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Abordagem meta-teórica: uma APE pluralista

I. Parte teórica

2. Os actuais desafios da Análise da Política Externa

2.5. A problemática da integração das teorias e a sua relação com a investigação: a

2.5.1. Abordagem meta-teórica: uma APE pluralista

Relativamente à questão central de como é que podemos conhecer algo acerca dos actores e das estruturas, a nossa abordagem segue a tradição cientifico-positivista da APE, sem poder ser considerada de atitude positivista en tout. Ou seja, na discussão epistemológica entre positivismo-racionalismo e reflexivismo-constructivismo adoptamos uma posição de middle ground371 conjugando as influências de um neo-

classical constructivism372 com as de um ideational liberalism.373, próximo daquilo a que Risse-Kappen designou de “liberal construtivism”.374

Não somos, portanto, relativistas e achamos que é possível, com base em padrões de rigor e profissionalismo académico, conjugada como uma atitude de crítica constante relativa aos métodos, técnicas e fontes, a obtenção e acumulação de conhecimento científico empírico. Assim, reconhecemos a importância do trabalho acumulado da APE, com a sua vertente cientifico-positivista e comparativa, relativa aos

370

Estamos a referirmo-nos as lógicas de comportamento originalmente definidas por MARCH, James e OLSON, Johan. Cf. pp. 71 e segs do presente trabalho.

371 ADLER, Emanuel – “Seizing the Middle Ground: Constructivism in World Politics” in European

Journal of International Relations. Vol. 3, nº3, 1997, pp. 319-363. 372

RUGGIE, John, G.- “Introduction: What makes the world hang together? Neo-utilitarianism and the social constructivist challenge” in Op. Cit. p. 35.

373 O ideational liberalism assume que a configuração dos valores ideacionais e das identidades sociais

domésticas são os factores básicos que determinam as preferências dos estados. Assim, é a identidade social e a sua legitimidade que fundamentam as preferências da política externa de um estado. De acordo com o ideational liberalism a “cultura da política externa” de uma sociedade, o seu estilo e doutrina política, os seus valores, normas e ideias institucionalizadas são factores explicativos por excelência das continuidades e mudanças das acções de um estado. Ao contrário das explicações simplistas de maximização económica de poder, os estados e as suas elites agem, não raras vezes, com base em práticas culturais e crenças normativas que aparentemente contrariam a lógica tradicional e determinista de maximização de benefícios materiais. Veja-se MORAVCSIK, Andrew - “Liberal International Relations Theory: A Scientific Assessment,” in ELMAN, Colin; ELMAN, Miriam F. eds. - Progress in International Relations Theory: Appraising the Field. Cambridge: MIT Press, 2003, pp. 159-204, MORAVCSIK, Andrew - “Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics”, in International Organisation. Vol. 51, nº4, pp. 513-553.

374 RISSE-KAPPEN, Thomas – “Collective Identity in a Democratic Community”, in KATZENSTEIN,

modelos decisionais, bem como, entre outras, as suas conclusões sobre as crises, as

misperceptions, a linkage theory e a análise burocrática. No entanto, estamos

conscientes que as ideias defensoras da indispensabilidade da análise dos comportamentos políticos e sociais serem reduzidos a explicações do tipo if –then, passíveis de serem traduzidas em leis gerais, e baseadas em observações value-frei são um puro engano e, ao mesmo tempo, cientificamente pouco estimulantes.

Na realidade, os seres humanos reagem a toda a observação que se realiza sobre eles próprios e a complexidade das suas acções vai muito para além da capacidade de análise de uma qualquer correlação de variáveis ou de um simples modelo estímulo- resposta. Se assim não fosse, provavelmente, não existiria a própria necessidade incessante da investigação científica por parte dos seres humanos.

Por outro lado, a qualidade de agir distintiva do ser humano, dá-lhe, simultaneamente, a liberdade e constrangimento de escolher tomar a acção X ou Y. Deste modo, partimos para a análise do nosso tema consciente que toda a actividade política encerra o dilema da escolha e de que a política externa não foge a esta regra. Com efeito, neste trabalho assumimos que mesmo quando os dados de uma determinada situação pendem claramente para um dos lados, os decisores têm sempre a possibilidade de escolha. Os decisores humanos são a fonte original de todas as intenções e decisões e, portanto, fazem toda a diferença. Evidentemente que, como já vimos, eles não agem no vazio e as características do ambiente institucional e político em que estão inseridos - as famosas estruturas - terão uma forte influencia na maneira como vêem e abordam os problemas.

Por outro lado, ainda, ao nível do ambiente internacional o actor individual por si só raramente é predominante. A este nível a agência é múltipla e variada, com os governos dos Estados à cabeça, mas também com vários actores não estatais, internacionais e transnacionais, que tiveram especial relevo no caso de Timor, pois a diplomacia não oficial da resistência timorense, as redes de advogados da causa timorense e os lideres normativos, como os do Secretariado da ONU, foram agentes essenciais no desenrolar do nosso caso.

Com efeito, não podemos esquecer que o ambiente internacional é caracterizado por um elevado grau de pluralismo e de incerteza. O sistema internacional é mais complexo, menos estruturado, tem mais espaços de manobra e é mais imponderável que o sistema nacional. Logo é também muito mais propício ao surgimento de janelas de oportunidade que muitas vezes se abrem de uma forma completamente imprevisível. E

aqui, mais uma vez, trata-se de perceber quem tem capacidade e está disposto a aproveitar estas janelas de oportunidade que, como já vimos, muitas das vezes originam a possibilidade de criação e definição de novas regras e estruturas. Evidentemente que, em princípio, os actores mais importantes, leia-se os governos dos Estados mais poderosos, tem mais hipóteses de tomar a iniciativa, ainda que, como a história antiga e recente demonstra, nem estes conseguem, unilateralmente, conduzir de maneira peremptória o sistema internacional.

No importante Explaining and Understanding,375 Martin Hollis e Steve Smith reintroduzem a ideia de que a investigação em ciências sociais se depara com um antigo e irresolúvel problema metodológico relativo à escolha entre a explicação e a

compreensão.

Seguindo a influência das ciências naturais, a abordagem explicativa assume que o mundo social pode e deve ser pensado em termos de causas e efeitos. O investigador posiciona-se de forma exterior -“outside”- aos acontecimentos, procurando descobrir as regularidades e leis que governam as condições sociais. Per contra, a abordagem compreensiva implica que o investigador se posicione de uma forma interior –“inside”– aos acontecimentos tentando observar o mundo social através da visão subjectiva dos actores à procura de descobrir o sentido do problema, os seus motivos e razões.

É neste momento claro que de um ponto vista epistemológico e metodológico não partilhamos completamente a perspectiva de Martin Hollis e Steve Smith. Esta perspectiva defende que, invariavelmente, existem sempre duas histórias para contar em Relações Internacionais - a da compreensão, ou seja, quais as razões que motivaram os actores a tomarem aquelas posições; e a da explicação, ou seja, quais as variáveis e de que forma estas causaram as suas decisões - e estas duas histórias não podem ser reconciliáveis.376 Ora, é precisamente a possibilidade de um esquema conceptual

375

HOLLIS, Martin; SMITH, Steve – Op. Cit.

376 O argumento principal de Hollis e Smith é que abordagens inspiradas pela ciência são

fundamentalmente diferentes das abordagens inspiradas pela hermenêutica, e estas duas abordagens não podem ser conciliadas. Na verdade, em nossa opinião Hollis e Smith apresentam a sua tese de uma forma pedagogicamente dicotómica, que como sabemos, deste ponto de vista, resulta sempre mais eficaz. Ainda assim, não podemos concordar com a visão demasiado rígida e dicotómica da sua argumentação. Com efeito, é precisamente quando estamos perante boa ciência social que a explicação e a compreensão se conseguem conciliar. In order to construct an ‘explanation’, the analyst needs to also ‘understand’ the mechanisms at work. This is often done by taking an ‘inside’ position and entering the minds of the political actors. Observing idiosyncrasies and the subjective world of human beings does not exclude the possibility of identifying recurrent patterns. While the social world is clearly different from the natural world, I believe that it is characterized by sufficient regularities to lend itself to generalization and theory- building.

integrador da interacção empírica entre factores agenciais e estruturais que poderá permitir escapar a esta lógica dicotómica de que nos falam Hollis e Smith. É este o caminho que nos aponta Carlsnaes, e é por ele que seguiremos.377

Por outro lado, ainda, da mesma forma que valorizamos a tradição científico- comparativa da APE, também valorizamos as boas análises da História ou da Ciência Política tradicional que, como sabemos, não produzem propriamente explicações científicas no sentido de estabelecerem preposições if – then.

Todavia, a história da Ciência Política tem vindo a demonstrar que nem sempre é possível aplicar metodologias “científicas” deste tipo (if - then).378

E que muitas vezes metodologias alternativas como as usadas pelos historiadores conseguem explicar de forma convincente determinada situação ou fenómeno, ao sublinharem os factores chave que estão em jogo, bem como a natureza da sua inter-relação, através da narração analítica com base na evidencia das fontes.379 Mais, para compreender não é necessário somente reconstruir as visões do mundo dos actores em análise, é também fundamental colocar as suas percepções em contexto. Contexto este que comporta uma miríade de pressões relativas ao processo de decisão, aos ambientes externo e interno, bem como às atitudes percepcionais face ao ambiente normativo internacional e às suas consequentes mudanças. E, last but not the least, não podemos esquecer de acrescentar a tudo isto o factor tempo como tão eloquentemente demonstra Paul Pierson.380

Deste modo, para se conseguir uma boa análise sobre política externa, paralelamente à necessidade de conjugar agência e estrutura, é também necessário conjugar a compreensão com a explicação. Pois nunca podemos esquecer que, como é característico das Ciências Sociais, a política externa é um fenómeno que simultaneamente apela para a regra geral e para o contexto único e particular, para a explicação estrutural e para a compreensão agencial.

Para uma interessante e sofisticada discussão sobre este assunto veja -se, a troca de argumentos entre Hollis; Smith e Wendt (1991, 1992), bem como entre Smith (1994) e Carlsnaes (1992, 1994). Hollis e Smith assumem que ‘explaining’ e ‘understanding’ não podem ser realmente ser combinados. Wendt e Carlsnaes argumentam que estes estão errados. HOLLIS, M; SMITH, S. – “Beware of Gurus: Structure and Action in International Relations”, in Review of International Studies. Vol.14, nº4, 1991. pp. 393- 410; HOLLIS, M; SMITH, S, - “Structure and Action: Further Comment”, in Review of International Studies. Vol. 18, nº:2, 1992, pp. 187-188.

377 CARLSNAES, W. – “In lieu of a conclusion: compatibility and the agency-structure issue in foreign

policy analysis” in Op. Cit.

378 Para uma boa visão geral sobre este assunto veja-se MESQUITA, Bruce Bueno – “The Benefits of

Social Scientific Approach to Studying International Affairs” in WOODS, Ngaire, ed. Op Cit, pp. 49-76. Cf. a nota 5.

379 Veja-se GADDIS, John L. – “History Science, and the Study of International Relations” in WOODS,

Ngaire, ed. Op Cit, pp. 32-48; Cf. a nota 5. 380

Neste quadro, a nossa perspectiva ontológica recolhe importantes ensinamentos dos desafios construtivistas e do consequente dialogo entre o racionalismo e o construtivismo. Isto leva-nos a assumir uma visão pragmática e ao mesmo tempo ampla e não excludente do quarto debate meta-teórico, o que significa que para nós a política externa envolve vários actores e estruturas e variados níveis e unidades de análise, onde os actores e as estruturas se inter-definem.

Assumimos, portanto, uma posição de midle gound entre

estruturalismo/individualismo e materialismo/idealismo, com interesses assumidos de preferência relativamente uma abordagem interpretativa da perspectiva do actor;381 tão importante na tradição da APE.

A nossa epistemologia é aberta e de síntese conjugando alguns elementos da

explicação com grande parte dos elementos da compreensão. Ou seja, é verdade que

existe sempre uma inside e uma outisde story382 mas, não é menos verdade,

contrariamente ao que afirmam Hollis e Smith,383 que as duas histórias juntas podem ser epistemologicamente mais fortes do que em separado.

Deste modo, a nossa abordagem é eclética, as grandes teorias, as teorias de médio alcance, a narrativa analítica384, a análise de discurso, o processs tracing385 todos estes instrumentos teóricos e metodológicos podem e devem contribuir para, com base nas questões colocadas, se conseguir uma melhor e mais eficaz demonstração científica da

381 CARLSNAES, W. – “Foreign Policy”, in Op. Cit..

382 “The social sciences thrive on two intellectual traditions. One is founded on the triumphant rise of

natural science since the sixteenth century. The other is rooted in nineteenth-century ideas of history and the writing of history from the inside. (…) In international affairs, and throughout the social world, there are two sorts of story to tell and a range of theories to go with each. One story is an outsider’s, told in the manner of a natural scientist seeking to explain the workings of nature and treating the human realm as part of nature. The other is an insider’s, told so as to make us understand what the events mean, in a sense distinct from any meaning found in unearthing the laws of nature”. HOLLIS, Martin; SMITH, Steve – Explaining and Understanding International Relations. Oxford: Clarendon Press, 1991, p. 1.

383

“I thus favour an understanding which gives most of the bureaucratic game to its players, where your favour an explanation. (…) there are always two stories to tell and they cannot merely be added together”. HOLLIS, Martin; SMITH, Steve – Ibidem, pp. 213-214.

384 BATES Robert; GREIF, Avner, LEVI, Margaret et al, eds. - Analytic Narratives. Princeton: Princeton

University Press, 1998; DESSLER, David - - “Analytic Narrative: A Methodological Innovation in Social Science?”, in International Studies Review. 2000, Vol., nº3, pp.176-179.

385 GEORGE, Alexander; BENNETT, Andrew eds. - Case Studies and the Development of Theory in the

Social Sciences. Cambridge: MIT Press, 2005. CHECKEL, Jeffrey - “It’s the Process Stupid! Tracing Causal Mechanisms in European and International Politics”, in KLOTZ, Audie ed. - Qualitative Methods in International Relations. NY: Palgrave Macmillan, 2007.

APE. Isto é o que verdadeiramente significa uma APE pluralista. E é esta perspectiva pluarlista e eclética386 que assumimos ao longo deste trabalho.