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III. Revisão da Literatura

3.2. A Tomada de Decisão no Contexto Desportivo

3.2.1. Abordagens Tradicionais da Tomada de Decisão

Durante muito tempo as decisões foram explicadas com base nos modelos de processamento de informação de Abernethy e Sparrow (1992), bem como nos conceitos de programa motor de Keele (1968); Schmidt (1975) e Jeannerod (1997), “os quais conceptualizam a tomada de decisão como um processo de escolha entre vários atos, elaborados ao nível central através de processos de memória” (Campos, 2009, p.3, 4).

Para Tavares (1993); Millslagle (1988); French e Thomas (1987); Allard e Starkes (1980), estas metodologias centravam-se apenas no processo mental, estudando as intenções e decisões táticas responsáveis pela resposta motora.

De acordo com Henriques (2008), o processo de tomada de decisão no desporto era compreendido como um processo de escolha entre várias opções mentais, considerando a mente como o mecanismo decisor central, hierarquicamente superior ao corpo. Para este autor, as abordagens cognitivas tradicionais, são apontadas como “indiretas”, uma vez que defendem que o conhecimento do mundo não pode ser feito de forma direta, mas através de representações armazenadas na mente. O indivíduo para concretizar as suas intenções, está dependente de representações simbólicas, onde o conhecimento armazenado na memória vai mediar a tomada de decisões.

Para Melo (2011), na abordagem tradicional da tomada de decisão no desporto, os indivíduos têm sido rotulados como sendo decisores racionais que decidem, tendo como foco principal um processo de seleção que otimize as escolhas realizadas. A capacidade de ação, de criatividade adaptativa do indivíduo perante a tarefa e o contexto é ignorada.

A abordagem computacional, fundamentada no cognitivismo, explica a regulação do comportamento motor baseando-se numa perspetiva computacional, apoiada no modelo de processamento de informação. Esta teoria tem como princípio que a coordenação e o controlo dos movimentos são produzidos através de representações internas, “… a perceção e a ação são mediadas e determinadas por decisões, intenções, emoções e memórias” (Ribeiro, 2003, p.16).

De acordo com Davids, (2001), existe uma relação dualista entre o corpo e a mente, reproduzindo representações mentais do mundo exterior, onde o corpo, a mente e o envolvimento interagem.

Nesta linha de pensamento alguns investigadores, como Adms (1971) e Schmidt (1975), desenvolveram modelos explicativos do processamento de informação, baseando-se na análise dos processos mentais e neuronais, assente na ideia de que o comportamento resulta de uma e organização e hierarquização interna da informação contextual. Este modelo defende que o conhecimento da realidade é desenvolvido pelo processamento de informação, através de representações simbólicas, semelhante ao de um computador, não valorizando a interação com o envolvimento.

Abernethy e Thomas (1993), apresentam as diferentes etapas processuais: identificação de estímulos, seleção da resposta, programação da resposta e por fim a sua execução. Com base nestes modelos, a pesquisa no desporto direcionou-se para a perspetiva de analisar a perceção, tomada de decisão e o produto final (movimento) como estruturas independentes, desenvolvendo-se teorias e metodologias específicas dessas estruturas.

Até aos anos setenta, os modelos de tomada de decisão apresentados, atribuíam pouca pertinência à função motora do sujeito. Neste sentido, Weldford (1968), propôs um

modelo explicativo dos processos e operações cognitivas do desempenho humano - “modelo de desempenho humano”, relatando o fluxo da informação desde o início do estímulo até à concretização da resposta. O referido modelo, tem sido apresentado como o princípio básico para os processos de tomada de decisão do sujeito em concordância com a teria cognitiva, considerando apenas as ações do indivíduo, olhando para o envolvimento apenas como um estímulo.

Com o intuito de definir e explicar os fatores que contribuem para os distintos níveis de desempenho dos indivíduos, têm sido apresentadas diferentes abordagens e modelos explicativos. Como referimos anteriormente, durante as décadas de 60 e 70, as investigações eram sobretudo direcionadas pelas abordagens explicativas das diferenças individuais e do processamento de informação. Como refere Wrisberg (2001), ao nível da psicologia do desporto, tem sido predominante a metodologia explicativa “peritos – principiantes”, procurando comparar as várias características de executantes principiantes ou de nível médio com as características de peritos (Figura 7).

Fonte: Melo (2011, p.19).

Figura 7. Fatores que caracterizam os desportistas peritos, relativamente à tomada

Esta teoria, salienta a experiência como um fator determinante na escolha da melhor decisão, sendo apoiada por vários investigadores (Castelo, 2002; Wrisberg, 2001; Starkes, Helsen & Jack, 2001; Wiliams, 1999; Abernethy & Russel, 1987; Alves & Araújo, 1996; Alain & Proteau, 1980), que analisam desportistas experientes em oposição a desportistas não experientes, “… sendo que os peritos conseguem uma melhor recolha de informação e seleção da mesma, assim como uma resposta (decisão) mais rápida e eficaz (Melo, 2011, p.20).

Neste sentido, Castelo (2002), apresenta os fatores determinantes da tomada de decisão que diferenciam os praticantes experientes dos não experientes, ou seja:

 Na repetibilidade e similaridade que os contextos situacionais ocorrem perante o praticante e a variabilidade decisional que este vai adotando ao longo do treino e da competição;

 Na quantidade de vezes que os diferentes acontecimentos são experienciados, tanto na execução dos exercícios de treino, como na competição, proporcionando um conjunto de rotinas no plano da perceção/análise; Possibilitando assim, a utilização de mais alternativas, facilitando a tomada de decisão e soluções motoras adequadas às circunstâncias específicas do contexto de cada situação;

 Numa seleção mais correta e assertiva das informações mais pertinentes, desencadeando padrões familiares de resposta motora, controlados automaticamente.

As abordagens tradicionais ofereceram um conjunto de conhecimentos relevantes sobre o processo de tomada de decisão, contudo, revelam algumas limitações que conduziram ao desenvolvimento e à formalização de abordagens alternativas sobre a tomada de decisão.

Para Abernethy e Thomas (1993), as tarefas simplistas e imaginadas, para serem executadas em laboratório, podem anular as vantagens dos peritos, uma vez que retiram à tarefa a base da experiência que lhes proporcionaria vantagem, introduzem efeitos no

processo de medida, levando os peritos a funcionar de forma diferente, uma vez que a informação que utilizada em situações normais é diferente e até mesmo ausente.

De acordo com Henriques (2008), as teorias tradicionais alusivas à tomada de decisão baseiam-se na existência de um controlo hierárquico do movimento, na presença de representações cognitivas, na independência organismo – envolvimento e a conceção que a tomada de decisão é um processo discreto e normativo. Estes pressupostos dão um enfâse exagerado nos constrangimentos organísmicos, não considerando a sua interação dinâmica com os constrangimentos da tarefa e do contexto.

Parece-nos, que as teorias tradicionais explicativas da tomada de decisão são extremamente reducionistas quando analisamos o desempenho do árbitro durante um jogo. Não têm em consideração o contexto onde o árbitro está inserido, que está em constante mudança, onde os acontecimentos mudam a cada jogada; onde o próprio ambiente é alterado a cada momento (os espectadores, os jogadores e os próprios treinadores estão em silêncio, passado um minuto existe uma falta ou possibilidade de golo já se exaltam, gritam, cantam, condicionando a maneira como a arbitragem vai evoluindo e por isso as tomadas de decisão do árbitro).