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O caráter indeterminado e incompleto tanto do corpo como dos objetos pode ser explorado pelo Teatro de Animação. A escolha pelo corpo de Antígona e suas conceituações como corpo desviador, de personalidade instável bem como sua relação com o véu com suas características ambivalentes surge como um ponto de partida para a reflexão sobre o indeterminado.

Cabe à matéria e mesmo a um objeto como uma mesa, revelar seus aspectos indeterminados. Por mais que a mesa por seu formato afirme ser mesa, o corpo numa poética do contato, ou seja, uma poética que parte das impressões do contato entre corpos, necessita da relação e não das impressões prévias sem o toque. São as indeterminações que desfazem a objetividade que conforma os objetos.

Aberturas e indeterminações são nada mais do que momentos que não tem forma específica, ou seja, é o momento em que um véu deixa de ser véu para ser outra coisa. Enquanto não se torna um adorno, um cinto ou uma corda, permanece indeterminado porém em contato com o corpo aberto ao diálogo fomentando uma existência dinâmica.

Tal abertura se assemelha ao que Bachelard chama de “vontade de trabalho”, diferenciando tal vontade da “vontade de poder”, que segundo o autor, “entrega-se ao hipnotismo das aparências” (BACHELARD, 2008, p. 25).

Para Bachelard:

A vontade de trabalho que queremos estudar nessa obra nos desembaraça imediatamente dos ouropéis da majestade, ultrapassa necessariamente o campo dos signos e das aparências, o campo das formas.

Claro, a vontade de trabalho não pode ser delegada, não pode usufruir o trabalho dos outros. Prefere fazer a mandar fazer. Então o trabalho cria as imagens de suas forças, anima o trabalhador por meio das imagens materiais. O trabalho põe o trabalhador no centro de um universo e não mais no centro de uma sociedade (BACHELARD, 2008, p. 25).

É tal “vontade de trabalho” que parece caracterizar uma poética entre corpo e objeto. Um devir sem o produto, sem formulação objetiva. A vontade de trabalho reduz as ações ao universo da experimentação com relação aos elementos

próximos, e deste universo, faz parte também o Teatro de Animação.

A abertura constante e a indefinição é vista comumente como uma parte de um processo de criação onde mais tarde elementos serão escolhidos e apresentados em um espetáculo, por exemplo. Tal funcionamento determina uma poética clara onde há preparação e apresentação. Mas o ponto que parece ser fundamental é a presença da indeterminação e da abertura apesar de todas as determinações e escolhas, mesmo numa obra que conte com partituras corporais esboçadas ou precisas. Do caráter funcional ao essencial é que se permanece na experimentação tátil. Caráter de abertura com o qual se identifica a poética teatral.

Parece contraditório tratar da permanência e indeterminação ao mesmo tempo. Mas a indeterminação é necessária para que se exerça o desvio e também se considere as capacidades de afecção do corpo por parte da matéria tocada.

Tal universo reduzido é quem mantém a abertura à indeterminação, pois o tato e o trabalho ultrapassam o campo das aparências e das formas próprios da distância, como a do espectador apenas do visual da relação entre corpos. A indeterminação é a abertura que permite as escolhas, os momentos intermediários que não podem ser experimentados pela distância.

Dizer que Antígona utiliza seu véu de variadas maneiras é a parte mais evidente do processo de desvio e de contato. É até claro que o véu tem por dinâmica, forma e consistência características de instrumento de sedução e depois passa a ser instrumento de morte com suas características específicas formais e de densidade daquele momento, o do enforcamento.

As formas do véu se dão de forma pontual como uma espécie de “recorte” na continuidade dos movimentos. É importante salientar que o recorte é próprio de um observador. É o observador que tem a experiência do recorte enquanto que o corpo que atua com relação ao objeto possui uma constância tátil com o objeto. E é sobre esse ponto de vista que Antígona possui um trajeto que vai além do relatado por Sófocles. Seu percurso pertence a um contínuo temporal próprio da existência, com todas as reclusões e aparições possíveis. A vida em si de Antígona não deve desaparecer por não ser citada no texto. A vida de Antígona fora do texto, não é inexistente, é sim, indeterminada.

Indeterminação que justamente corresponde ao status da relação entre corpo e objeto num processo de descoberta.

diálogo entre corpo e objeto. Pode-se especular que é deste imenso campo de possibilidades que surgem as formas a exemplo dos objetos que emergem do universo onírico. O campo de possibilidades não se assemelha a um reservatório mas, sim, a uma abertura ao indeterminado

Na dificuldade de se isolar sujeito e objeto há de se considerar a pluralidade dos estímulos que emergem da relação e não exatamente de um reservatório.

A poética que valoriza o indeterminado pode ser vista como uma “doutrina da imaginação material e da imaginação dinâmica (...) A luta contra o real é a mais direta das lutas, a mais franca. O mundo do resistente promove o sujeito ao reino da existência dinâmica, à existência pelo devir ativo, donde um existencialismo da força” (BACHELARD, 2008, p. 31).

Bachelard chama a atenção para o devir da existência dinâmica proposta pela relação entre sujeito e mundo; é em tal devir que se realiza a vontade de trabalho.

Trabalho esse que se desvincula do trabalho de produção, e que se sustenta vivo, mesmo sem um produto que justifique o empenho da descoberta e da experimentação. Esse trabalho de diálogo entre corpo e objeto se sustenta independentemente da assistência de um público. É possível considerar tal autonomia, pois o universo do contato é particular como experiência que não se transmite ou compartilha. É mesmo uma espécie de singularidade que se atualiza de modo constante.

Se tal trabalho imprime um sentido, o faz de maneira íntima entre corpos que dialogam pelo contato.