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ENERGIA E GRANDE ESTRATÉGIA NO GOVERNO OBAMA: NOVOS MEIOS PARA VELHOS FINS

P ERSPECTIVAS DA REVOLUÇÃO DE XISTO

4.1 ENERGIA E GRANDE ESTRATÉGIA NO GOVERNO OBAMA: NOVOS MEIOS PARA VELHOS FINS

Brevemente recapitulando a ideia central do segundo capítulo, na grande parte do século 20, segurança energética para os Estados Unidos significou o livre funcionamento do mercado global de energia. A lógica foi preservar o fluxo contínuo e abundante de recursos para a manutenção de preços competitivos. Em outras palavras, garantir a mobilidade mundial dos recursos para que o modo de produção capitalista, na fase de hegemonia norte-americana, não sofresse a carência destes fatores de produção. Assim, controlar as rotas vitais de energia também lhe conferia um poder estrutural.

By “transnationalizing” oil-rich political economies and further integrating them into the global economy Washington plays a managerial role for - the capitalist order as a whole. Yet this is not a consequence of altruism on behalf of US planners. Nor is it, as some would have it, the result of fundamental changes in the structure of global politics, with the United States the lead example of an emerging “transnational state”, replacing the traditional nation-state and acting primarily on behalf of a transnational capitalist class. Rather, US planners seek to affect transnational outcome for distinctly national ends: it is through the management of a positive-sum liberal order, through the extension of that order to oil-rich zones, and through guaranteeing the provision of oil to all players within the order, that American hegemony over the international system is maintained (STOKES & RAPHAEL, 2010).

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O planejamento implicava abertura de mercado em regiões produtoras de energia para a inserção física e mercadológica de petrolíferas dos países centrais. Com essas empresas adquirindo o controle da produção, os agentes estatais ou privados nos países produtores perdiam a capacidade de influenciar o mercado. Medidas como corte de produção, reajuste de preço, preservação das reservas, partilha de lucros, entre outros instrumentos ao alcance das nações produtoras no exercício da soberania energética, foram contínua e sistematicamente inviabilizados pelo oligopólio das IOCs.

Tal cerceamento da margem de ação dos produtores na periferia e na semiperiferia mundial somente foi possível com o auxílio do aparato político-militar do governo dos Estados Unidos e de seus maiores aliados. Um fator adicional que favoreceu a adoção do plano foi uma abundância mundial de recursos de energia na maior parte do século 20. Com as corporações privadas dominando as técnicas de extração e produção, a oferta sendo maior do que a demanda, e os Estados Unidos estrategicamente posicionados em zona produtoras e de escoamento, o mercado de energia, principalmente de petróleo, refletiu as preferências da grande potência e de regiões aliadas.

Em grande medida, a soma de interesses privados e públicos, bem entendidos como os de corporações e do Estado norte-americano, fez da segurança energética mundial parte da grande estratégia. Considerando a relação espacial e soberana entre os recursos minerais e a unidade territorial nacional, a política externa dos Estados Unidos para países produtores ou transportadores de recursos de energia não pôde, portanto, ser conduzida por uma lógica meramente comercial. Para eliminar a imobilidade dos recursos no exterior, na concepção analítica introduzida no primeiro capítulo, a projeção das preferências do Estado e de setores econômicos domésticos foi acompanhada de cálculos geopolíticos.

Essa afirmativa é igualmente pertinente à abordagem do país na Ásia Central e no Cáucaso depois da Guerra Fria, mais precisamente na última década do século passado e na primeira do corrente. Com os choques do petróleo na década de 70, teve início uma era de declínio no controle ocidental sobre o fluxo global de petróleo. Prospecções científicas também indicavam um período de diminuição nas reservas

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mundiais, o que tornaria relativamente constante a pressão da demanda sobre a oferta. Foi nesse contexto que surgiu a oportunidade de ampliação da oferta mundial de petróleo e gás por meio de explorações das reservas preservadas no Centro-Asiático.

Como mostra o terceiro capítulo, os Estados Unidos incentivaram a abertura política e econômica nos países da região, acreditando em sua capacidade de cooptação para o estabelecimento de uma ordem regional de energia favorável aos seus interesses. Além de convencer os governantes locais, era preciso enfraquecer a posição geopolítica preponderante de grandes atores do cenário regional de energia, a exemplo de Rússia e Irã.

Controlar a ordem energética regional ou global demanda um esforço quiçá acima da capacidade permanente da superpotência. Antes mesmo da queda da URSS,

Paul Kennedy afirmou que “os responsáveis pelas decisões em Washington têm de

enfrentar a dura realidade de que a soma total dos interesses e obrigações mundiais é hoje muito superior ao poder que eles têm de defender simultaneamente esses interesses e obrigações” (KENNEDY, 1989).

No que concerne às questões globais de energia, é possível que as elites formuladoras de política externa tenham supervalorizado os meios disponíveis para a realização dos fins estratégicos. Embora a posição dominante do país já evidenciasse desgaste na década de 70, os interesses de energia continuaram a ser defendidos por uma ótica preponderantemente geopolítica: (i) estímulo à presença física de corporações multinacionais; (ii) deposição de força militar nas zonas produtoras ou em suas proximidades; (iii) pressão política por diversificação das rotas de distribuição.

Apesar das iniciativas para alcançar tais objetivos, sobretudo nos governos Clinton e Bush filho, os resultados obtidos foram aquém do planejado. Elites dirigentes nacionais mostram-se mais resistentes à abertura do que as lideranças do Oriente Médio na segunda metade do século passado. O surgimento ou a retomada do nacionalismo de recursos em países produtores, como Rússia, Cazaquistão e Turcomenistão, limitou os ganhos das IOCs e, com isso, o comprometimento incondicional destas com os interesses de seus próprios governos.

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A “imobilidade” dos recursos, também no sentido geológico, inviabilizou a maior parte dos planos de refacção das rotas de distribuição para além de territórios nacionais não alinhados com os interesses da superpotência. Afora esses fatores, a complexa imbricação nas relações entre os países faz com que essas regiões sejam menos porosas à influência norte-americana, no sentido analítico usado por Katzenstein. Um exemplo é a aproximação da China com o Cazaquistão, um produtor centro-asiático visto pelos Estados Unidos como uma alternativa parcial à Rússia para o abastecimento europeu. Nos últimos anos, o governo cazaque sinaliza com preferências à China em contratos de energia que suplantam inclusive prerrogativas anteriormente garantidas à Rússia.

Quando Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 2009, as evidências apontavam para a necessidade de uma nova política externa para as regiões em análise. O argumento principal neste capítulo é o de que Obama persegue os mesmos objetivos, porém, face ao quasi insucesso da política de seus dois antecessores para a Ásia Central e o Cáucaso, busca novas maneiras para atingi-los.

Em sua gestão, aspectos comerciais tendem a predominar nas relações com os agentes da ordem energética regional e ocorre a inversão de foco quanto aos próprios atores, atribuindo-se aos países consumidores mais importância e poder de decisão. Nesse ponto, é importante retomar sinteticamente a definição de grande estratégia abordada no capítulo inicial. Primeiramente, o termo refere-se à adequação de interesses nacionais aos meios disponíveis. Em segundo lugar, espelha as preferências das coalizões domésticas influentes na elaboração de política externa. Por último, a grande estratégia ajusta-se à realidade material e imaterial da política internacional.

Entendemos que as recentes inovações em tecnologia para energia fóssil nos Estados Unidos são vistas pelo governo norte-americano, e parte de grupos de interesse domésticos, como um reforço instrumental para a política externa de energia. À medida que contribuem para folgar a oferta de recursos energéticos em um quadro de crescente demanda global, as novas vantagens tecnológicas e materiais surgem como um potencial revigorante da liderança na política internacional.

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Veremos que, embora os efeitos internacionais da revolução de xisto nos Estados Unidos ainda estejam no campo ideativo, essa questão vem sendo trabalhada pela burocracia norte-americana como um divisor de águas.