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2.3 A Ergonomia da Atividade

2.3.1 Conceitos centrais que compõem a Ergonomia da Atividade

Os conceitos centrais da Ergonomia da Atividade aqui assumidos, apresentados principalmente por Ferreira e Mendes (2003), modelam o quadro teórico da abordagem e se constituem em: eventos críticos e complexidade no contexto de trabalho; tarefas formais e informais; custo humano do trabalho (CHT); vivências de bem-estar e mal-estar e atividades de trabalho como estratégias de mediação (estratégias operatórias), e que serão explicitados a seguir.

Os eventos críticos no contexto de trabalho são fatores que apresentam uma interrupção no curso de uma atividade de trabalho que, por sua vez, podem ser uni ou multicausal (fatores técnicos, organizacionais, tecnológicos, panes, erros, dentre outros).

A complexidade no contexto de trabalho caracteriza-se por um conjunto de circunstâncias ou fatos resultantes do confronto entre as dificuldades externas e as competências individuais e coletivas, que impõe um custo humano específico aos trabalhadores.

As tarefas formais e informais caracterizam-se como a operacionalização do trabalho prescrito formal ou informalmente, em termos de objetivo(s) estabelecido(s) em condições determinadas para um sujeito ou um coletivo de trabalhadores, ou seja, a noção de tarefa diz respeito, principalmente, à forma de cumprimento das diversas atividades formalmente prescritas para o trabalhador (metas, prazos, utilização adequada de materiais e obediência aos procedimentos e às regras).

No contexto de trabalho, a prescrição das tarefas pode aparecer sob as formas de descrição formal e/ou informal da estrutura dos processos técnicos, pelos instrumentos e meios de informação, pelos procedimentos ou por meio de regras detalhadas e estritas.

Para Wisner (1994), o custo humano do trabalho (CHT) ou carga de trabalho ou ainda, atividade de trabalho compreende os componentes físico (esforços despendidos pelo trabalhador na realização da tarefa, ou seja, gestos, posturas e deslocamentos executados), cognitivo (funções perceptivas e mentais exigidas para a realização do trabalho, tais como memória, atenção, audição e visão, dentre outros) e psíquico (significado que o conteúdo, natureza e organização do trabalho assumem para cada trabalhador e determinam seu grau de realização existencial) que se inter-relacionam.

Abrahão (1993) ressalta que o CHT ou carga de trabalho é determinado pelas características dos trabalhadores, pelas regras de funcionamento da empresa e pelo contexto de realização do trabalho. O CHT é perpassado pela posição hierárquica dos trabalhadores,

bem como pelo salário e objetos de negociação via um contrato em que a tarefa prescrita é detalhada. Por outro lado, é a tarefa real que leva o trabalhador a elaborar um compromisso entre os objetivos da produção, suas características e o reconhecimento social, o que pode gerar um resultado positivo e/ou negativo na produção da saúde.

Tillmann (1994), em pesquisa realizada com operários rurais, corrobora indicando que a carga psíquica do trabalho tem relação com o conteúdo significativo do trabalho, portanto, os componentes da carga de trabalho são responsáveis por manifestações de saúde, prazer e sofrimento físicos, psíquicos e psicossomáticos, que dependem da sobrecarga prescrita na organização do trabalho e das características da personalidade do sujeito.

Em síntese, a carga de trabalho ou o CHT relaciona-se diretamente com a atividade e orienta as estratégias de mediação individual e coletiva, abrangendo as propriedades cognitivas, físicas e psíquicas e, por sua vez, caracterizam as concepções de significado e sentido que as pessoas atribuem ao trabalho nas organizações.

Como vivências de bem-estar e mal-estar, a Ergonomia da Atividade indica as representações mentais dos trabalhadores atinentes ao estado biopsicossocial em determinados momentos e contextos. As representações de bem-estar consistem em avaliações positivas que os trabalhadores fazem sobre o seu estado físico, psicológico e social relativo ao contexto de trabalho no qual estão inseridos e as de mal-estar são as avaliações negativas.

As atividades de trabalho como estratégias de mediação individuais e coletivas, que na Ergonomia da Atividade se referem às estratégias operatórias, visam responder às exigências presentes na organização, principalmente, no que concerne à discrepância entre as tarefas prescritas e as situações reais de trabalho.

Dejours (1987) faz uma crítica contundente às questões colocadas pelos primeiros ergonomistas, quando se refere à diferença fundamental entre o trabalho real, realizado pelos trabalhadores, e o trabalho prescrito, organizado por engenheiros e ergonomistas, dentre outros.

Ergonomistas mais contemporâneos confirmam essa visão quando afirmam que nas empresas que ainda adotam princípios tayloristas, geralmente existem disparidades entre o trabalho prescrito e o trabalho real, visto que ocorrem padronizações das tarefas indistintamente, desconsiderando a variabilidade intra e interindividual, e com uma margem restrita de negociação. O resultado da aplicação desses princípios coloca o trabalho como uma atividade imposta, que sofre pressões, gera dificuldades e são determinantes na produção de sofrimento (ABRAHÃO, 1993; FERREIRA; MENDES, 2003; WISNER, 1994).

Essas disparidades serão menores à medida que as prescrições formais e informais das tarefas sejam flexíveis, oferecendo margem de liberdade para que os trabalhadores possam melhor confrontar as contradições existentes. Logo, essas estratégias são fundamentais para a manutenção da integridade biopsicossocial e, ao mesmo tempo, podem perder a efetividade quando não conseguem mais responder às exigências da organização, podendo, nesse caso, em virtude do fracasso em relação à não resolução do conflito, levar ao adoecimento no trabalho.

Os conceitos específicos em Ergonomia da Atividade são apresentados de modo esquemático na Figura 2. Eles estruturam um modelo teórico de compreensão da atividade de trabalho enquanto estratégias de mediação individual e coletiva, do tipo operatória.

Figura 2: Atividade de trabalho - Estratégias de mediação individual e coletiva do tipo operatória Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 52).

Depreende-se assim que alguns autores contemporâneos percebem algo mais do que a simples prescrição ou conteúdo do trabalho para o atingimento da saúde geral do trabalhador. Se a organização do trabalho oferecer uma margem de liberdade nas possibilidades do trabalhador utilizar, em maior ou menor grau, estratégias operatórias, entendidas como as operações mentais empregadas para ajustar as competências do sujeito às exigências das situações de trabalho, terá maior chance de obter sucesso na integridade física, psíquica e social do trabalhador.

Dejours (1987, 1993, 1994, 1999a, 1999b, 2004, 2005, 2007) mostra-se um importante estudioso do impacto que a organização do trabalho pode causar à integridade física, psíquica e social do trabalhador. Embora seus pressupostos explanados na abordagem da Psicodinâmica do Trabalho não abarquem com igual interesse, como na abordagem metodológica da Ergonomia da Atividade, as condições de trabalho, nortearam um “olhar” mais aprofundado sobre a análise, em nível primordialmente coletivo, das vivências de prazer e sofrimento do trabalhador nas organizações.

A cooperação entre a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho - abordagens que têm nítidas afinidades conceituais, epistemológicas e históricas (FERREIRA; MENDES, 2003) - é bastante fértil e com múltiplas possibilidades de interface.

Justifica-se também aí, a opção teórica neste estudo, pela Psicodinâmica do Trabalho, que compõe o tópico seguinte.