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1 A PERSPECTIVA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO

1.4 Marco analítico-metodológico: o processo histórico-estrutural e a

1.4.2 Abordagem cognitiva de análise de políticas o processo histórico e a teoria

A partir do modelo do “ciclo de política” e evidenciando a etapa de formulação, o enfoque deste estudo baseou-se na abordagem cognitiva. A abordagem cognitiva de políticas é uma alternativa às análises pluralistas, estatais ou neo- institucionalistas. Conforme Muller e Surel, a abordagem cognitiva, ou de conhecimento, tem o propósito de estabelecer a importância das dinâmicas de construção social da realidade na determinação dos quadros e das práticas socialmente legítimas em um momento histórico específico. Está ligada ao pressuposto do peso dos valores e da dimensão simbólica em política. Os principais teóricos dessa abordagem são Peter Hall, Paul Sabatier e Muller/Jobert, e todos apresentam em comum a tentativa de utilizar um referencial metodológico que busque esclarecer a influência exercida pelas normas sociais sobre os comportamentos e políticas sociais. A abordagem cognitiva esforça-se para apreender as políticas públicas como matrizes cognitivas e normativas, constituindo sistemas de interpretação do real, no interior das quais os diferentes atores públicos e privados inscrevem-se (MULLER; SUREL, 2004).

Para os autores acima referidos, as matrizes analíticas e cognitivas configuram-se em um conjunto de elementos que fazem sistemas e desenham mapas mentais particulares. O interesse heurístico de distinguir esses diferentes componentes repousa, essencialmente, no fato da possibilidade de investigar os processos pelos quais são legitimadas as representações, as crenças, os comportamentos presentes no conteúdo das políticas públicas.

Esta opção foi feita por se discordar das modalidades e tipos de análise e avaliações mais prevalecentes no contexto de gestão de políticas atuais, as quais focalizam os atributos técnicos de eficiência, efetividade e eficácia. Essas abordagens de cunho gerencialistas enfatizam métodos e técnicas e carecem de análises qualitativas, dedicadas ao conteúdo e significado da política social e/ou programa avaliado. Do ponto de vista metodológico, adotam uma abordagem seqüencial, que trata as políticas sociais como um conjunto de ações que possuem início, meio e fim, e não como processo de formulação, execução e consolidação de direitos e serviços sociais que devem ser permanentes e universais. Essa

abordagem hegemônica no âmbito de administração e gestão brasileira não considera as políticas sociais como resultante das contraditórias relações entre Estado e sociedade civil, em diferentes contextos históricos.

Segundo Weir (1994), uma das limitações da análise de Kingdon é a leitura a- histórica do processo identificado e, para sanar esta lacuna, optou-se por fazer uma discussão dos dados à luz da compreensão de Lowy (2006) sobre historicidade. que vai além da análise cronológica dos fatos.

A historicidade tem como premissas básicas: a perspectiva de que qualquer fenômeno social, cultural ou político é histórico e só pode ser compreendido dentro da história, através da história e em relação ao processo histórico; fatos históricos, fatos sociais e fatos naturais são diferentes entre si; objeto e sujeito da pesquisa fazem parte da história, ou seja, ambos estão imersos no processo histórico de forma inseparável (LOWY, 2006).

A análise histórica do processo de construção da PNSAN é um elemento fundamental para compreensão do fenômeno da (in)Segurança Alimentar e Nutricional como questão social. Dialeticamente, todos os fenômenos econômicos ou sociais são passíveis de transformação pela ação humana. Não são leis eternas, absolutas ou naturais e, portanto, podem ser transformadas. Esse é o principio da transitoriedade dos processos sociais e, por conseguinte, de afirmação da historicidade, das instituições e das leis da sociedade, fortalecendo a pertinência da abordagem histórica (LOWY, 2006).

A análise cognitiva centrada nos 3 Is permitiu elaborar uma análise histórico- estrutural em relação às contradições e convergências verificadas no processo decisório de formulação da PNSAN. Através das idéias, interesses e instituições foi possível ampliar a compreensão e o significado do processo valorizando os conflitos, as concertações e a historicidade do processo.

Neste estudo, entendendo a categoria de idéias, interesses e instituições como “ferramentas” da análise de políticas públicas, a escolha de utilizá-las permitiu, em primeiro lugar, analisar um conjunto de dimensões mais amplas e, ao mesmo tempo, dar ênfase à diversidade de “causas” possíveis. É importante destacar que a idéia (ou o interesse) de mobilizar essas três entradas analíticas não é resultado de uma discussão abstrata das correntes existentes, mas sim, sobretudo, de uma

insatisfação comumente sentida diante das alternativas teóricas propostas (SUREL; PALIER, 2005).

A abordagem hegemônica dos trabalhos de análise de políticas utiliza invariável e restritamente um dos 3 Is, quase sempre de maneira excludente. Utilizar conjuntamente os 3 Is repousa, por conseqüência, sobre a idéia de que essas variáveis explicativas não são exclusivas umas das outras, mas podem ser associadas, pelo menos a priori, para delimitar os eixos da pesquisa e das dinâmicas pertinentes na análise do Estado em ação (SUREL; PALIER, 2005).

Para esclarecer as reflexões teóricas baseadas nos 3 Is de Peter Hall deste trabalho, é importante definir instituições, idéias e interesses. Embora se possa encontrar diversas interpretações de instituições, para fins desta análise entende-se que são um conjunto relativamente estável de práticas, regras, procedimentos ou normas formais que definem o comportamento apropriado de determinados grupos de atores (indivíduos, comunidades, organizações, grupos de interesse) em situações específicas (HALL, 1997; ANDRADE, 2007).

Da mesma forma, idéias são definidas por Faria (2003) como valores, crenças, relações causais, símbolos e imagens que expressam identidades, concepções de mundo e ideologias dos atores. É com base nas idéias que os atores formam suas concepções, paradigmas, ideologias e visões de mundo que condicionam a interpretação da realidade e a construção de seus interesses.

E, por fim, interesses foram considerados como as prioridades na defesa das quais os atores se movem, gerando conflitos e eventuais negociações a partir dos processos de formação de consensos.

Colocar o problema da pesquisa em termos de interesse consiste em identificar quais são os atores pertinentes dentro do domínio observado e em enfatizar certas dinâmicas fundamentais, como as lógicas da ação coletiva, os cálculos e as estratégias empregadas pelos atores em função dos custos e benefícios obtidos dos conflitos eventuais ou das cooperações possíveis, as conseqüências das previsões feitas pelos indivíduos ou pelas organizações envolvidas na ação pública. O monitoramento dos interesses presentes, das preferências dos atores e de suas estratégias consiste, sem dúvida, na abordagem mais bem balizada dentro da análise de políticas.

De acordo com Surel e Palier (2005), essa abordagem se concentrou de maneira inicial nas questões relativas à racionalidade da tomada de decisão, nas lógicas próprias à ação coletiva e às modalidades de influência e de interação que caracterizam as relações de poder no âmbito do ciclo de políticas.

As instituições configuram dinâmicas que constituem uma robusta ferramenta para análise. Analisar os problemas com esse enfoque supõe ver como o tecido (mais ou menos) antigo e fechado de regras, de práticas e de mapas mentais enraizados pesa sobre o comportamento dos atores públicos e privados envolvidos. Trata-se de dar ao objeto de estudo uma conseqüência histórica necessária para identificar quais são os recursos e as restrições institucionais que regem as interações no interior do domínio estudado e para provar a “solidez” dessas instituições em sentido lato.

O conjunto de autores estudados afirma que, indubitavelmente, no domínio de análise de políticas públicas e sociais o enfoque predominante tem sido o institucional. Em parte porque se trata de um domínio de ação pública particularmente “saturada” de instituições mas, também porque, em sentido amplo, as instituições podem influenciar a natureza dos problemas encontrados, os recursos e os repertórios mobilizados pelos atores envolvidos e os diagnósticos e as tomadas de decisão. Adotar tal perspectiva supõe assim identificar quais são as características institucionais suscetíveis de pesar sobre os processos estudados (MULLER; SUREL, 2004; SUREL; PARLIER, 2005).

Em síntese, a análise das instituições revela arranjos que dão sustentação ou garantem a performance da estrutura organizacional das políticas públicas, deixando lições importantes. As idéias dos atores envolvidos têm um valor essencial, pois evidenciam a relação com dimensão humana que, normalmente, é esquecida em outras abordagens, e a reflexão sobre os interesses é importante para entender como determinados grupos de interesse suportam determinadas políticas. Identificando o caminho percorrido por esses grupos, fica mais claro o entendimento acerca das mudanças ocorridas no processo, bem como a configuração de novas formas de coalizão nos padrões atuais das políticas (HALL, 1997).

Figura 2: Estrutura analítica do processo de formulação PNSAN – Brasil, 2003-2006

construção de consenso

Fonte: adaptação da autora: Hall (1997) Teoria dos 3 Is/ Lowy, 2006 – Historicidade. Baseado no esquema proposto por Carvalho (2005) e Andrade (2007).