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3 Metodologia

3.1 Abordagens utilizadas para a realização do estudo

Para investigar as vivências de prazer e sofrimento, bem como o contexto do trabalho, optou-se pela utilização das abordagens da Ergonomia da Atividade e Psicodinâmica do Trabalho, a seguir detalhadas.

3.1.1 Ergonomia da Atividade

A perspectiva histórica apresentada, bem como as concepções oriundas dos significados e sentidos do trabalho, privilegiam as condições, a organização e as inter-relações no mundo do trabalho, que se constituem em características influentes em diferentes segmentos da organização.

Para tanto, com vistas a investigar os fatores que compõem o Contexto de Trabalho, optou-se pelo enfoque proposto por Ferreira e Mendes (2003) e Mendes (2007), que abrangem a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações socioprofissionais de trabalho.

Os fatores escolhidos para investigação nesta pesquisa sobre o Contexto de Trabalho ou Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS), encontram-se representados na Figura 5:

Figura 5: Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS) - Principais fatores Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 41).

Para Ferreira e Mendes (2003, p. 41), o CPBS:

Expressa o lócus material, organizacional e social onde se operam a atividade de trabalho e as estratégias individual e coletiva de mediação utilizadas pelos trabalhadores na interação com a realidade de trabalho. Esse contexto articula múltiplas e diversificadas variáveis, compondo uma totalidade integrada e articulada.

O Quadro 4 mostra, de modo esquemático, o que representam, para esses autores, os indicadores que norteiam o Contexto de Trabalho.

Organização do

trabalho Representações sobre a divisão do trabalho, normas, tempo e controle exigidos para o desempenho das tarefas.

Condições de trabalho

Representações sobre o apoio institucional recebido para a realização do trabalho em termos de ambiente físico, equipamentos, material e gestão voltada para o desempenho e desenvolvimento profissional.

Relações sociais de trabalho

Representações sobre a comunicação e a sociabilidade no trabalho, interação profissional com colegas e chefias.

Quadro 4: Indicadores do contexto de trabalho. Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 64).

Ferreira e Mendes (2003) explicitam que a organização do trabalho (OT), constitui-se por elementos formal ou informalmente prescritos, que denotam as diretrizes práticas do trabalho, presentes no lócus de produção e que impactam diretamente no funcionamento

operacional da organização. Indicam que a OT integra os seguintes elementos: divisão do trabalho (hierárquica, técnica e social), produtividade esperada (metas, qualidade e quantidade), regras formais (missão, normas, dispositivos jurídicos e procedimentos), tempo de trabalho (duração da jornada, pausas e turnos), ritmos (prazos e tipos de pressão), controles (supervisão, fiscalização e disciplina) e características das tarefas (natureza e conteúdo).

Ferreira e Mendes (2003) afirmam ainda que as Condições de Trabalho (CT) compõem-se por elementos estruturais presentes no lócus de trabalho e têm na infra-estrutura organizacional, no apoio institucional e nas práticas administrativas, a representatividade. Os indicadores desse fator são: o ambiente físico (sinalização, espaço, ar luz, temperatura e som); instrumentos (ferramentas, máquinas e documentação); equipamentos (materiais arquitetônicos, aparelhagem e mobiliário); matéria-prima (objetos materiais/simbólicos informacionais); suporte organizacional (informações, suprimentos e tecnologia) e práticas de remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios, dentre outras.

Para Ferreira e Mendes (2003), as Relações Sociais de Trabalho (RST) constituem-se pelos elementos interacionais que indicam as relações socioprofissionais de trabalho presentes no lócus de produção, e que caracterizam o fator social. Os princípios que o integram são: interações hierárquicas (chefias imediatas e superiores); interações coletivas intra e intergrupos (membros da equipe e de outros grupos de trabalho) e interações externas (usuários, consumidores e representantes institucionais).

Para fins desse estudo, foi utilizado, portanto, o conceito de Contexto de Trabalho com os três fatores que o compõem, bem como seus indicadores.

3.1.2 Psicodinâmica do Trabalho

Haja vista que o objetivo desse estudo foi verificar a percepção das vivências de prazer e sofrimento oriundas do contexto do trabalho, optou-se pela abordagem teórica da Psicodinâmica do Trabalho, posto que se assenta na relação subjetiva do trabalhador sobre seu próprio trabalho e gerada, principalmente, por questões relacionadas à atividade e às relações socioprofissionais com a Empresa, com a chefia e com os colegas de trabalho (MENDES, 1999).

A experiência do sofrimento no trabalho foi considerada durante décadas como derivada apenas de aspectos ligados diretamente à organização do trabalho. Nos anos oitenta, a partir da análise do discurso dos trabalhadores em pesquisas realizadas por Dejours (1987, 1996), quatro indicadores foram caracterizados como reveladores da vivência de sofrimento

no trabalho. A indignidade (relacionado à frustração narcísica diante da percepção de que o trabalho é “robotizado”, despersonalizado, que não permite a utilização da inteligência e imaginação, causa isolamento psicoafetivo e é subjugado a um sistema de poder); a inutilidade (percepção de que o trabalho não tem finalidade e significação para si mesmo, para a família, para a organização e para a sociedade em geral); a desqualificação (percepção de que as tarefas são pouco complexas, não exigem conhecimentos específicos, implicando a desmotivação e a não realização profissional e a vivência depressiva (que condensa os sentimento de indignidade, inutilidade e desqualificação, ampliando-os). Essa depressão é marcada pela fadiga, produz o adormecimento intelectual, à alienação mental e marca o triunfo do condicionamento ao comportamento produtivo.

De acordo com Jaques (2003), o método proposto por Dejours calca-se essencialmente na escuta, na interpretação e na devolução, sendo enfaticamente contrário ao uso de questionários e estudos epidemiológicos, além de impor restrições à observação do cotidiano de trabalho por priorizar a escuta do trabalhador e para tanto, privilegia o emprego da entrevista coletiva.

Jaques (2003) observa que, como concepção de ciência e de pesquisa, a Psicodinâmica prioriza os modelos teóricos concebidos pela via investigativa, que servem ao ordenamento das evidências empíricas. Cita ainda que outra adaptação comum em estudos e pesquisas brasileiras, com base nos pressupostos dejourianos, é a substituição da entrevista coletiva pela entrevista individual. Tal substituição se deve a dificuldades de reunir coletivamente os trabalhadores, mas, inegavelmente, limita as abrangências da proposta, pois a interação grupal permite reconstruir a lógica das pressões do trabalho e as defesas (principalmente coletivas) contra os efeitos psicológicos dessas pressões.

Entretanto, pesquisadores brasileiros, tendo como precursores Mendes e Tamayo (2001) e Morrone (2001) identificaram a necessidade de construir uma medida objetiva, para o estudo do prazer e sofrimento no trabalho, enfocando esse construto dialético como vivências de sentimentos de valorização, reconhecimento e desgaste no trabalho. A pesquisa foi realizada numa empresa pública de abastecimento e saneamento com 554 empregados. Foi aplicada uma escala para medir o prazer-sofrimento, onde os resultados indicaram uma preponderância das vivências de prazer, sendo o sofrimento vivenciado moderadamente.

Após a construção e validação de uma escala quantitativa para a mensuração de indicadores de prazer e sofrimento por pesquisadores brasileiros, os estudos vêm demonstrando que a utilização de um instrumento de medida sobre a temática não só é possível como é útil para a realização de procedimentos de diagnóstico e intervenção nas

organizações de trabalho. No entanto, enfatizam a importância de combinar métodos quantitativos e qualitativos, para o estudo das vivências psíquicas no trabalho, argumentando que a coleta de dados qualitativos permite a análise do particular, enquanto que a coleta de dados quantitativos permite a análise do geral.

Nesta trajetória, Mendes (1999), Morrone (2001) e Pereira (2003) identificaram dois fatores relacionados ao prazer e dois relacionados ao sofrimento no trabalho. Gratificação e liberdade, relativos ao prazer e insegurança e desgaste, relativos ao sofrimento.

O Quadro 5 apresenta, de modo esquemático, a descrição dos fatores que representam indicadores de prazer e sofrimento no trabalho.

Liberdade Sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para pensar, organizar e expressar sua individualidade;

Indicadores de Prazer

Gratificação

Sentimento de satisfação, realização e orgulho de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, de que é importante e significativo para a pessoa, para a organização e para a sociedade.

Desgaste Sentimentos de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao trabalho; Indicadores de

Sofrimento

Insegurança Temor de não conseguir satisfazer as imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas do trabalho.

Quadro 5: Indicadores de prazer e sofrimento no trabalho Fonte: Mendes (1999), Morrone (2001) e Pereira (2003).

Como se pode perceber no Quadro 5, o prazer no contexto do trabalho acontece quando se vivencia a gratificação e a liberdade. A gratificação é o sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais. A liberdade é o sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho, considerando-se que o modo particular de trabalhar é reconhecido pelas chefias e colegas.

O sofrimento é experienciado quando existem sentimentos de insegurança e desgaste no trabalho. A insegurança é vivenciada pelo receio de perder o emprego e por não se conseguir atender às expectativas relacionadas à competência profissional, às exigências de produtividade e às pressões do trabalho. O desgaste é o sentimento de que o trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração.

Conforme pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 1987, 1996, 1999a, 1999b, 2004) quando não há espaço para a expressão subjetiva, quando não existe reconhecimento e a empresa apresenta uma forma rígida de organização do trabalho, onde não permite a mobilização do trabalhador, esse pode recorrer a comportamentos de alienação em

relação ao seu grupo de trabalho, de resignação, de descrença, de renúncia à participação, de indiferença e de apatia.

Por outro lado, a depender da percepção e da inter-relação entre a subjetividade do trabalhador, pode frutificar um processo saudável de transformação do sofrimento em prazer, o que é denominado de mobilização subjetiva e se caracteriza pelo uso dos recursos psicológicos do trabalhador e pelo espaço público de discussão sobre o trabalho. Esta ressignificação do sofrimento acontece a partir de uma operação simbólica: o resgate do sentido do trabalho (MENDES, 1999).

Finalmente, ressalta-se que os diversos métodos, conjugados ou não, utilizados no estudo das vivências de prazer e sofrimento no trabalho, vêm contribuindo sobremaneira para o entendimento do fenômeno e a relação entre suas variáveis, bem como vêm subsidiando estratégias mitigadoras e equilibrantes no ambiente laboral.