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Parte II ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE CONCEITOS DE GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE

Capitulo 2 Espaço: integrador, sistêmico

Geografia não é o mesmo que espaço, e possui um conteúdo de significado em que espaço é uma das categorias, entre outras, que a constitui. (MARTINS, 2007) 157

Espaço, palavra utilizada largamente por diversas ciências e também no sendo comum e, para a qual, se atribui muitos aspectos: qualitativos, psicológicos, quantitativos.

O dicionário HOUAISS da língua portuguesa nos apresenta dezoito sinônimos para essa palavra, sem contar as adjetivações e locuções que podem multiplicar-se (ex. espaço aéreo, espaço n-dimencional, espaço alternativo etc.). Mesmo segundo a etimologia da palavra, espaço, do latim spatium, tem múltiplos significados tanto na acepção temporal quanto física: espaço livre, extensão, distância, espaço de tempo, na duração, época, tempo; espaço de passeio, passeio, pista.

Mesmo no âmbito disciplinar, o conceito de espaço mudou muito ao longo dos anos e se confunde com a própria história da Geografia. Investigaremos um pouco destes aspectos nesse capítulo.

O espaço no tempo

Para os fins deste trabalho, abordaremos nesse item as conceituações de espaço do século XIX, momento da Revolução Científica na qual as disciplinas estabeleceram seus ―objetos de estudo‖. Tomamos aqui como referência, entre outros, o artigo recente de Roberto Lobato Corrêa (2006) intitulado Espaço: um

conceito-chave da Geografia, do qual extraímos muitos elementos para a

discussão.

A Geografia Tradicional (1870-1950) focou suas pesquisas nos conceitos paisagem e região, sobre os quais se discutiu o objeto/identidade da Geografia ante as demais ciências. Nesse período se destacaram os geógrafos vinculados ao positivismo e historicismo, em outros termos, os geógrafos deterministas,

157 MARTINS, É.R. Geografia e ontologia: o fundamento geográfico do ser. GEOUSP, nº 21 – Espaço e tempo, São Paulo, 2007, p.38.

possibilistas, culturais e regionais como aponta CAPEL (1982).158 Entre os geógrafos dessa corrente a abordagem espacial associada à localização das atividades humanas e suas dinâmicas era secundária, como aponta CORRÊA (1986) 159

Mesmo presente, de maneira implícita, na literatura de Ratzel e de Hartshorne o espaço não se constitui como conceito-chave na Geografia Tradicional. Em Ratzel o tão conhecido ―espaço vital‖ transforma-se, pela política, em conceito de território, necessário para a ampliação do Estado. Além disso, ―o conceito de paisagem é deixado de lado, enquanto o de região é reduzido ao resultado do processo de classificação de unidades espaciais segundo procedimento e argumentos de agrupamentos e divisão lógica com base em técnicas estatísticas.‖ 160

O espaço absoluto na visão hartshoniana, com influência kantiana, associa- se a todas as dimensões da vida e aparece como receptáculo das coisas e dos seres. Neste sentido, espaço é empregado como área, havendo associação entre a noção de espaço e a visão particular da realidade, na qual, numa determinada área, está estabelecida uma combinação única dos fenômenos naturais e sociais, como se cada porção do espaço absoluto fosse um locus de uma combinação única

(unicidade) em relação à qual não se poderiam conceber generalizações: ―nenhuma

(lei) universal precisa ser considerada senão a lei geral da Geografia de que todas

as suas áreas são únicas‖ (HARTSHORNE, 1939).161

Importante para o desenvolvimento de muitos trabalhos e ampla divulgação da Geografia, mais tarde, esse conceito de espaço mostrou-se insuficiente para abranger as questões sociais, como destaca CORRÊA (2006):

É preciso considerar o que significou para a Geografia a concepção de espaço que os geógrafos lógico-positivistas nela introduziram. Trata-se de uma visão limitada de espaço, pois, de um lado privilegia-se em excesso a

158 CAPEL, H. Filosofia y Ciencia en la Geografia Contemporanea. Barcelona: Barcanova, 1982 159 CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ed. Ática, 1986.

160 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.20.

161 HARTSHORNE, R. The Nature of Geography. Association of American Geographers, Lancaster, 1939, p. 644.

distância, vista como variável independente. Nesta concepção de outro lado, as contradições, os agentes sociais, o tempo e as transformações são inexistentes ou relegadas a um plano secundário. Privilegia-se um presente eterno e subjacente, encontra-se a noção paradigmática de equilíbrio (espacial), cara ao pensamento burguês. As representações matricial e topológica devem, ao nosso entender, se constituir em meios operacionais que nos permitam atrair um conhecimento sobre localizações e fluxos, hierarquias e especializações funcionais, sendo, neste sentido, uma importante contribuição que, liberada de alguns de seus pressupostos como planície isotrópica, a racionalidade econômica, a competição perfeita e a a- historicidade dos fenômenos sociais, pode ajudar na compreensão da organização espacial.162

É na chamada Geografia Teorético-quantitativa que o espaço aparece como conceito-chave de Geografia. Apoiada numa visão de unidade epistemológica da Ciência (ciência da natureza, principalmente a Física) o raciocínio hipotético dedutivo foi consagrado como o mais pertinente e a teoria elevada ao cume da produção intelectual. Nesse contexto os trabalhos investigativos são orientados a partir de quantificações e construções de modelos. Não obstante a estes aspectos técnicos e quantitativos, é neste momento que a Geografia passa a ser considerada

como Ciência Social (SCHAEFER, 1953) 163 e mesmo uma ciência espacial

(BUNGE, 1966164 e NYUSTEN, 1968165).

Apresentado sob duas formas mutuamente complementares, o espaço é visto, por um lado, através de uma noção de planície isotrópica e, de outro, de sua representação matricial. A planície isotrópica é uma construção hipotética dedutiva da qual deriva uma superfície uniforme (natural e socialmente) a partir da qual é possível estabelecer, por processos lógicos, diferenciações do espaço, ou seja, o espaço passa a representar a unidade geográfica para o estudo dos fenômenos sociais e humanos sob um ângulo comum, tendo como linguagem a geometria. Entre as variáveis analíticas destes espaços aparece, por exemplo, a distância, expressa em gradientes (preço, densidade) e anéis concêntricos (uso da terra). Para

162 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.23

163 SHAEFER, F.K. Exceptionalism in Geography: a Methodological Examination. Annais of the Association of America Geographers, 43(3)226-249, Washington, 1953

164 BUNGE, W. Theoretical Geography. Gleerup, Lund, 1966

165 NYUSTEN, J. Identification of Some Fundamental Spatial Concepts. In BERRY, B. J. L.; MARBLE, D. (ed.) Spacial Analysis: A Reader in Statistical Geography, Englewood Cliffs: Prentice-Hall Inc., 1968, p.35-41.

NYUSTEN (1968), além da distância, a orientação e a conexão fazem parte dos três conceitos mínimos para se realizar estudos geográficos. Sendo a orientação referente à direção que une ao menos dois pontos e a conexão à posição relativa entre dois pontos, sendo independente da orientação e da distância, pois é uma propriedade topológica do espaço. Desse contexto, surgem os esquemas centro- periferia, tanto no nível urbano-rural, quanto nacional-internacional.

HARVEY (1969) 166 aponta como alternativa crucial para vencer a fricção

imposta pela questão das distâncias na Geografia a noção de espaço relativo. Para ele, a apreensão do espaço passa pelo entendimento das relações entre os objetos (dinheiro, tempo, energia). Essa perspectiva amplia a capacidade desse conceito em abordar os aspectos sociais.

Se mantendo como conceito-chave, o espaço entra na década de 1970 sob outra perspectiva. A denominada Geografia Crítica aparece como um movimento revolucionário, fundamentado no materialismo histórico e na dialética, que procurou romper, de um lado, com a Geografia Tradicional e, de outro, com a Geografia Teorético-quantitativa. A partir desta década, intensos debates são travados entre geógrafos marxistas e não marxistas, esse assunto é bem abordado por SANTOS (1978) 167 e CAPEL (1982) 168 entre outros.

Importantes nomes dessa corrente Crítica como CAVAL (1974) 169, SAEY (1978) 170, VAN BEUNINGEN, C. (1979) 171, GARNIER (1980) 172, PFERTZELL (1981) 173 reforçaram que o espaço deveria ser estabelecido como o tema central para os geógrafos neomarxistas, uma vez que na obra de Marx o espaço está pouco presente, talvez por ter sido tratado com ênfase por Hegel (espaço reificado e

166 HARVEY, D. Explanation in Geography. London: Eduard Arnold, 1969. 167 SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: HUCITEC, 1978.

168 CAPEL, S. H. Filosofia y Ciencia en la Geografia Contemporanea, Barcelona: Barcanova, 1982 169 CLAVAL, P. Evolución de la Geografia Humana. Barcelona: Oikos-Tau Ed., 1974.

170 SAEY, P. Marx and the Students of Space

. L‘Espace Geógraphique, 7(1):15-25, Paris, 1978. 171 BEUNINGEN, C.

Le Marxisme et L’Espace Chez Paul Claval. Quelques Reflexions pour une

Géographie Marxiste. L’Espace Géographique. 8(4):263-271, Paris, 1979.

172 GARNIER, J. P. Espace Marxiste, Espace Marxien.

L’Espace Geographique, 9(4)267-275, Paris,

1980.

173 PFERTZELL, J.P.

Marx et L’Espace. De L‘Exégese à la Théorie, Espaces Temps, 18,19 e 20:65-

fetichizado, na forma do Estado Territorial).

Sob influência de Marx, quem procurou enfatizar o tempo e a temporalidade, os geógrafos críticos passam a se preocupar em identificar as categorias de análise do espaço. Em sua obra de 1993, SOJA174 reitera o papel do espaço e da espacialidade como fundamentos para a constituição e o devir da sociedade. Por sua vez, HARVEY (1993) 175 trabalha com conexões entre espaço e o tempo ao discutir a pós modernidade.

É na Geografia Crítica que a análise marxista aparece efetivamente na discussão do espaço e, assim, ele passa a ser entendido com espaço social em estreita correlação com a prática social; abrangendo o lugar dos números e das proporções, ponto de reunião dos objetos produzidos, conjunto das coisas que ocupam e de seus subconjuntos, efetuado, objetivado, portanto funcional, como abordado por LEFÉBVRE (1976). Para esse autor, o espaço ―desempenha um papel ou uma função decisiva na estruturação de uma totalidade, de uma lógica, de um sistema.‖ 176

O paradigma materialista histórico e dialético marca profundamente o desenvolvimento das investigações da Geografia a partir de 1970. Nesta perspectiva teórica o espaço é entendido lócus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, reprodução da sociedade. Nessa linha de pensamento, Milton Santos (1977) dá contribuição fundamental estabelecendo o conceito formação social espacial, para quem o modo de produção e formação sócio-econômica e espaço são categorias independentes. Para ele, ―os modos de produção tornam-se concretos numa base territorial historicamente determinada (...) as formas espaciais constituem uma linguagem dos modos de produção‖. 177

Podemos depreender a partir disso que a sociedade só se torna concreta

174 SOJA, E. Geografias Pós-Modernas. A Reafirmação do Espaço na Teoria Social Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1993.

175 HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Editora Loyola, 1993.

176 LEFÉBVRE, H. Espacio y Politica. Barcelona: Ediciones Peninsula, 1976. p.25.

177 SANTOS, M. Society and Space: Social Formation as Theory and Method. Antípode 9(1):3-13, Worcester, 1977, p.5.

através do espaço que produz e, por outro lado, o espaço só é compreendido através da sociedade; além do que ―a formação sócio-espacial passa a ser considerada como um meta-conceito, um paradigma que contém e está contida nos conceitos-chave de natureza operativa, de paisagem, região, espaço (organização espacial), lugar e território.‖ 178. Assim o Espaço (geográfico) equivale à organização

espacial, estrutura territorial, configuração espacial, espaço socialmente produzido, um ―(...) conjunto de objetos criados pelo homem e dispostos sobre a superfície da Terra.‖ (CORRÊA, 1986b).179

SANTOS (1985) ainda apresenta uma visão funcionalista e sistêmica na qual o espaço deve ser analisado a partir das categorias estrutura, processo, função e forma, consideradas em suas relações dialéticas:

Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas do mundo. Considerados em conjunto, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade. 180

Sendo, então: a forma o aspecto visível/exterior de um objeto; a função a atividade a ser desempenhada pelo objeto; a estrutura diz respeito à matriz social onde as formas e funções são criadas e justificadas e, finalmente, o processo definido como ação que se realiza visando um resultado, implicando tempo e mudança.

Ainda na linha crítica à Geografia Lógico-positivista, a Geografia Humanista, calcada nas correntes filosóficas do significado, em especial a Fenomenologia e o Existencialismo, resgata a matriz possibilista e cultural da Geografia Tradicional.

Contrariamente às Geografias Críticas e Teorético-quantitativa por outro lado, a Geografia Humanista está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo e na contingência, privilegiando o singular e não o particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na compreensão a base de inteligibilidade do mundo

178 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.27

179 CORRÊA, R. L. O enfoque Locacional na Geografia. Terra Livre, 5(3):115-121, São Paulo, 1986b, p.55

real.181

Nesta corrente humanista de pensamento o conceito paisagem é re- valorizado, ao lado de outros conceitos como região e território. É também neste momento que o lugar passa a se destacar como conceito-chave, ao passo que, para muitos autores, o espaço é entendido como espaço vivido, considerando-se os sentimentos espaciais e as idéias de um grupo sobre o espaço a partir da

experiência e seus vínculos. TUAN (1979) 182 um dos mais importantes autores da

abordagem simbólica, defende a existência de diversos espaços: espaço pessoal, espaço coletivo, espaço mítico-conceitual.

Conforme aponta HOLZER (1992), a temática do espaço vivido está particularmente vinculada à geografia francesa e tem suas raízes sobretudo na tradição vidaliana, mas também na psicologia genética de Piaget, na Sociologia, de onde se retiraria os conceitos de espaço-regulação, espaço-apropriação e espaço- alienação e na psicanálise do espaço baseado em Bachelard e Rimbert, de onde se retira discussões sobre o corpo, o sexo e a morte.183

O trabalho de GALLAIS (1977) 184 diferencia, a partir do conceito de distância, três concepções de espaço vivido nas sociedade primitivas dos trópicos: distância estrutural, afetiva e ecológica, onde:

 estrutural: afasta ou reduz as relações entre os lugares quando confrontada com a distância objetiva;

 afetiva: manifesta no gostar dos lugares, tornando próximos os lugares longínquos (lugares sagrados, por exemplo);

 ecológica: a vivência com a natureza permite distinção de detalhes apenas percebidos por um grupo, a sazonalidade pode interferir na distância e vivência do espaço.

181 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.30.

182 TUAN, Y. F. Space and Place: Humanistic Perspective. In GALES; OLISSON, G. (eds.)

Philosophy in Geography., Dordrecht: Reidel Publ. Co., 1979, p. 404.

183 HOLZER, W. A Geografia Humanista – Sua trajetória de 1950. Dissertação de Mestrado de Geografia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, datil., 2 volumes, 1992. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. & CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.31 184 GALLAIS, J. Alguns aspectos do Espaço Vivido nas civilizações do mundo tropical. Boletim

Estas distinções tendem a ser minoradas por meio das transformações oriundas da modernização que passa a exigir novas práticas sociais e, assim, originam novos espaços dotados de outros atributos.

Conhecer estas práticas sociais permite ao profissional uma intervenção mais precisa no planejamento e organização espacial, quer em termos locais quer em regionais (considerando as diversas escalas).

Espaço. Práticas atuais

Como podemos perceber, atualmente dispomos de um arsenal teórico muito rico que permite uma análise do espaço de forma integrada, tanto em seus atributos físicos como sociais. Mas as escolhas de métodos e paradigmas de abordagem não são coisas simples. De qualquer modo, uma escolha teórico metodológica nunca deve estar deslocada de uma prática, no nosso caso, de uma reflexão sobre as práticas sociais.

Segundo CORRÊA (2006) as práticas espaciais resultam, de um lado, da consciência que o Homem tem da diferenciação espacial e, de outro, dos diversos projetos típicos de cada sociedade e/ou grupo. A consciência é fruto de padrões sociais e das possibilidades técnicas disponíveis no espaço e no tempo que permite uma relação particular com a natureza. Os projetos são desenvolvidos para viabilizar a existência e a reprodução de uma sociedade, grupo, empresa ou atividade e se ancoram numa ética, religião ou desejos de uma sociedade. ―As práticas espaciais são ações que contribuem para garantir os diversos projetos. São meios efetivos através dos quais objetiva-se a gestão do território, isto é, a administração e o controle da organização espacial em sua existência e reprodução.‖ 185

Em sua obra de (1992), esse autor distingue as práticas sociais em seletividade espacial, fragmentação-remembramento espacial, marginalização espacial e reprodução da região promotora, sendo elas:

185 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. in CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, 2006, p.35.

 seletividade social: diferenciação do espaço segundo interesses de projetos estabelecidos;

 fragmentação-remembramento espacial: a partir de uma dimensão política, organiza-se o espaço em unidades territoriais;

 antecipação espacial: reserva de espaço com fim de utilização em momentos favoráveis.

 marginalização espacial: razões de ordem política, econômica, cultural ou técnica podem influenciar na implantação dos espaços.

 reprodutora da região produtora: desenvolvimento de ações e

estratégicas que viabilizam a reprodução das condições de produção.

Em nossas reflexões cabe ainda considerar as conceituações de espaço de MABOFUNJE (1980) 186, sendo elas:

1) Físico, absoluto: todos os entes e coisas. 2) Relativo: relações com outro, distinção.

3) Relacional: percebido como conteúdo e representando no interior de si mesmo outros tipos de relação que existem entre objetos.

Como discutimos até agora, sabemos que espaço é dotado de propriedades formais que admitem combinações de relações, sejam elas de caráter efetivamente físicas – que se fazem legíveis na morfologia e na ocupação natural (domínios) – seja de caráter antropológico. Vimos ainda que essas propriedades formais não podem ser consideradas meramente no sentido algébrico, justamente por conter como um dos componentes a sociedade, que não segue as leis exatas. Uma investigação geográfica que se proponha atual, abrangente e portadora de um projeto social emancipatório não pode prescindir da associação dos aspectos físicos e humanos, globais e específicos do espaço que se condensam fenomenicamente num evento tempo-espacial.

Sobre este aspecto, SEABRA (2001) nos coloca alguns pressupostos da investigação geográfica:

A pesquisa, o conhecimento geográfico tem que estar situado entre aquilo que se concebe e aquilo que se realiza, tem que revelar os encontros e, sobretudo, os desencontros; aquilo que fica entre a intenção e o gesto. Isto quer dizer que as representações do espaço se materializam em produtos os

186 MABOFUNJE, A. L. The Development Process: a Spacial Persceptive, London: Hutchinson, 1980, p.52.

quais entrando na dialética da vida, conduzem-na a um nível mais alto, como materialidade pensada. Assim concebidos constituem-se os espaços de representação para serem novos âmbitos de experiências e práticas. É nesse sentido que a apropriação como desfrute, como gozo e prazer desinteressado se constitui em critério, até mesmo parâmetro para que se considere os produtos e obras da cidade. É essencial considerar que a dialética espaço de representação e representação do espaço como formulação lógica, tem que ser operada a luz da história concreta. Por isso, a apropriação tem que ser relacionada à propriedade e a opressão, sob circunstâncias históricas. 187

Em suma, a representação do espaço, segundo a autora, é o espaço concebido, mediado pela técnica, a ciência a política e cultura. Já o espaço de representação corresponde ao espontâneo, mundo dado, imediato, vivido.

Então, se observarmos os aspectos físico, relativo e relacional do espaço somados às práticas espaciais que sobre ele se desenvolvem, numa perspectiva de que a totalidade se dá no evento, teremos em mãos uma potente ferramenta para analisar com mais precisão o quadro tempo-espaço apresentado.

Reflexões sobre o uso do espaço

Com vimos, o espaço enquanto categoria de análise pode ser definido como um certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro lado, a vida que o preenche e o anima, ou seja, a sociedade em movimento.188

RUSSELL, em 1957, atribuiu em sua definição de espaço aspectos mais subjetivos:

(...) a intuição é inerente ao sujeito, sim, mas a um sujeito determinado social e historicamente e não um sujeito simples, ser biológico. Assim, a consciência individual e coletiva interferem decididamente no ato de intuir o espaço. A percepção do espaço é portanto uma percepção cultural do espaço.189

De forma mais simplificada, o espaço abrange a base física onde os homens se encontram e suas relações com a natureza e com os demais indivíduos. Como o espaço é socialmente construído, tais proposições não são neutras do ponto de

187 SEABRA, O. C. L. Urbanização e Fragmentação: apontamentos para estudo do bairro e da memória urbana. In: SPOSITO, M. E. B. (org.). Urbanização e Cidades: Perspectivas

Geográficas. Presidente Prudente: Editora da Unesp e GAsPERR, 2001.

188 SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. 1996, p. 26

189RUSSELL, B. Elogio do lazer. Filosofia. Série 1, nº28. São Paulo: Nacional, 1957, Biblioteca do Espírito Moderno.

vista social. Uma gama de sujeitos modifica esse espaço à medida que transformam as formas e os objetos que nele encontram, sendo que esta transformação influencia seus próprios modos de vida.

A utilização do espaço é analisada pela Geografia como uma maneira de compreender o movimento dialético entre a sociedade e o mundo físico; já que ele também é produto social do trabalho materializado, apresentando diferentes formas, naturais e artificiais, e os significados atribuídos pelo homem. Partindo disso, entendemos que as relações sociais só têm existência real enquanto existência