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Parte II ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE CONCEITOS DE GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE

Capítulo 6 A abordagem Geossistêmica

É preciso clarificar um através do outro – por meio de uma verdadeira psicanálise, e para lhes apreender o verdadeiro sentido – estes aspectos do ritmo que define o pensamento: a intuição e o sistema. (LENOBLE, 1943) 245

A partir de 1950, a abordagem sistêmica trouxe à Ciência uma possibilidade de entendimentos dos processos naturais e sociais diferente do paradigma mecaniscista-cartesiano dominante até então.

Já por volta de 1930, a abordagem sistêmica havia sido preconizada por Ludwig Von Bertalanffly e R. Defay que sugeriam aplicações na biologia e na termodinâmica. Apesar de existirem outros trabalhos (Bogdanov e Leduc), esses autores são considerados ―os pais‖ da teoria dos sistemas, segundo CAPRA (1996).246 A proposta desta teoria é a construção de uma linguagem única, capaz de

englobar todos as disciplinas do conhecimento (BERTALANFFLY, 1973247;

VICENTE & PERES, 2003248).

Em resumo, os motivos pelos quais BERTALANFFLY elabora sua Teoria Geral dos Sistemas seriam249:

a) necessidade de generalização dos conceitos científicos e modelos; b) introdução de novas categorias no pensamento e na pesquisa

científicas;

c) os problemas da complexidade organizada, que são agora notados na ciência, exigem novos instrumentos conceituais;

d) pelo fato de não existirem instrumentos conceituais apropriados que sirvam para a explicação e a previsão na biologia

e) introdução de novos modelos, dos princípios gerais e mesmo das leis que aparecem em vários campos.

Para TRICART (1977), o conceito de sistema é, atualmente, o melhor instrumento lógico de que dispomos para estudar os problemas do meio ambiente.

245 LENOBLE, R. Essai sur la notion d’expérience. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1943. 246 CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

247 BERTALANFFLY, L. Teoria Geral dos Sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis: Vozes, 1973.

248 VICENTE, L. E; PEREZ FILHO, A. Abordagem Sistêmica e Geografia. Geografia. vol. 28, nº.3, Rio Claro, set./dez., 2003, p.345-362.

249 LIMBERGER, L. Abordagem sistemática e complexidade na Geografia. Geografia: v.15, nº2, Universidade Estadual de Londrina, jul/dez, 2006.

Ele permite adotar uma atitude dialética entre a necessidade de análise – que resulta do próprio processo da ciência e das técnicas de investigação – e a necessidade, contrária de uma visão de conjunto, capaz de ensejar uma atuação eficaz sobre esse meio ambiente. Ainda mais, o conceito de sistema é, por natureza, de caráter dinâmico e por isto adequado a fornecer os conhecimentos básicos para uma atuação – o que não é o caso de um inventário, por natureza estático.250 Ele

ainda defende duas vantagens dessa abordagem:251

a) Melhorar a geografia física, corrigindo o excesso unilateral da atitude analítica, da qual sofreu, isolando-se cada vez mais das outras ciências e permanecendo uma disciplina por demais acadêmica. Ao lado das pesquisas-analíticas, devemos desenvolver uma geografia física geral, cooperando com a ecologia no estudo do meio ambiente e, por conseqüência, útil e apta como base de muitas ações práticas.

b) Reequilibrar a própria ecologia. Na verdade, quase todos os ecólogos se formaram inicialmente como botânicos ou zoólogos, à base de sistemática e fisiologia. Em decorrência disso, eles pesquisam mais as relações mútuas entre seres vivos do que as vinculações entre esses seres vivos e o seu meio ambiente. Não devemos criticá-los: faltou-lhes o apoio da geografia física, pulverizada e totalmente alheia aos aspectos ecológicos. Por sua tradição holística, na Geografia a Teoria dos Sistemas foi muito bem recebida e logo ganha contornos próprios, se designando como GEOSSISTEMA.

SOTCHAVA (1997) conceitua Geossistemas como ―formações naturais,

experimentando, sob certa forma, o impacto dos ambientes social, econômico e tecnogênico.‖ 252 Para ele, no estudo dos geossistemas o que se destaca não são os

componentes naturais em si, mas sim as conexões entre eles e, nesse sentido, faz também alusão de que nos estudos da Geografia Física os componentes antrópicos não podem estar dissociados do meio ambiente.

MONTEIRO (2001) propõe um modelo de Geossistema que considera a ação antrópica, a exploração biológica e potencial ecológico e que, segundo ele, é uma

250 TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: FIBGE/SUPREN, 1977. 251 Idem, p. 19-20

252 SOTCHAVA, V. B. O estudo de Geossistemas. Métodos em Questão. São Paulo: Univ. São Paulo/IG, 1977, nº16, p.09.

proposta da Geografia que não pode ser confundida com a proposta de Ecossistema, mais antiga e universalizada. Ele, em sua tese de livre docência, de 1976, associa os sistemas à idéia de árvore, como em KOESTLER, para quem:

Árvores são estruturas virtuais. Pontos de encontro de árvores vizinhas formam-se redes horizontais, em vários níveis. Sem árvores, não poderia haver redes horizontais, nem redes, cada árvore seria isolada e não haveria integração de funções. Arborização e reticulado parecem ser princípios complementares na arquitetura dos organismos. Em universos simbólicos do discurso, a arborização reflete-se na denotação vertical (definição) dos conceitos; o reticulado em suas conotações horizontais em redes associativas.253

Observe a visualização gráfica da proposta (figura 3):

253 KOESTLER, A. Beyond atomism and holism: the concept of holon. In ______ Beyond

Reductionism. New Perspective in Life Sciences. London: Hutchinson, 1969, p.202-3.

Figura 3 – Noção de Hierarquia, segundo ARTHUR KOESTLER.

Para MONTEIRO (1976),

...a idéia de árvore é mais dinâmica, mais rica, por revelar as relações entre as partes e, sobretudo, por admitir implicitamente a noção de crescimento e evolução do sistema. Torna-se, pois, de grande importância considerar os sistemas organizados não apenas como simples agregados de partes elementares, refletindo-se, taxonomicamente, através do reticulado mas cumpre encará-los, acima de tudo, quanto ao aspecto organizacional, onde constituem subconjuntos em vários níveis de hierarquia. 254

Apesar da significativa contribuição, o modelo proposto por MONTEIRO apresentou alguns problemas para sua aplicação e passou a ser considerado por

muitos de um ―modelo conceitual de Geossistema‖ para ―modelo teórico da

paisagem‖ 255 (lembre-se do quadro 5 – Fisiologia da Paisagem, p.138). Sobre este

aspecto, LIMBERGER (2006) escreve que:

...o conceito de geossistema apresenta ainda muitas contradições teóricas e grandes dificuldades de aplicação prática, principalmente em se tratando do geossistemas sócio-econômico. Além disso, quando ele divide um geossistema em geossistema físico-ambiental e outro sócio-econômico, então se perde a característica de integração, que é necessária para que se componha um sistema. Entendemos, entretanto, que esta dificuldade de ‗aplicar conceitos‘ não deve emperrar uma tentativa de se buscar um processo de evolução na análise geográfica, que vise uma integração dos fatores analisados e que transcenda o simples catalogar ou diagnosticar aos fenômenos que se desenvolvem no espaço. 256

Com o tempo, essa nova abordagem tem recebido incrementos teórico- metodológicos importantes que permitiram sua maior permeabilidade nas disciplinas e aplicabilidade prática de seus conceitos. Referimos-nos, por exemplo, à adoção da Teoria Sistêmica na Geografia em conjunto com a Teoria da Complexidade que pode permitir uma leitura mais precisa dos fenômenos da globalização, tanto em termos ambientais como econômico-sociais; tanto em termos locais, quanto gerais.

Para MORIN (2000), é função do pensamento complexo buscar a religação do todo e da parte sob três princípios:

 anel recursivo: rompimento com a causalidade linear

254 MONTEIRO, C.A.F. Teoria e clima urbano. Tese de livre docência, Universidade de São Paulo, Instituto de Geografia. IGEOG-USP, série Teses e Monografias nº25, São Paulo, 1976, p. 112. 255 VICENTE, L.E & PEREZ FILHO, A. Abordagem Sistêmica e Geografia. Geografia. vol. 28, nº 3,

Rio Claro, set./dez., 2003, p. 345-362.

256 LIMBERGER, L. Abordagem sistemática e complexidade na Geografia. Geografia. vol.15, nº2, Londrina: UEL, jul/dez, 2006, p. 103.

 dialógica: ―o contrário de uma verdade não é um erro, mas sim uma verdade contrária‖

 hologramático: totalidade, a parte está no todo e o todo na parte.

Além de SOTCHAVA, MONTEIRO, TRICART, CHRISTOFOLETTI a lista é grande dos autores que possuem trabalhos na perspectiva sistêmica ou da complexidade.

CHOLLEY (1964) defendeu o estudo das ―combinações de complexo‖ como

os principais objetivos da geografia.257 RECLUS (1985) fala sobre a interação dos

diversos componentes que integram a organização do espaço, afirmando que os aspectos naturais se inter-relacionam com os aspectos sociais, num sistema complexo.258 Não podemos esconder ainda, as contribuições do naturalismo de

Humboldt, da Antropogeografia de Ratzel, dos estudos de Climatologia de La Blache que se constituem análises complexas do espaço, todos aos seus modos.

Como se vê, na Geografia não há nada de inédito em se trabalhar com a Teoria de Sistemas e Complexidade. Apenas temos que investir na compatibilidade destas teorias e encontrar métodos práticos para sua realização empírica. Na compreensão de Pierre Delattre (1981) não só a abordagem sistêmica é importante, ele chama a atenção para a necessidade de construção de uma comunicação mais coerente para exprimir as intenções de uma ciência sistêmica: ―A unificação de saberes parciais implica, com efeito, uma condição sine qua non: a existência de uma linguagem comum em que estes diversos saberes se possam exprimir. Do mesmo modo, a possibilidade de compreender como se faz a integração de partes materiais abstratas num sistema implica que se possa dispor de uma linguagem teórica unificada, e adaptada à expressão coerente das diversas propriedades das partes que se trata de considerar. O esquecimento desta condição necessária, mas não suficiente, provoca freqüentes dificuldades.‖ 259

257 CHOLLEY, A. Observações sobre alguns pontos de vista geográficos. Boletim Geográfico, vol. 22, nº179, Rio de Janeiro, mar/abr 1964.

258 RECLUS, E. A complexidade da produção do espaço geográfico. In ANDRADE, M. C. (org.) Èlisée

Reclus. São Paulo: Ed. Ática, 1985, p.p.56-60.

259 DELATTRE, P. Teoria dos sistemas e epistemologia. Cadernos de Filosofia 2, A Regra do Jogo, Lisboa, 1981, p.10

Arriscamos uma defesa ao dizer aqui que a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas pode significar a conexão para nos auxiliar nesta trajetória. Debateremos um pouco mais sobre essas possibilidades adiante.