• Nenhum resultado encontrado

2. DESCOBRINDO O CAMINHO

2.2. A voz dos camponeses: o trabalho com fontes orais

Os documentos escritos são fixos; eles existem tenhamos ou não ciência deles, e não mudam uma vez que o tenhamos encontrado. Testemunho oral é apenas um recurso potencial até que pesquisas o chamem para a existência. A condição para a existência da fonte escrita é a emissão, para fontes orais é a transmissão (PORTELLI, 1997, p. 05).

As práticas e as normas se reproduzem ao longo das gerações na atmosfera lentamente diversificada dos costumes. As tradições se perpetuam em grande parte mediante a transmissão oral (THOMPSON, 1998, p. 18).

Refletir acerca do trabalho com fontes orais se faz importante pela relevância da discussão que se tem feito sobre seu uso nas ciências humanas. Soma-se a isso, de forma complexa, a falta de consenso sobre essa matéria entre os teóricos da história oral, em grande parte devido ao fato de nos acostumarmos a dar às fontes escritas o privilégio da explicação da sociedade, em vista do ranço positivista presente nas ciências humanas. Por conseguinte, há uma depreciação em relação à entrevista, ao atribuir-se a ela um distanciamento do fato acontecido e, portanto, uma dependência em relação à memória que é fundamentalmente seletiva e subjetiva.

No entanto, para Portelli (1997), tal crítica não se fundamenta pelo simples fato de que esse distanciamento ocorre tanto para fontes orais como para fontes escritas, com a ressalva que, nas últimas, acrescenta-se ao distanciamento cronológico, o fato de que comumente não são elaboradas por seus participantes.

Ainda em relação às críticas, especialmente quanto ao papel da memória como alicerce das narrativas, Portelli (1997) adverte que recorrer a fontes orais não é obter objetivamente do entrevistado “sua verdade”, como se a memória fosse um depósito de acontecimentos, mas saber que o narrador tem papel ativo no processo de rememorização e, portanto, na criação de significados.

Assim, a utilidade específica das fontes orais para o historiador repousa, não tanto em suas habilidades de preservar o passado quanto nas muitas mudanças forjadas pela memória. Estas modificações revelam o esforço dos narradores em buscar sentido no passado e dar forma as suas vidas, e colocar a entrevista e a narração em seu contexto histórico (PORTELLI, 1997, p. 03).

Garrido (1993) acrescenta a esse debate que, se por um lado, não há consenso quanto à existência de uma história oral, enquanto oposição a uma história realizada exclusivamente com fontes escritas; por outro, há uma aceitação de que o testemunho oral não é uma fonte como outra qualquer e, citando Thompson (1988), destaca o sentido humano das fontes orais como o grande diferenciador.

Entendemos, por nossa vez, que este ato criativo da memória, expresso pela narrativa, é o cerne explicativo de sua importância e de sua especificidade. Desta maneira, é na fala, isto é, no processo de revisitar sua memória que o entrevistado, muitas vezes, se descobre como sujeito da história, interpreta os encontros e desencontros que a vida apresenta nos seus múltiplos aspectos, nos espaços de luta constituídos pelo desejo da terra. Assim, fontes orais “conta-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e que agora pensa que fez” (PORTELLI, 1997, p. 01).

Apesar de o entrevistado estar se referindo a temporalidades passadas, o ato criativo dá a esses acontecimentos uma projeção no presente, vivificando a memória da luta e apresentando-se também como uma das possibilidades de retorno que a pesquisa com fontes orais pode propiciar aos depoentes.

Desse modo, a decisão por trabalhar com fontes orais não foi tranqüila. No entanto, tais receios foram superados pela riqueza das narrativas que, em muito, superam os questionários rigidamente estruturados, os quais, comumente, partem de uma interpretação prévia da realidade e, na maioria das vezes, deixam de contemplar a imprevisibilidade do concreto, do real, e das significações que os eventos têm, de acordo com o narrador. Assim, parafraseando Portelli (1997), mais importante que o acontecimento é o significado que ele tem para o expositor. A não-objetividade acaba sendo um trunfo que faz a história oral diferente e necessária; não como substitutiva, mas articulada às fontes escritas.

Dito de outra maneira, o fato de que o trabalho com fontes orais é sempre uma pesquisa em andamento permitiu transformar aquilo que a priori era uma limitação e motivo de insegurança, em virtude. Ao não se conseguir explorar toda a memória, prova disso é que um testemunho nunca é o mesmo duas vezes1, nasceu uma certeza esclarecedora: nenhuma pesquisa é completa.

O fato de que entrevistas com a mesma pessoa possam ser continuadas indefinidamente guiam-nos para a questão da imperfeição inerente as fontes orais. É impossível exaurir a memória completa de um único informante, dados extraídos de cada entrevista são sempre o resultado de uma seleção produzida pelo relacionamento mútuo. Pesquisa histórica com fontes orais, por isso, sempre tem a natureza inconclusa de um trabalho em andamento (PORTELLI, 1997, p. 06).

Uma das premissas importantes no trabalho com fontes orais é a de que estas têm ainda se constituído no caminho por excelência da história das classes oprimidas, logo que as entrevistas permitem às “pessoas comuns” contarem sobre fatos que, na maioria das vezes, são inéditos no tocante a história das classes não-hegemônicas, verdadeiras “áreas inexploradas”. Isto significa dizer que as classes dominantes têm uma tradição escrita que permite deixar um abundante registro, ao contrário das demais classes. Entendemos ainda que, embora o trabalho com fontes orais não seja para nós um instrumento de “conscientização política”, ele permite a superação da pretensa prática da neutralidade na pesquisa.

Estudos como o de Malatian (1996), que optam pela perspectiva da história oral2, mostram que ela é muito mais que uma técnica de entrevista que procura suprir as

1 Como forma de reafirmar essa assertiva revelamos um fato bastante ilustrativo ocorrido no assentamento “São Luiz”, em Batayporã/MS: em vista de não termos acionado o botão de gravação perdemos um importante testemunho, a solução foi retomá-lo no dia seguinte, contudo o depoimento já não era o mesmo.

2 Quando aparece no texto os termos fontes orais e história oral, compreendemos que eles não são sinônimo um do outro, já que essa discussão não está resolvida na História enquanto disciplina científica. Como exemplo deste debate destacamos que Meihy (1993) defende a História Oral e suas subdivisões (Vida, Temática e Tradição Oral), entretanto Garrido (1993) condena o status dado a História Oral e exalta as fontes orais como

lacunas das fontes escritas. Na verdade, como fruto de um crescente debate, a partir da escola de Chicago/EUA, no início do século XX, a história oral está hoje presente em vários campos do conhecimento. Daí o caráter interdisciplinar no trabalho com as fontes, ainda que não de forma consensual, como um método de análise do discurso, “com uma proposta de reescrita da história a partir das bases”. Além de dar “voz aos esquecidos”, a história oral, conforme esta autora, preocupa-se também com as diferentes linguagens dos depoimentos. Logo,

A estrutura do discurso tornou-se objeto de análise preocupada não apenas com o discurso explícito, mas também com o não-dito, os silêncios, as omissões, as resistências, que sensibilizaram o historiador para os limites do método, enquanto expressão de vozes esquecidas (MALATIAN, 1996, p. 56).

É, portanto, por acreditarmos que cada vez mais as fronteiras rígidas e positivistas das ciências têm sido rompidas em nome do enfrentamento de problemáticas comuns como a globalização, questão urbana e ambiental; e, por que não? questão agrária, que nos arriscamos a dialogar, por meio do trabalho com fontes orais, com a História. Desse modo, a própria complexidade do momento atual do capitalismo tem levado a um diálogo metodológico e epistemológico maior entre os diversos campos do saber. É nessa perspectiva de reordenamento das ciências na busca da interdisciplinaridade que o uso das fontes orais vem ganhando destaque, como evidencia Garrido (1993), já que seu uso tem apontado para a possibilidade de aproximação da História com outras ciências como, por exemplo, a Geografia3.

metodologia. Desse modo, optamos por trabalhar com fontes orais por nos parecer mais próximo daquilo que fazemos.

3 Como exemplo da crescente importância que o trabalho com fontes orais vem assumindo na Geografia, citamos a pesquisa de Bombardi (2001).

Dessa forma, a partir das experiências adquiridas em outras disciplinas, a história pode enriquecer seu discurso fazendo uma espécie de retificação, no mesmo tempo em que vai se articulando com outras ciências, para eliminar a pesada carga de positivismo corporativo. O desenvolvimento de uma metodologia que estabeleça as bases para se fazer um uso adequado e proveitoso das fontes orais é um passo importante no longo caminho da necessária renovação epistemológica (GARRIDO, 1993, p. 47, grifo do autor).

A passagem do depoimento para o papel contou também com o desafio presente nos debates que se estabelecem na historiografia das fontes orais, a “limpeza do texto”. Optamos pela transcrição do relato e pela sua recriação no intuito de retirar as deficiências e os vícios de linguagem, assumindo que, se por um lado ganhamos maior fluidez, de outro, ao transcriá-lo perdemos as diversas possibilidades de entendimento da linguagem oral4 (entonação, pausa, choro, riso, etc.). Assim também foi em relação à não revisão da transcrição pelo entrevistado5, contrariando o que recomenda Malatian (1996).

Portanto, transcrever é passar do oral para o escrito, um escrever que tem sentido de reescrever6. Desse modo, se às vezes foi necessário “limpar o texto”, eliminando vícios de linguagem como os “né”, as redundâncias e as frases truncadas, por outro, nenhuma palavra foi substituída, e quando não foi possível ouvir com exatidão, os depoimentos foram inutilizados. A respeito das nuances que cercam esta inevitável “construção” que se realiza no ato da transcrição, Bourdieu (1997, p. 694-695) esclarece:

4A respeito das perdas ocorridas na passagem da linguagem oral para escrita, Bourdieu (1997, p. 710) assinala: “Sabe-se, por exemplo, que a ironia, que nasce freqüentemente de uma discordância intencional entre a simbólica corporal e a simbólica verbal, ou entre diferentes níveis de enunciação verbal, fica quase inevitavelmente perdida na transcrição [...]”.

5 Como forma de respeitar o fato de não ter ocorrido a revisão da entrevista pelo depoente após a transcrição, ainda que tenha havido a permissão quanto à divulgação da sua fala, optamos sempre que possível pelo uso apenas do sobrenome do narrador.

O sonho positivista de uma perfeita inocência epistemológica oculta na verdade que a diferença não é entre a ciência que realiza uma construção e aquela que não o faz, mas entre aquela que o faz sem o saber e aquela que, sabendo, se esforça para conhecer e dominar o mais completamente possível seus atos, inevitáveis, de construção e os efeitos que eles produzem também inevitavelmente.

Para Bourdieu (1997, p. 711), as entrevistas transcritas exercem um efeito de revelação, “graças à explicação, à concretização e à simbolização que elas realizam”, sendo capazes de “tocar e de comover, de falar a sensibilidade sem sacrificar ao gosto do sensacional, podem levar junto às conversões do pensamento e do olhar, que são freqüentemente a condição prévia da compreensão”. Por nossa vez, entendemos que este papel de revelação dado por Bourdieu à transcrição não ocorre no sentido de “dar luz aos acontecimentos”, mas de enfatizar o caráter humano do testemunho.

Como já dissemos anteriormente, o depoimento oral não é algo neutro, desprovido de interesses do entrevistador e do entrevistado, sendo que a participação ativa do pesquisador se dá tanto no momento da entrevista, estimulando o “fluxo rememorativo” e, posteriormente, selecionando os fragmentos a serem discutidos à luz da teoria. Desta forma, é pensando neste processo que implica no pensar a relação entre memória individual e memória coletiva que Malatian (1996) discute o relato enquanto construção conjunta a percorrer um “trajeto circular”, sendo que nesta relação o entrevistador tem posição privilegiada, logo que...

É ele quem escolhe os testemunhos e portanto concebe a palavra; formula questões que orientam o fluxo rememorativo e o discurso dele resultante, segundo seus interesses; transcreve o relato oral para a forma escrita; recorta seletivamente entre todas as palavras do discurso aquelas que lhes interessam e interpretam as informações fixando uma nova versão na história escrita (MALATIAN, 1996, p. 55).

Também nesse sentido, ao falar da relação entrevistado e entrevistador, Garrido (1993), citando Berg (1990), chega a comparar o entrevistador a um cínico notável, ou seja, alguém que, ao mesmo tempo em que estimula o entrevistado a falar, compara seu relato com outras informações; ocupa-se em desvendar as estruturas ocultas; compara a informação com as hipóteses teóricas prévias e dá nitidez ao relato de acordo com seus interesses.

Contudo, segundo a própria Malatian (1996), essa relação de poder, em que o entrevistador está em relevo e por isso parece ter o controle, não se dá de forma tão absoluta. Há momentos, portanto, em que o pesquisador praticamente se vê, nas idas e vindas do fluxo rememorativo, enfeitiçado pelo depoente, invertendo a relação de poder:

É quando o testemunho nos domina, nos fascina seja pela força com que coloca certas lembranças, seja pela clareza e contundência com que sua memória se impõe, seja pela ressonância profunda que encontra em nossa experiência pessoal. Neste caso, o historiador se retrai para um papel secundário de auxiliar do dizer do outro na tarefa de dar forma as impressões e vivências, deixando enfim fluir livremente as representações de um tempo vivido (MALATIAN, 1996, p. 55).

Contribuindo para a discussão sobre a relação entrevistado e entrevistador, Montenegro (1993, p. 55-56) acrescenta que deve-se

[...] estar atento para o fato de que o entrevistado não tem obrigação de preencher as lacunas, estabelecer elos nos fragmentos ou corresponder a projetos de pesquisadores ciosos de seu labor acadêmico. [...] Deve-se ainda observar que a memória é resultante da vivência individual e da forma como se processa a interiorização dos significados que constituem a rede de significações sociais. Nesse sentido, não se deve imaginar que o depoente responderá de forma conclusiva a nossas indagações.

Portanto, a conduta do entrevistador no trabalho com fontes orais é, para Montenegro (1993, p. 57), comparada à postura de um parteiro que

[...] não conhece a pressa e a impaciência e está disponível a ouvir as histórias do entrevistado com o mesmo cuidado, atenção e respeito, tenham estes significados ou não para a pesquisa em tela.

Embora concordemos com Montenegro, quando, se referindo ao narrador, diz “seu dom é poder contar sua vida: sua dignidade é contá-la por inteiro” (p. 62), as entrevistas junto aos assentados não foram realizadas na perspectiva da história de vida, mas, sim de um eixo temático. Desta forma, a partir do tema “luta pela terra e na terra”, fomos coletando análises dos entrevistados acerca de assuntos ligados a problemática central, divididos em subtemas como: luta; liberdade; propriedade da terra; família; organização; etc. Posteriormente, o tratamento privilegiou não o relato individual, mas o produto coletivo7

resultado destas temáticas. Isso significa dizer que, embora tivéssemos um total de 150 relatos, aproximadamente 100 horas de entrevistas de campo, não esgotamos o material, porque a opção foi trabalhar articulando os fragmentos de acordo com o corte de análise8, extraindo, como ensina Neves (2000, p. 114), na história individual a amálgama maior que é a coletividade.

Cada pessoa é componente específico de um amálgama maior que é a coletividade. Portanto, cada depoente fornece informações e versões sobre si próprio e sobre o mundo no qual vive ou viveu. A história oral, em decorrência, é a arte do individuo, mas de um individuo socialmente 7 A interpretação, a partir de uma concepção coletiva, do relato encontra ressonância no fato de que “[...] não podemos determinar o que seria o individuo tomado à parte, fora das coalizões, das instituições, do corpo político, pois quando ele aí entra já está modelado pela sociedade, ou seja, pela história anterior, nunca o encontramos em estado natural” (VEYNE, 1979, p. 75).

8 Foi também em função deste procedimento, o de trabalhar com os fragmentos selecionados a partir da temática (a famosa colcha de retalhos) que omitimos a fala do entrevistador e trabalharmos somente com a do entrevistado.

integrado. Dessa forma, os relatos e testemunhos contêm em si um amálgama maior: o da identidade histórica.

No sentido de história temática, Montenegro (1993, p. 57) adverte que existem diferenças importantes que precisam ser consideradas quando o entrevistado não é pessoa comum. Desse modo, quando o depoente é, por exemplo, um líder político “observa-se constantemente uma nítida preocupação em construir um discurso que tenha uma lógica, uma coerência, e que fortaleça a imagem que o entrevistado deseja pública”.

Isso ocorre porque, segundo este autor, para a liderança, as marcas da memória muitas vezes já foram revisitadas e, portanto, possuem uma certa organicidade. Por outro lado, o discurso racional revela a tentativa de superar publicamente o caráter contraditório e fragmentado da memória, ou seja, das experiências interiorizadas. Dessa forma, é comum encontrarmos nestas entrevistas um discurso coerente, contado de forma “alinhada”, que procura explicar ou evitar lacunas, fugindo a indagações que desnudem conflitos.

Por outro lado, nos relatos em que não há preocupação em corresponder, por meio do discurso racionalizado, a uma imagem pública, no caso, de sustentação do movimento social ou das organizações desejada pelo entrevistado, o caráter fragmentado e muitas vezes contraditório das experiências vivenciadas e interiorizadas é a marca mais comum, principalmente quando o entrevistado, ao percorrer os meandros da memória, rememora faces distintas da condição humana como a experiência de ser “homem, assentado, militante, pai e esposo”.

Essas marcas revisitadas fazem parte, para Montenegro (1993), da memória voluntária e involuntária, e a lógica que permite a comunicação entre esses territórios de memória não é um ato mecânico e, portanto, de fácil controle por parte do entrevistado.

Contudo, o autor, citando Halbwach (1990), chama a atenção para fatores que estariam ligados às diferenças de acionamento da memória voluntária e da memória involuntária:

A diferença residiria, segundo Halbwach, no fato de que os acontecimentos ‘e as noções que temos mais facilidade de lembrar são do domínio comum [...] e é por podermos nos apoiar na memória dos outros que somos capazes de lembrar’. Enquanto ‘daqueles que não podemos nos lembrar à vontade, diremos voluntariamente que eles não pertencem aos outros mas a nós, porque ninguém além de nós pode conhecê-los’ (MONTENEGRO, 1993, p. 61).

Para Meihy, há que se ter muito cuidado para não confundir o que o autor chama de história oral com trabalhos ligados a memória. Para este o fato de a história oral derivar de um método, que inclui desde a preparação do projeto até o tratamento dos depoimentos coletados com a elaboração de textos visando à publicação, é um dos fatores decisivos na sua diferenciação em relação à memória, sendo que as entrevistas podem ser, no máximo, um meio para analisar a memória. Assim, história oral é muito mais que o registro da memória individual ou coletiva, é “um ramo da história pública, gênero que se compromete com a comunidade que gera e consome a própria história” (MEIHY, 1993, p. 12).

Neste momento, é importante destacar que nossa opção pelo trabalho com fontes orais se sustenta na concepção de que os camponeses são construtores cotidianos de sua própria composição enquanto classe, e que o trabalho com fontes orais, ao permitir a sua expressão, por meio do testemunho, busca resgatar suas experiências e utopias camponesas passadas e presentes que por não serem da classe hegemônica ou, para alguns, não serem nem mesmo de uma classe, tem tido pouca ou nenhuma possibilidade de deixar marcas.

Por conseguinte, trabalhar com fontes orais não dispensa um planejamento minucioso dos passos da pesquisa. Desta forma, quando decidimos pela coleta de

depoimentos, nos cercamos de alguns cuidados para que a gravação das entrevistas não fosse apenas um apanhado de depoimentos e sua transcrição uma ilustração a ser encaixada no texto pronto. Corroborando neste sentido, Garrido (1993, p. 39) observa que para se assegurar o valor cientifico é necessário:

[...] que os testemunhos passem por um por um filtro crítico importante, para se fazer uma seleção dos elementos a serem utilizados. Isso não quer dizer que só se conservará tal ou qual testemunho, mas que o pesquisador deverá saber distinguir separadamente o fenômeno histórico e a memória que o indivíduo ou o grupo de indivíduos mantêm daquele fenômeno. [...] é de importância capital resgatar a subjetividade, mas é grave erro passar a confundí-la com fatos objetivos.

Portanto, a interação entre as diferentes fontes, no caso, oral e escrita, é parte fundamental deste tipo de pesquisa. Desse modo, segundo Garrido (1993, p. 40), a