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A abordagem político-cultural da NSE: o mercado como campo de lutas

Para Bourdieu, no campo econômico há distribuição desigual de diferentes tipos de capital: financeiro, comercial, simbólico e tecnológico (Bourdieu, 2005) e os atores se posicionam entre dominantes e dominados (Bourdieu, 2000).

Neil Fligstein (2001) tece críticas à abordagem estrutural de Granovetter ressaltando esta ausência do contexto político-jurídico mais amplo no qual as redes estão inseridas; observa que lhes falta um ‘modelo de política’, também não iluminam as pré-condições sociais para as instituições econômicas - Fligstein enfatiza o papel das instituições. Também não apresentam uma maneira de conceituar como os atores constroem seus mundos:

As redes estão no cerne do mercado até o ponto em que refletem relações sociais entre atores. A principal limitação das abordagens baseadas no conceito de redes é que elas são estruturas sociais esparsas, sendo difícil perceber como podem dar conta do que observamos nos mercados (Fligstein, 2001: 28).

Fligstein (2001) faz também uma crítica ao pressuposto do ator racional. Na sua concepção de mercado ele afirma haver suficiente incerteza de maneira que nenhum ator pode determinar quais comportamentos maximizarão seus lucros:

(...) os atores do mercado habitam um mundo obscuro em que nunca está claro quais ações terão quais conseqüências. No entanto, eles devem dar conta do mundo de forma a interpretar esta obscuridade, motivando e determinando os rumos da ação, justificando-a (Fligstein, 2001:31).

Aqui Fligstein rompe com a idéia de concorrência e defende que as empresas querem, antes de maximizar seus lucros (já que nenhuma delas sabe quais as conseqüências de seus atos), montar um mundo estável onde as regras objetivam evitar uma guerra aberta. Nesta observação o autor propõe um modelo sociológico de ação defendendo que cada empresa, ao invés de agir para maximizar o lucro, age para estabilizar o mercado fazendo um acordo de não-agressão com as outras empresas: estas observam menos a demanda e mais as outras empresas procurando manter-se em seu nicho de mercado. Mesmo assim, há lutas de poder entre as empresas objetivando o controle do mercado. Esta é a primeira dimensão da metáfora do mercado como política, já que no mercado há conflito e há lutas, recuperando a noção weberiana do mercado.

As táticas observadas nos negócios são orientadas no sentido de produzir relações sociais estáveis, particularmente entre competidores. Estes relacionamentos definem campos. Isto feito, as empresas

sinalizam uma para outra sobre seu preço e suas táticas de comercialização. Os relacionamentos definem como os mercados operam, qual o lugar de uma determinada empresa e como os atores devem interpretar as ações uns dos outros.

Firmas estabilizadas usam o poder de sua posição para empreender estratégias que reforçam aquela posição. Para sobreviver, empresas desafiadoras precisam encontrar um lugar no conjunto existente de relacionamentos sociais. Os mercados produzem culturas

locais que definem quem é um estabilizado e quem é um desafiador, definem neste sentido uma estrutura social. “Eles prescrevem como a

competição vai operar em um dado mercado. Eles também fornecem aos atores estruturas cognitivas para interpretar a ação das outras organizações”. Este entendimento local é que são as concepções de controle (Fligstein, 2002:15). As firmas contam com governos e cidadãos para produzir mercados. A habilidade deles para produzir mundos estáveis depende, em grande parte, destes relacionamentos (id,ibid).

Para demonstrar esta hipótese Fligstein (1990, 2001) analisa um conjunto de 100 empresas nos EUA, desde o final do século XIX até a década de 1990 e mostra que a maneira de evitar a concorrência muda conforme as decisões políticas, alternando diferentes concepções de controle: no século XIX prevalecem os monopólios e cartéis, as empresas exercem controle direto sobre os concorrentes; o Direct

Control. Isto acaba com o Sherman Act (1890). O início do século XX será o momento da ênfase na integração técnica (verticalização) para limitar incertezas e assegurar economias de escala e rentabilidade; os profissionais valorizados são os engenheiros, é o período do

Manufactoring Control. Depois dos anos 20 há uma ênfase na comercialização, reorganização da empresa por produto, segmentação; momento do Marketing e Vendas. A última concepção é a do controle financeiro: no quadro da desregulamentação financeira, surge uma nova concepção financeira na década de 1980; o foco será a taxa de lucro máxima ao acionista. As empresas serão cotadas na Bolsa de Valores, os Conselhos Administrativos das empresas obedecem ao valor acionário denominado ‘shareholder value’.

Na fase da financeirização, Fligstein (1990, 2001) aponta a criação da legislação de proteção ao direito dos acionistas, a existência de práticas contábeis e o lançamento de oferta de compra. O Estado também promoveu a desregulamentação do mercado de trabalho e do transporte rodoviário e aéreo nas décadas de 1970 e 1980 como forma de enfrentamento da estagflação. O governo Reagan propôs uma nova política de concorrência para fortalecer as empresas nacionais afrouxando leis antitrustes e diminuindo o imposto sobre os lucros, medidas que incentivaram as fusões/aquisições.

A segunda metáfora do mercado como política refere-se à relação do Estado com o mercado. Voltamos ao tema na seção 1.9.1. para discutir as profissões e o Estado.

Bourdieu17 faz coro à denúncia de Durkheim quanto ao procedimento metodológico da ciência econômica estar baseada numa abstração e propõe uma teoria alternativa que aborde os mercados

17 Conforme a analise crítica de Raud (2007), o rompimento de Bourdieu é algo controverso, já

que ele reconhece a autonomização relativa da esfera econômica embora ao mesmo tempo critique o procedimento abstrato da ciência econômica. Outra ambigüidade do autor refere-se às motivações do agente econômico moderno.

baseado nos conceitos de habitus18 e de campo. Fazendo uma crítica à Economia Política em continuidade ao pensamento de Comte e Durkheim (Steiner, 2008), ele enfatiza a dimensão histórica, social e política que foram esquecidas pela ciência econômica e convida à reconstrução da gênese das disposições econômicas dos agentes como do próprio campo econômico (Raud, 2007). (...) tudo o que a ortodoxia

econômica considera como puro dado, a oferta, a demanda, o mercado, é produto de uma construção social, é um tipo de artefato histórico do qual somente a historia pode dar conta (Bourdieu, 2005:17).

Este autor (2005) analisa o mercado de casas próprias na França e mostra, com esta pesquisa, como o mercado é produto de uma dupla construção social, tanto do lado da oferta como da demanda. Ele observa que as empresas dominantes têm margem maior de liberdade e que não é possível ignorar as posições que os diversos atores têm no campo, pois as pressões não vão ser as mesmas dependendo desta posição.

Ele sofistica sua análise do mercado em quatro dimensões sociológicas. Na primeira dimensão, conforme Raud (2007), de forma crítica a Gary Becker e todo imperialismo econômico, ele questiona que o universo econômico avance a todas as esferas da vida. Na segunda, concordando com Durkheim, que as trocas nunca são completamente reduzidas a sua dimensão econômica, já que os contratos possuem cláusulas não contratuais (Bourdieu, 2005: 22). A idéia já citada no

18 Bourdieu (1996) observa que os sujeitos são de fato agentes que atuam e que sabem, dotados

de um senso prático, de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão, de estruturas cognitivas duradouras (que são incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em determinada situação (Bourdieu, 1996:42). Ao falar do campo econômico, Bourdieu (2005) observa que estas disposições são

inicio desta sessão de que o contrato depende de um fundo institucional composto pela tradição, a moral e o Direito.

Na terceira dimensão, que os atores de Bourdieu e aqui podemos incluir os de Neil Fligstein (2001, 2002), não são iguais e intercambiáveis como quer a economia, mas desiguais dotados de diferentes quantidades e formas de poder, podendo ser dominados ou dominantes no campo econômico para Bourdieu (Raud, 2007:210),

outsiders ou incumbents para Fligstein (2001); tanto para Fligstein como Bourdieu os atores não escolhem livremente, suas escolhas tem o peso da estrutura do campo.

Com relação à racionalidade, Bourdieu se opõe tanto à visão sub como sobressocializada dos atores. Criticando o utilitarismo, Bourdieu fala de agentes “razoáveis”, que não agem sem razão, mas não são agentes racionais. Eles atribuem importância, interesse, a um jogo social dentro do campo do qual fazem parte (Bourdieu,1996). Contra a visão sobressocializada que afirma os atores como respeitando de maneira cega a regras e valores, Bourdieu resgata a subjetividade através da noção de habitus o que dá origem às diferentes trajetórias e está ligado à posição do agente no espaço social (Raud, 2007).