho, depois ia embora Hoje em dia é cada um na sua. Bom dia. Boa Tarde. Boa Noite. Opa. Pronto. Ninguém vive na casa de ninguém. Quando a gente era pequeno, a gente brincava, porque não tinha nada dessas construções aqui, não tinha nem terraço. Ninguém tinha terraço.” Sra. Deda

A Sra. Zuleide segue na lembrança das brincadeiras de antigamente, inclusive citando praticamente o mesmo espaço que a Sra. Deda, a parte da frente das casas, o calçadão, que hoje é o terraço da maioria das casas da Vila, após a construção dos muros e as reformas das casas, com ampliações. Ela também lembra que organizava as festas de São João na Vila e que hoje em dia não se faz mais.

“Se brincava muito, aqui na rua, no início aqui era uma calçada que vinha de lá até aqui onde tinha um jambeiro, a gente ficava tudo conversando, as crianças tudo brincando. Mas isso acabou, morreu. Festa mesmo só quem fazia era aqui mesmo. Festa de São João, de tudo. Era a gente que organizava. Eu, meu filho quando já cresceu, o pai dele também, também faleceu... Mas hoje em dia ninguém faz mais festa não. Aqui é um lugar morto pra festa. Natal antigamente ia na casa de um, na casa de outro, depois se reunia ficava tudo junto. Mas agora não. Cada um faz sua festinha. Ninguém vai pra casa de ninguém.” Sra. Zuleide

Em relação às lembranças do cotidiano do passado, a Sra. Aninha trouxe o exemplo da chegada de uma tecnologia que acabava por aproximar os vizinhos. Na época da chegada da televisão, a sua casa era uma das poucas da região com acesso ao eletrodoméstico e dessa forma muitos vizinhos se juntavam em sua casa para usufruírem juntos da novidade. Hoje em dia, como veremos no tópico de Vizinhança nos dias de hoje, a tecnologia talvez seja a principal responsável pela

92 mudança de relação entre as pessoas, cada vez mais distantes. Ela também lembra do São João dentro da antiga vila da UFRPE, como Dona Luzinete.

“Na minha infância, eu me recordo, o pessoal falava, minha mãe falava, no tempo que surgiu a televisão, né, aí meu pai foi o primeiro a comprar televisão. Aí ele chamava os vizinhos tudinho pra assistir televisão. As comadres vinha, os compadres. Quando a gente era criança tinha muito mais casa pra gente ir. Tinha a vila, pra dentro da universidade. Aí ali a gente ia muito, tinha muita amizade da gente ali dentro. Fazia São João ali dentro, o pessoal era muito animado, o pessoal dos outros lugares ia também pra lá. Fazia um fogueirão e o pessoal se reunia tudinho.” Sra. Aninha

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