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Ergonomia da Atividade e Psicodinâmica do Trabalho – Um diálogo entre duas

Essa seção visou abarcar a relação da Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho em um contexto organizacional, bem como apresentar pesquisas realizadas sob essas influências, a fim de que pudessem subsidiar os objetivos propostos neste estudo.

O enfoque adotado por Ferreira e Mendes (2003), para investigar a influência entre o Contexto de Trabalho e a Psicodinâmica, abordagens teórico-metodológica com afinidades conceituais, epistemológicas e históricas e que norteiam o presente estudo, fundamenta-se em dois pressupostos complementares.

O primeiro, advindo principalmente da Ergonomia da Atividade, refere-se à atividade do sujeito propriamente dita, onde, em situação de trabalho, a atividade caracteriza-se como um processo permanente de regulação e mediação que visa o ajuste do trabalhador às tarefas prescritas, ou às múltiplas determinações do contexto de trabalho (situacionais, físicas, materiais, instrumentais, organizacionais, sociais).

O segundo está afeto à avaliação que o trabalhador faz de seu estado interno, resultando em vivências de prazer-sofrimento, que pode ser compartilhada coletivamente e é influenciada pela atividade de trabalho.

Depreende-se desses pressupostos, já abordados de modo mais abrangente em seções anteriores, que toda a atividade laboral veicula implicitamente um custo humano que se expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivências de prazer e sofrimento têm como um dos resultantes o confronto ou conflito do sujeito com essa carga (trabalho real e trabalho prescrito) que, por conseguinte, impacta nas vivências subjetivas e no sentido e significado atribuído ao Contexto de Trabalho. Para tanto, o sujeito utiliza, basicamente, três estratégias de mediação individual e coletiva que visam manter a integridade física, psíquica e social.

Ferreira e Mendes (2003) indicam que as principais estratégias de mediação individual e coletiva utilizadas pelos trabalhadores são: as estratégias operatórias (afetas à Ergonomia da Atividade), as estratégias de mobilização coletiva e as estratégias defensivas (afetas à Psicodinâmica do Trabalho).

De acordo com Ferreira e Mendes (2003, p. 43-44), as Estratégias de Mediação Individuais e Coletivas (EMIC) são:

os “modos de pensar, sentir e de agir” diante de um contexto de produção específico. Elas visam a responder do melhor modo possível aos possíveis conflitos oriundos da diversidade de contradições que caracteriza o custo humano do trabalho, e que podem gerar sofrimento, buscando instaurar o predomínio de representações/vivências individuais e coletivas de prazer e bem-estar. Para os trabalhadores, responder adequadamente pode significar manter e / ou transformar as solicitações que resultam das variáveis presentes no contexto de produção.

De acordo com esses autores, o prazer é definido como uma vivência individual ou de um grupo de trabalhadores de experiências de gratificação oriundas da mediação entre as necessidades do indivíduo e as exigências do contexto de trabalho. Em contrapartida, o sofrimento é uma vivência de sentimentos dolorosos como angústia, medo e insegurança, provenientes dos conflitos entre o indivíduo e o contexto de trabalho.

Os dois pressupostos básicos, objeto desse estudo, vêm sendo estudados empiricamente mediante pesquisas realizadas por autores nacionais desde o início da década de 90 (MENDES; MORRONE, 2002). Esses estudos centraram-se na perspectiva de verificar as contradições, confrontos e conflitos provenientes das necessidades dos trabalhadores em relação ao contexto de trabalho e às vivências de prazer e sofrimento, em diversas categorias de trabalhado.

Barros (2004) corrobora tais conclusões quando afirma que tais pesquisas, realizadas com servidores de empresa pública do Distrito Federal, operários da construção civil do DF, professores virtuais de uma instituição de ensino superior particular em Brasília, operadores de teleatendimento em Goiânia, empregados de construção civil e profissionais da área de gestão de pessoas de uma instituição financeira, indicam que as contradições provenientes do conflito entre as necessidades do indivíduo e o contexto de trabalho geram uma subjetividade específica (prazer e sofrimento no trabalho) em cada categoria estudada. Dessa forma, as vivências de prazer e sofrimento, são enfrentadas mediante estratégias de mediação, que variam de acordo com o contexto de trabalho de cada categoria profissional.

Portanto, quando as estratégias falham ou quando a vivência do sofrimento é muito intensa e não é possível o seu enfrentamento, o adoecimento pode se instalar.

Vale a citação de algumas dessas pesquisas no sentido de articular as contribuições, corroborar ou não os achados e consequentemente, agregar valor à temática abordada, ora em pauta.

Ferreira e Mendes (2001), em estudo realizado com servidores públicos no DF, investigaram a inter-relação entre atividade de atendimento ao público e vivências de prazer e sofrimento no trabalho nos dois pressupostos objetos do presente estudo. A atividade e a vivência de prazer e sofrimento oriundos do custo humano do trabalho. Utilizaram técnicas de coleta e análise de dados qualitativa e quantitativa com 64 sujeitos e concluíram que a atividade de trabalho constitui um dos elementos explicativos para a predominância de vivências de sofrimento dos atendentes.

Facas et al. (2004), em pesquisa que investigou o trabalho de professores virtuais no contexto de trabalho, o custo humano no exercício da atividade, o prazer e o sofrimento vivenciados nesse ambiente e as estratégias de mediação individuais e coletivas utilizadas, realizaram entrevistas individuais semi-estruturadas e abertas com dois “professores virtuais”. Os pesquisadores verificaram que, quanto à organização do trabalho, existe liberdade, embora por vezes, o professor fique além de sua carga horária estabelecida para concluir as atividades. As condições de trabalho eram precárias em alguns pontos tais como a existência de reclamações com relação a mobiliário, ventilação, ruídos e equipamentos. Quanto às relações sociais com a chefia, havia diálogo aberto e com os pares era de companheirismo, sendo que a dinâmica entre estes e os alunos foi considerada excelente. Concluíram que a flexibilidade na organização do trabalho pode tanto ser positiva quanto negativa e que as condições de trabalho e as relações sociais eram adequadas. Indicaram que esses fatores favoreceram as vivências de prazer.

Vieira (2005) realizou pesquisa com 396 operadores de uma central de teleatendimento, fundamentada no pressuposto de que o confronto dos resultados da inter- relação dos trabalhadores com o contexto de trabalho pode ser fonte de prazer ou de sofrimento e dependem das estratégias utilizadas pelos trabalhadores para ressignificar o sofrimento e transformá-lo em prazer. O contexto de trabalho compreendeu as dimensões: condições de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais. Para tanto, utilizou a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), revalidada em sua pesquisa, com quatro fatores: gratificação e liberdade, para prazer e desgaste e insegurança, para sofrimento. Os resultados obtidos indicaram a presença de vivências moderadas de prazer e sofrimento, prevalecendo às vivências de prazer em relação às vivências de sofrimento. Os resultados sugeriram que os atendentes poderiam estar utilizando estratégias defensivas, como a negação, racionalização e a compensação para lidar com o sofrimento e manter a integridade física, psíquica e social.

Embora a escala a ser utilizada nesse estudo, por opção, tenha sido a validada por Pereira (2003), os fatores e indicadores recorrentes nas escalas de Vieira (2005) e Pereira (2003) são semelhantes, mudando-se apenas o modo de colocação das afirmativas referentes a estes, ou seja, Pereira (2003) utilizou uma escala com frases mais completas e elaboradas do que Vieira (2005), cuja escala continha apenas palavras que se referiam aos fatores, fato este que não influiu de modo definitivo na comparação entre os resultados encontrados.

Barros e Mendes (2003) investigaram o Contexto de Trabalho e as vivências de prazer e sofrimento no trabalho dos operários terceirizados de uma cooperativa do Distrito Federal, utilizando o modelo teórico-metodológico adotado por Ferreira e Mendes (2003), mediante a aplicação de entrevistas coletivas semi-estruturadas com dois grupos de cinco operários terceirizados cada um, totalizando dez participantes. Os resultados apontaram para um contexto de trabalho caracterizado por uma organização do trabalho rígida quanto à qualidade dos serviços, mas flexível em relação ao horário. As condições de trabalho foram consideradas satisfatórias e as relações de trabalho, amigáveis. A necessidade de sobrevivência e a satisfação no trabalho indicaram concomitantemente neutralização do sofrimento por meio das condições favoráveis do contexto de trabalho e da utilização das relações sociais de trabalho como estratégias mediadoras do sofrimento.

Silva e Mendes (2004) analisaram a relação entre o contexto de trabalho e os indicadores de prazer e sofrimento em 71 profissionais da área de gestão de pessoas de uma instituição financeira. Utilizaram-se do Inventário de Riscos de Adoecimento (ITRA), composto pela Escala de Condições, Organização e Relações de Trabalho (ECORT) e pela Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST). O contexto de trabalho foi percebido moderadamente pelos participantes. O fator da ECORT com maior média foi organização do trabalho. Os resultados da EIPST indicaram vivências também moderadas de prazer e sofrimento. As vivências de prazer apresentaram maior média em relação às de sofrimento. O fator liberdade apresentou a maior média. A avaliação teórica e empírica das implicações de variáveis do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento no trabalho apontou uma contradição entre vivência de prazer em um contexto insatisfatório. Os resultados mostram que os sujeitos adotavam como estratégias defensivas, a racionalização e a negação para evitar o sofrimento.

Silva, Campos e Mendes (2004), em pesquisa realizada com líderes religiosos neopentacostais e tradicionais, encontraram resultados que ratificaram a pesquisa anteriormente citada, concluindo que não existe diferença estatisticamente significativa entre a vivência de prazer-sofrimento e percepção do Contexto de Trabalho, ou seja, há

predominância de prazer em um contexto de trabalho insatisfatório, embora existissem diferenças de estruturas e concepções de trabalho totalmente diferentes, indicando que outras variáveis poderiam ter maior influência sobre as atividades.

Analisando-se as recentes contribuições por meio de pesquisas que objetivaram verificar as inter-relações entre o Contexto de Trabalho e a Psicodinâmica, conclui-se que as vivências de prazer e sofrimento são enfrentadas mediante estratégias de mediação, que variam de acordo com o contexto de cada organização e da natureza do trabalho. Assim, as pesquisas confirmam que a atividade de trabalho, bem como as condições de trabalho favoráveis, constituíam-se como prognósticos para a predominância de vivências de prazer, ou ao contrário, quando percebidas como negativas, atuavam como prognósticos de sofrimento dos trabalhadores. Os pesquisadores concluíram ainda, que independentemente de perceberem o contexto como insatisfatório, os trabalhadores tendiam, de modo geral, depender da escolha das estratégias defensivas a serem utilizadas no Contexto de Trabalho, regulando as vivências de sofrimento a fim de manterem a integridade física, psíquica e social.

Com o intuito de atingir o objetivo proposto neste estudo, definiram-se na próxima seção, os elementos que compuseram e delinearam os procedimentos utilizados para a investigação das percepções dos trabalhadores da organização investigada, quanto aos pressupostos da atividade (contexto do trabalho), das vivências de prazer e sofrimento (organização do trabalho), bem como a identificação das estratégias de mediação utilizadas pelos trabalhadores, haja vista as especificidades das naturezas de trabalho investigadas.

Assim, fundamentado no referencial teórico exposto nesta e em seções anteriores, principalmente no que concerniu ao Contexto de Trabalho e à Psicodinâmica, o próximo capítulo trata da metodologia utilizada para a consecução da pesquisa.