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Granovetter e a fundação da Nova Sociologia Econômica

O diálogo da Sociologia Econômica com a economia neoclássica foi, como já colocado, retomado na década de 70 com a obra de Mark Granovetter. O esforço dos autores da área foi o de questionar o pacto parsoniano14. Desde então, um número crescente de sociólogos dedica-se à análise dos fatos econômicos em busca de ferramentas teóricas e explicações alternativas à econômica neoclássica.

Contrariando o pressuposto da visão neoclássica que defende a necessidade do anonimato dos atores para o bom funcionamento do

14 Desde a criação da Sociedade Americana de Sociologia em 1905 ficou estabelecida uma

divisão de trabalho entre economistas e sociólogos na qual os primeiros analisariam o núcleo duro do mercado: formação de preço, mercado, contrato, dinheiro, comercio, bancos; para os sociólogos teriam ficado as ‘sobras’: estudos sobre família, demografia, pobreza, religião, etc. (Swedberg, 2004). Parsons, na década de 30, reafirmou esta divisão de trabalho propondo uma sociologia econômica que analisasse os valores que estão no substrato da ação econômica, neste sentido a sociologia econômica seria um complemento à ciência econômica, ao estudar

mercado, White (1981) sugeriu que os mercados de produção estáveis só eram possíveis se os atores levassem em conta os comportamentos uns dos outros. Este autor mobiliza a noção de equivalência estrutural às trocas entre as firmas: os produtores se observam mutuamente para definir a posição (nichos) que vão ocupar no mercado em termos de qualidade e volume (Steiner, 2006a).

Em fins da década de 70, Granovetter (2003) estendeu o argumento de White sugerindo que todas as formas de interação econômica estão centradas nas relações sociais e apresenta o modelo das relações em rede como o constructo mais importante: as ações dos atores são condicionadas pelo pertencimento a determinadas redes. Tanto a situação como a identidade do ator são constrangidas pelos seus laços com outros atores e das interações que estes últimos mantém com outros membros da rede (Steiner, 2006a: 77). Neste sentido, contrariando o modelo neoclássico, o mercado não é o livre jogo de forças abstratas (oferta/procura) entre atores atomizados e sim um conjunto de relações imbricadas em redes concretas de relações sociais (Wanderley, 2002).

Granovetter se refere às duas orientações: à da teoria neoclássica como sub-socializada e à do neoinstitucionalismo e visão parsoniana como sobre-socializada: o ator econômico não é um átomo no contexto social nem tão pouco escravo vítima dos constrangimentos estruturais como na segunda visão (Raud-Mattedi, 2005a).

Na perspectiva substantivista, como já observado, o comportamento econômico nas sociedades pré-mercantis era considerado como profundamente enraizado nas relações sociais e na sociedade moderna a economia surge como esfera diferenciada e o

comportamento econômico visto como gradativamente autonomizado (Granovetter, op. cit). Assim, as transações econômicas se afastam das obrigações sociais ou familiares dos agentes envolvidos e são explicadas pelo cálculo racional do lucro individual (id, ibid). Esta defesa chega até ao ponto, algumas vezes, de afirmar que a situação tradicional foi invertida, ao invés da vida econômica estar submersa nas relações sociais, é a sociedade que está submetida ao mercado; houve uma inversão de meios e fins (Polanyi, 2000: 77).

A concepção substantivista de declínio do enraizamento provocado pela modernização, entretanto, não foi aceita por muitos economistas; eles mantinham a idéia de que o enraizamento encontrado nas sociedades arcaicas não era muito maior do que os ‘baixos níveis encontrados nos mercados modernos’(Granovetter, 2003:70). Esta é a postura dos formalistas15 - antropólogos que a partir dos anos 20 defendem que mesmo nas sociedades tribais o comportamento econômico era suficientemente independente das relações sociais.

Granovetter propõe o caminho do meio (Steiner, 2002), afirmando que o nível de enraizamento do comportamento econômico é menor em sociedades não reguladas pelo mercado do que querem os substantivistas e este nível mudou menos com o processo de modernização do que o defendido por estes autores. Porém este nível foi e continua a ser mais substancial do que o defendido por formalistas e economistas. Ele contradiz formalistas e substantivistas sugerindo que relações econômicas na sociedade moderna continuam inseridas nas

15 Os formalistas consideram a economia no sentido de economia de meios: a escolha da

melhor estratégia para utilizar meios raros e o que explica a competição entre os atores. Já os substantivistas tomam a economia como a melhor forma de distribuição de recursos dentro da

relações sociais – a chamada inserção social dos mercados (Granoveter, 2003: 70).

Na sua análise, ele faz duas proposições para o entendimento da ação econômica. A primeira proposição – próximo da definição de Weber (2004) - observa que a ação econômica é uma forma de ação social – além dos objetivos econômicos o ator econômico também persegue objetivos sociais (sociabilidade, reconhecimento, status e poder). Na segunda proposição afirma que a ação econômica é socialmente situada; o que significa que os indivíduos não agem de maneira autônoma, mas, que sua ação está imbricada em sistemas concretos de redes sociais. É a sua tese da imbricação ou enraizamento social dos sistemas econômicos (Raud-Mattedi, 2005a.).

A rede é definida como um conjunto de atores ligados por uma relação. Para mostrar como as redes intervêem na qualidade de mediação social Granovetter realiza uma pesquisa sobre a procura do emprego. Ele mostra como as informações obtidas por intermédio de relações pessoais explicam o encontro entre empregados e empregadores (Steiner, 2006a).

Outros autores constroem abordagens alternativas16 dos mercados direcionando críticas a Granovetter. Bourdieu e Fligstein são autores que apontam a ausência de reflexão sobre o papel do Estado (Bourdieu, 2005; Fligstein, 2001). Ambos enfatizam a dimensão político-cultural do mercado no quadro da NSE e defendem a continuidade quanto à reflexão de Weber sobre a dimensão de luta e,

16 As outras abordagens da NSE são: Enfoque Cultural - analisa o papel dos significados

coletivos na definição das estratégias econômicas e o enfoque Cognitivo – dirigido às regularidades estruturais dos processos mentais que limitam o exercício da racionalização econômica. Sobre os trabalhos e autores de cada abordagem ver Wanderley (2002) e Fligstein e Dauter (2007) que define esta última abordagem como performática.

conseqüentemente de poder. Ambos trabalham com a idéia de atores desiguais e a importância do Estado na estruturação e configuração do mercado como veremos a seguir.

1.7. A abordagem político-cultural da NSE: o mercado como campo