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H EGEMONIA E E NERGIA

1.4 A VOLTA DO ESTADO

Realistas concordam com a relativa perda de poder do Estado nacional em áreas como investimentos e finanças, mas contestam a afirmação liberal de que a entidade estatal tenha se tornado obsoleta como ator econômico e político na era da globalização. Robert Gilpin identifica mais poder do Estado no processo de internacionalização de empresas privadas ou estatais (GILPIN, 2001). Sendo uma consequência da globalização, a internacionalização das economias nacionais depende de condições geradas pelo aparato público. Políticas comerciais, cambiais, tarifárias, e a própria diplomacia que precede a inserção internacional, dependem de iniciativas governamentais.

Stephen Krasner interpreta a globalização como um movimento de agentes não governamentais em um sistema internacional organizado de acordo com a distribuição de capacidades entre Estados. Assim, as ações de atores não estatais à frente da

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globalização somente podem ser compreendidas no contexto de uma estrutura abrangente, organizada segundo a distribuição de poder entre os Estados e seus interesses nacionais (KRASNER, 1976). Para o neoconservador Robert Kagan, o mundo já teria voltado a ser “normal” após desfeita a ilusão de uma ordem internacional estruturada em torno do liberalismo iluminista (KAGAN, 2008).

Pensadores realistas fora do mainstream contribuem para essa visão crítica. Baldev Naj Rayar entende que a globalização não é um fenômeno irreversível e seu futuro depende dos interesses das grandes potências. Embora rejeite o dogmatismo pleno da teoria Realista, o autor constrói sua argumentação em torno do conceito de balança de poder.

A globalização resultaria de forças de mercado, mas a ordem econômica na qual ela se desenvolve é moldada por uma potência hegemônica. Tal ordem existe enquanto durar o equilíbrio de poder sobre a qual se estruturou. Assim como surgiu da grande estratégia de uma nação dominante, a ordem econômica global somente pode ser rompida por outro(s) Estado(s) contestador (es) do status quo.

A China, por exemplo, se insere no sistema capitalista sem se submeter totalmente à influência política dos Estados Unidos. Afora reunir capacidade econômica e financeira para contestar a hegemonia norte-americana, um trunfo chinês seria sua capacitação militar independente. Nesse sentido, o país rompe com a lógica que pautou as relações entre os Estados Unidos e duas locomotivas econômicas da segunda metade do século 20: Japão e Alemanha. Em troca de proteção militar, ambos concordaram em ser não apenas aliados políticos e econômicos, mas os catalisadores dos interesses norte-americanos em suas respectivas zonas de influência.

Outros autores veem o retorno do Estado por uma perspectiva policêntrica, definida como a diversidade de centros autônomos de poder. De acordo com essa percepção, (...) the world will once again be informally divided into spheres of influence, determined primarily by geography (MOSTROUS; GUE; DITTMAN, 2011). Com um misto de admiração e contrarreação ao crescimento do poder norte-americano no pós-

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Guerra Fria, emergentes como China e Rússia teriam adotado o capitalismo de Estado e fortalecido ou desenvolvido esferas regionais de influência.

A concepção básica dessa ideologia é que o Estado assume o controle, embora não necessariamente a propriedade, dos modos de produção. “A mão visível” foi como a revista The Economist se referiu à retomada estatal sobre a gestão da economia.

State capitalism is on the march, overflowing with cash and emboldened by the crisis in the West. State companies make up 80% of the value of the stockmarket in China, 62% in Russia and 38% in Brazil (…). They accounted for one-third of the emerging world's foreign direct investment between 2003 and 2010 and an even higher proportion of its most spectacular acquisitions, as well as a growing proportion of the very largest firms: three Chinese state-owned companies rank among the world's ten biggest companies by revenue, against only two European ones (THE ECONOMIST, 2012).

Para Mostrous, Gue e Dittman, temas de energia são centrais para o capitalismo estatal e o policentrismo. Além de interferir diretamente na cadeia de produção e comercialização, governos nos países produtores criam fundos soberanos majoritariamente a partir da renda com energia. Ao aplicar parte desses fundos em países localizados em sua zona de influência, o Estado produtor impermeabiliza a região contra outras interferências externas.

Ao contrário da concepção liberal de governança sem governo (ROSENAU & CZEMPIEL, 1992) - definida como modo não hierárquico de formulação de políticas públicas por atores não governamentais - analistas construtivistas tampouco acreditam que a globalização seja uma variável independente da política internacional. O fenômeno se desenvolveria em um ambiente macropolítico organizado pela figura estatal, e por meio de práticas reconhecidas entre governos e corporações (KATZENSTEIN, 2005).

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Ademais, a assimetria de dependência e vulnerabilidade gerada pela globalização leva os Estados a reagir através da internacionalização de suas empresas nacionais, sejam elas privadas ou estatais. Assim, a força global de fora para dentro desencadeia um movimento inverso, que não apenas reafirma o poder estatal, como desafia a própria dinâmica globalizante. Internacionalização e globalização são, portanto, processos mutuamente constitutivos. Ao interagir, esses fenômenos debilitam regiões fechadas ou incrementam a porosidade de regionalismos abertos.

Globalization alerts us to governance without government and the changing character of states. Internationalization points to the changing balance between deregulation and reregulation and the changing capacities of states. (...) globalization and internationalization coexist and complement one another. They make porous regions that are deeply embedded in America’s imperium. (KATZENSTEIN, 2005).

A porosidade de uma região, no sentido de abertura a iterações extrarregionais, está igualmente relacionada a aspectos geográficos, e aos elos históricos e culturais entre seus integrantes. Outrossim, a identidade da nação com maior influência política na região poderá influir no grau de porosidade regional, no sentido de facilitar ou dificultar a aproximação de países com os interesses internacionais dominantes.

Na próxima seção, apresentaremos o conceito de porosidade regional. Acreditamos que a baixa permeabilidade do Cáucaso e da Ásia Central - onde países não liberais ou com sólidas ligações com a Rússia adotam políticas menos dependentes do Ocidente - impede a inserção dos Estados Unidos e sua hegemonia plena.

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